Por Marcos Fava Neves*
Durante o ano de 2013, dando aulas na Universidade de Purdue, em Indiana (EUA) o assunto etanol de milho era recorrente. Afinal, os americanos tiveram um crescimento impressionante principalmente entre 2005, quando intensificam os investimentos para a recém-anunciada meta de misturar 10% de etanol na gasolina até 2013/14, quando esta meta foi praticamente atingida com 200 unidades e ao redor de 50 bilhões de litros por ano.
Para simplificar, toda a gasolina dos EUA tem hoje 10% de etanol de milho misturado (E10), e os americanos também têm acesso ao combustível E-85, composto por 85% de anidro e 15% de gasolina (com variações). Novas misturas como o E15 vem sendo trabalhadas para expandir o consumo. Vale visitar o site da associação que foi montada, a Renewables Fuel Association, que disponibiliza textos e vídeos muito ilustrativos. É um belo caso de marketing setorial (www.ethanolrfa.org).
Costumo brincar dizendo que o presidente George W. Bush, ao assinar este papel da mistura de biocombustíveis mereceria ganhar o prêmio Nobel do agronegócio brasileiro, pois hoje consomem aproximadamente 140 milhões de toneladas de milho por ano para fazer etanol, tirando grãos do mercado internacional e “queimando-os” nos tanques dos carros. Parte disto é usado como ração, mas muito da nossa expansão dos últimos 15 anos foi graças a este espaço deixado no mercado, ou que poderia ser ocupado no mercado caso esta produção estivesse totalmente disponível.
Em 2013 eram ainda nascentes os pensamentos e investimentos em etanol de milho no Brasil. Quando me perguntavam lá em Purdue, eu dizia que a cana era muito mais eficiente, pois gerava 9 unidades de energia para cada unidade usada, e o milho gerava ao redor de 2 por 1. Portanto, o Brasil continuaria investindo na cana. Mas a minha visão era restrita ao etanol, e não no moderno conceito de economia circular e sustentabilidade, hoje muito mais presente.
Passaram-se 5 anos e em 2018 tive oportunidade de debruçar um pouco mais sobre o assunto etanol de milho, motivado por dois convites para palestras e debates, uma feita em Cuiabá (evento da Novozymes) e outra no EsalqShow, em Piracicaba.
Já havia estudado o caso da SJC Bioenergia em Quirinópolis no começo do ano e fiz um texto com o título “Mais Quirinópolis e Menos Brasília”, relatando sua experiência com etanol de milho. Mas agora gostaria de colocar alguns outros pontos que vejo nesta oportunidade que se abre ao Brasil de maior integração nas cadeias produtivas e agregação de valor.
São basicamente três tipos de investimentos possíveis: uma unidade industrial isolada de produção de etanol de milho, que custa ao redor de US$ 90 milhões (iguais às que existem nos EUA); uma chamada flex full, que opera junto com usina de cana o ano todo, estimada em US$ 60 milhões, e a que permite produzir etanol de milho na entressafra da cana (flex integrada), estimada em US$ 20 milhões de investimento.
Dentro do conceito integrado de sustentabilidade (benefícios econômicos, ambientais e sociais), das entrevistas que dei, palestras assistidas e materiais estudados, penso que o investimento em etanol de milho pode trazer vários benefícios.
