Que avaliação é possível fazer a respeito do momento atual da armazenagem agrícola no Brasil? Que fatores históricos contribuíram para essa realidade atual? Como o setor precisa avançar para suprir as necessidades atuais e futuras? Quais são os principais entraves e desafios enfrentados? As perguntas são muitas e as respostas essenciais.
Com o propósito de analisar o tema, o portal Agrolink convidou o superintendente de Armazenagem da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Stelito Reis Neto, para debater um dos maiores gargalos do setor produtivo agrícola brasileiro.
“A safra comercializada em 2019 foi a maior de todos os tempos (cerca de 242 milhões de toneladas) e o País exportou impressionantes 41 milhões de toneladas de milho e 74 milhões de toneladas de soja”.
“Desde a safra 2016/17 temos, repetidamente, volumes sensivelmente superiores a 200 milhões de toneladas produzidas, tudo isso impulsionado por conjunturas externas, que elevaram a demanda pelos produtos brasileiros no mercado internacional”.
Segundo Neto, “isso tornou os preços dos produtos agrícolas interessantes para o produtor rural, além do aumento da demanda interna, em especial, o etanol de milho”.
Diante deste cenário, diz ele, “e considerando que a armazenagem é um elo obrigatório entre a produção e o consumo, existe a preocupação de saber se a estrutura armazenadora do País tem acompanhado essa produção”.
Capacidade estática
Segundo o Cadastro Nacional de Unidades Armazenadoras, entre 1982 e 2000, a capacidade estática brasileira era superior à produção de grãos. Em 2001, houve uma inversão. A produção ultrapassou essa capacidade e continuou a crescer em proporção maior. Entre as safras de 2001/02 até 2018/19, enquanto a produção de grãos cresceu 140%, a capacidade estática aumentou apenas 87%.
“Esse menor crescimento da infraestrutura de armazenagem tem causa multifatorial como a questão da engenharia, visto que unidades armazenadoras são estruturas complexas e caras de se construir, de forma que, em geral, é melhor esperar que a necessidade de aumentar a capacidade estática se consolide, para depois fazer o investimento”, afirma o especialista da Conab.
Outro ponto mencionado por Neto está relacionado às dificuldades logísticas do Brasil, das quais a armazenagem faz parte.
“A questão dos modos de transporte no país sempre se mostrou tão grave que o maior esforço vem sendo direcionado a essa parte do processo de escoamento. Até porque, como já informado, antes de 2001 sobrava espaço para o armazenamento de grãos. O momento atual merece que a armazenagem no País seja vista como o próximo fator logístico a ser impulsionado, sob pena de passar a estrangular o escoamento da safra nacional”.
O que pode salvar o setor?
Como a armazenagem precisa avançar para suprir as necessidades atuais e futuras? Quais são os principais entraves e desafios enfrentados? O que pode ser feito em termos de políticas públicas para resolver os gargalos?
Segundo o superintendente da Conab, três pontos devem ser considerados para minimizar o risco da falta de armazéns para o escoamento da safra nacional. São eles:
• Incentivo à construção de estruturas de armazenagem, especialmente em fazendas
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem, repetidamente, nos Planos Safra, oferecido linhas de financiamentos subsidiadas para esse tipo de construção.
Contudo, os produtores brasileiros ainda precisam ser convencidos, por meio de campanhas educativas e extensão rural, de que o investimento pode ser vantajoso ao seu negócio. Entre 2006 e 2018, o percentual de armazéns em fazendas no Brasil ficou, praticamente, estagnado, à medida que passou de 14,9% para 15,8%.
• Melhoria na qualidade de estrutura e operacionalização dos armazéns
Armazéns adequados em estrutura e pessoal reduzem as perdas qualitativas e quantitativas na pós-colheita, além de aumentarem a eficiência, podendo ter sua capacidade dinâmica e seus fluxos de recepção e expedição otimizados, o que faz considerável diferença em situação de insuficiência de espaço para armazenar grãos.
Outro ponto de destaque é a disponibilidade de tecnologia na área de armazenagem no Brasil. No entanto, os operadores dessas estruturas e equipamentos muitas vezes não têm capacitação adequada para utilizar tais aparatos.
Falta também, no geral, conhecimento na decisão de qual tecnologia é a mais adequada a cada condição, o que leva à redução da qualidade do produto, emperra os fluxos dentro do armazém e causa perda de tempo e qualidade nas demais etapas.
