Por Adilson Dias Paschoal*
Insetos polinizadores, como as abelhas sem ferrão (jataí, arapuá), mamangavas e abelhas melíferas têm importância fundamental na produção agrícola e na qualidade dos alimentos. Estima-se que no Brasil o valor econômico da polinização seja de US$ 12 bilhões, equivalentes a 30% da produção das culturas agrícolas.
A polinização, em nosso país, é essencial (90% a 100%) para maracujá, melancia, acerola e melão; alta (40% a 90%) para maçã, pera, ameixa, pêssego, abacate, goiaba, girassol e tomate; modesta (10% a 40%) para coco, café, canola, algodão e soja; e baixa (0% a 10%) para feijão, caqui e laranja.
Para os Estados Unidos, os valores são os seguintes: amêndoas (100%), maçã (90%), mirtilo (90%), pêssego (48%), laranja (27%), algodão (16%) e soja (5%).
Morangos produzidos em ambientes fechados, sem polinizadores, apresentam frutos deformados, de baixo valor econômico. Milho, arroz e trigo são polinizados pelo vento. O Brasil é o oitavo país no mundo em produção de mel, com faturamento aproximado de R$ 360 milhões (2015), sendo mais da metade dele exportado.
Apesar da importância crucial dos polinizadores na produção de alimentos e do potencial econômico da apicultura e da meliponicultura, as abelhas vêm sendo dizimadas em todo o mundo. Na China, a situação tornou-se dramática, surgindo os “homens-abelhas”, pessoas que precisam subir em árvores para realizar o papel dos polinizadores, extintos em várias regiões, pelo uso excessivo de agrotóxicos.
Estudo conduzido na Escola Politécnica (USP) mostra que o aquecimento global poderá ter significativo efeito sobre esses insetos, notadamente na região Sudeste do Brasil, reduzindo a produção agrícola de várias culturas.
Efeito mais drástico e imediato é pelo uso de agrotóxicos, que atingem as abelhas diretamente por aplicações aéreas, ou indiretamente pelo uso de produtos sistêmicos, que, absorvidos pelas raízes ou pela parte aérea, contaminam as flores por elas visitadas (uma só abelha pode visitar dezenas de milhares de flores por dia).
O resultado é a morte acentuada de colmeias, reduzindo a produção de mel, própolis, geleia real e cera, e a queda na produção de culturas que dependem de polinização por esses insetos.
Assim é que no Rio Grande do Sul, o maior produtor de mel do país, 250.000 colmeias foram exterminadas em 2015, notadamente pelos agrotóxicos neonicotinóides (derivados sintéticos da nicotina). Situação parecida ocorre no Nordeste, segunda região maior produtora de mel, onde esses agrotóxicos têm dizimado colmeias em áreas de melão. Em São Paulo, o extermínio é devido à pulverização de agrotóxicos em áreas de canaviais.
Os neonicotinoides matam as abelhas de diferentes formas: por intoxicação direta, afetando seu sistema nervoso, o que faz com que percam a noção de direção, não conseguindo voltar à colmeia; desregulando seu sistema imunológico, tornando-as suscetíveis às doenças virais a que eram resistentes antes do contato com esses tóxicos; contaminando a água exudada pelas plantas, que lhes serve de bebida, e que contém resíduos elevados desse veneno.
Além das abelhas, outros polinizadores também são afetados: borboletas, mariposas, besouros. Aves, peixes e mamíferos são também intoxicados. Alguns desses agrotóxicos são cancerígenos humanos (câncer de tireoide).
Pela morte de polinizadores, esses produtos foram proibidos em vários países. Mas aqui, os neonicotinoides continuam agindo impunemente, malgrado as perdas agrícola e apícola, sendo mantidos sob a alegação de que não há substitutos adequados para eles, como se agrotóxicos fossem a única técnica existente para o manejo de pragas e patógenos.
É preciso que se entenda que em áreas tropicais e subtropicais o fator biológico (inimigos naturais, competidores etc.) é muito mais importante do que os fatores químico (agrotóxicos) e físico (clima) no manejo de pragas; também, que os agrotóxicos matam mais o que não é praga (os inimigos naturais e outras espécies úteis) do que a praga, gerando desequilíbrios biológicos, elevando espécies secundárias (que não causam danos acentuados) à condição de pragas primárias e criando resistência aos produtos usados no seu controle.
O arsenal químico não resolve, de forma estável e permanente, o problema de pragas em áreas tropicais. Já tivemos agrotóxicos minerais, substituídos, em sequência, por clorados, fosforados, carbamatos, piretóides e neonicotinóides.
O controle químico de pragas tem pouco mais de 60 anos; o biológico, pelo menos 400 milhões de anos, que é o tempo em que os insetos estão neste mundo – as espécies ajustando-se umas às outras em interações estáveis de predador-presa e de parasito-hospedeiro. O que os agrotóxicos têm feito nessas poucas décadas de uso é quebrar tais interações harmoniosas milenares, criando mais problemas do que realmente solucionando-os.
As abelhas são muito afetadas pelos agrotóxicos por uma única razão: não têm (como as espécies que se alimentam de plantas) resistência como mecanismo pré-adaptativo.
Ao longo de milhares de anos evoluindo com as plantas de que se alimentam, as espécies fitófagas desenvolveram resistência às toxinas desenvolvidas naturalmente pelas plantas para poderem sobreviver aos ataques (várias dessas toxinas naturais são usadas pelo homem para combater pragas: nicotina, piretrina, rotenona; outras foram sintetizadas a partir de suas moléculas).
Esse mecanismo, chamado coevolução, não existe nas abelhas. Nelas, pelo contrário, cuja presença é benéfica às plantas, pela polinização que realizam, a coevolução se deu no sentido de um mutualismo, beneficiando ambas, cabendo às abelhas, como moeda de troca, o néctar e o pólen, necessários à sua sobrevivência.
Como espécie muito recente neste mundo, o homem só irá superar os problemas que criou, quando aprender a trabalhar com a natureza e não contra ela.
*Adilson Dias Paschoal é professor titular da USP, professor sênior do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
Valor Econômico