Benefícios econômicos do etanol de milho:
*O uso de etanol permite redução dos preços dos combustíveis e melhoria da octanagem da gasolina;
* Ainda temos grande chance de crescimento dos renováveis com políticas e frota flex;
* Permite redução das importações de petróleo (dependência externa) e aumento de exportações tanto de etanol como de carnes;
* Permite melhoria da eficiência produção de cana em usinas combinadas, diluição custos e melhor uso de ativos;
* Possibilita estímulo à produção de milho (com novo canal de vendas mais estável ao produtor) de 7 milhões de toneladas em 3 anos e 17 milhões de toneladas produzidas ao ano em 10 anos, além da diversificação de fontes de renda (soja, milho, cana e carnes, entre outros), eficiência do uso da terra, e as vantagens da possiblidade de estocagem de matéria-prima a ser processada, que o milho permite;
Benefícios ambientais do etanol de milho:
* Uso de subprodutos (1 tonelada de milho gera 400 litros de etanol, 300 kg do composto proteico chamado de DDG + outros) como insumos de outras cadeias produtivas, estimulando produção de bovinos, aves, suínos, peixes, leite e outros, trazendo novas agroindústrias/cooperativas;
* O esterco gerado por estas atividades pode ser tratado e virar fertilizante para o milho e a cana, dentro do que é chamado de economia circular;
* Redução de emissões de gases de efeito estufa pelo uso do etanol;
* Balanço energético 1 x 6 (1 unidade de energia geram 6 unidades de energia);
* Estimulo à produção de florestas (1.000 hectares de eucalipto para cada 100.000 toneladas processadas de milho (em 10 anos 170.000 hectares) e geração de eletricidade excedente, pois diferentemente da cana que gera o bagaço usado na cogeração, a fábrica de milho necessita de fontes térmicas externas, ou mesmo usar o bagaço da cana.
Benefícios humanos/sociais do etanol de milho:
* Criação de empregos rapidamente no interior do Brasil, melhoria de renda das pessoas, do PIB e empoderamento regional. Pelo Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), dos custos operacionais de uma usina, o milho representa 64%, biomassa 16,3%, manutenção 6,9%, massa salarial 5%, insumos químicos 5% e outros 1 a 2%, comprados na região;
* Geração de impostos para uso nas regiões produtoras (R$ 100.000,00 a R$ 150.000,00/unidade);
* Agregação de valor no local, multiplicando por cinco o valor gerado pelo milho grão;
* Mas para um futuro promissor deste setor, vejo também algumas preocupações, pontos de mitigação que precisam ser trabalhados, todos com soluções possíveis:
* Questões de logística de distribuição (está longe dos grandes centros de consumo);
* Debate sobre áreas necessárias para crescimento da produção de milho e eucalipto;
* Ainda a presença da falsa polêmica do uso do milho (alimento) para combustíveis;
* Reação negativa pela substituição pelo DDG de outros componentes de rações animais;
* Necessidade de energia externa (suprimento de biomassa) e questionamentos sobre o balanço energético;
* Volatilidade de preços da matéria prima (milho);
* Desconhecimento da sociedade sobre o processo e os produtos;
* Cálculo da pegada (consumo) de água (“water footprint”);
* Produtividade agrícola do milho no Brasil bem inferior à dos EUA;
* Necessidade de rapidez na implantação do Renovabio para criação de mercados visando o consumo do etanol;
* Alterações necessárias na legislação tributária, ambiental e outros aspectos do custo Brasil;
* Ainda o desconhecimento sobre o uso do composto proteico DDG e necessária padronizações de produtos gerados.
Estão aí alguns pontos para reflexão, que como disse, podem ser trabalhados e mitigados. Mas gosto muito da ideia por todos os benefícios que listei nos aspectos de sustentabilidade.
Impressiona o material enviado pela Unem (União Nacional de Etanol de Milho), que tem feito belo trabalho em prol do setor. Segundo eles já são 9 as usinas em operação, 5 em construção e 10 projetos em estudos. A Unem afirma que apenas no Mato Grosso a soja é produzida em 10 milhões de hectares, e destes, 4.5 milhões de hectares são usados para milho em segunda safra.
Nesta safra, por conta da janela antecipada do plantio de soja, são 7 milhões de hectares potenciais, além de 12 milhões de hectares para pastagens que em parte podem ser convertidos para o milho.
Portanto, não faltam áreas para a produção de grãos, que podem ter grande processo de agregação de valor transformado em combustível e proteína animal. O etanol de milho não é mais promessa, e sim realidade. Isto tudo aconteceu desde minha volta de Purdue, que completa cinco anos. Agora temos uma nova história para contar aos americanos.
*Marcos Fava Neves é professor titular dos cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto
e da EAESP/FGV em São Paulo. É especialista em planejamento estratégico do agronegócio.
Fonte: Notícias Agrícolas