Por isso, a Certificação das Unidades Armazenadoras, criada por meio da Lei 9.973/2000 e regulamentada pelo Decreto 3.855/2001, deve ser incentivada, pois dois de seus principais eixos estão relacionados ao treinamento de pessoal e à determinação de critérios estruturais mínimos dos armazéns.
• Estudos que definam a capacidade estática necessária para o Brasil
Algo que daria suporte a todo esse processo de desenvolvimento da infraestrutura de armazenagem seriam estudos que apontem qual a capacidade estática necessária para o Brasil de forma regionalizada. Esta é uma carência do setor, pois não há dados atuais que levem em consideração todas as características e as dimensões do País.
Esses estudos poderiam proporcionar um melhor planejamento, tanto das políticas públicas de indução ao aumento do parque quanto para as empresas do ramo, que teriam mais segurança em seus investimentos.
“Como envolvem obras de infraestrutura e investimentos financeiros de vulto, é imperioso que as ações para o aumento da capacidade de armazenamento de grãos no Brasil sejam iniciadas imediatamente sob pena de o País sofrer com o risco de um afunilamento no escoamento de sua safra”, destaca Neto.
“Isso limita o potencial de renda do setor agrícola e a competitividade no mercado internacional da safra brasileira”.
Defasagem
Em relação às perspectivas para o setor, Neto afirma que “há boas exceções de que a busca por serviços de armazenagem e aumento de capacidade estática fiquem ainda mais aquecidas devido a possíveis movimentos nas demandas brasileiras tanto interna quanto externa”.
Segundo o superintendente da Conab, “apesar de não haver estudos que indiquem a capacidade estática ideal para o Brasil, existem sinais de que o País enfrenta uma defasagem no espaço para armazenagem de grãos, como no armazenamento a céu aberto, que pode ser observado com alguma frequência em regiões de grande produção”.
Neto menciona ainda a crescente utilização de silos bag, “uma forma alternativa de armazenagem, para quando não se tem estruturas fixas, ou mesmo quando se verifica que a capacidade estática nacional representa apenas 69% da produção de grãos do País”.
Cenários antagônicos
Nesse contexto, o especialista apresenta dois cenários antagônicos de demanda externa do mercado para os principais produtos de exportação do agronegócio brasileiro – o milho e a soja -, cujos resultados podem ser prejudiciais à cadeia produtiva nacional, se não for dada a atenção necessária à infraestrutura de armazenagem nacional:
1. O primeiro cenário está relacionado à manutenção da demanda externa aquecida que resulta em preços remuneradores e, provavelmente, levariam ao crescimento da produção. Neste caso, o Brasil teria de lidar com o estrangulamento dos canais de exportação, tanto nos portos como na logística de transporte.
A regulação necessária para o ajuste desse fluxo seria justamente a infraestrutura de armazenagem, o que leva à reflexão sobre a suficiência da capacidade estática instalada no País, a qualidade dessas instalações e a capacitação de quem opera as unidades armazenadoras.
2. Por outro lado, caso haja redução da demanda internacional, fica a pergunta: onde seria guardada toda a produção nacional? Ao considerar a média do quinquênio correspondente às safras 2011/12 a 2015/16, de milho, observa-se um aumento de 81,50% no estoque de passagem de 2019 em relação à média dos últimos três anos, levando-se em conta o Quadro de Oferta e Demanda da Conab.
Mesmo assim, alguns fatores específicos, como o clima desfavorável para a safra norte-americana no ciclo 2019 e o câmbio favorável às exportações dos últimos anos, vêm dando sustentação às altas cotações da commodity, e consequentemente incentivando o aumento da produção.
“Da mesma forma, a soja passa por uma situação que merece atenção. A exportação média dos três últimos anos, frente à média do quinquênio 2011/12 a 2015/16, aumentou 65,70%, segundo estimativas da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Essa demanda eleva os preços, incentivando a produção. Qualquer desajuste, a maior, nessa quantidade produzida, ou mesmo algum resfriamento da demanda externa, promoveria um excedente de produto no Brasil, com necessidade de estruturas de armazenagem”, explica Neto.
“O país ficaria com uma quantidade razoável de produto à espera de um melhor momento para a venda. Todavia, o instrumento para esse tipo de operação é a infraestrutura de armazenagem que, como já citado, mostra sinais de estrangulamento”.
Fonte: Agrolink
Equipe SNA