O governo argentino tem pressionado o Brasil a aumentar a vazão da hidrelétrica binacional de Itaipu, o que poderia ajudar a elevar o nível do Rio Paraná e facilitar o escoamento da safra de grãos do país vizinho em um momento de forte seca, disseram à Reuters três fontes especializadas no assunto.
A iniciativa surgiu após a constatação de que a falta de chuvas havia diminuído, ao menor nível em uma década, as águas do rio que é utilizado para o transporte de cargas na Argentina. Isso exigiu a utilização de mais navios para carregar o mesmo volume de soja ou milho, por exemplo.
Mas a demanda do país vizinho, que entra agora no pico da colheita de grãos, ocorre no momento em que o Brasil busca guardar água nos reservatórios hidrelétricos para atravessar o chamado “período seco” na região dos lagos das usinas, que vai de maio ao final de outubro.
O pleito tem sido negociado pelo Ministério das Relações Exteriores da Argentina junto ao Itamaraty e ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por gerenciar o acionamento de usinas para atendimento à demanda por energia, afirmou uma das fontes, que falou sob a condição de anonimato.
O Paraguai também participa das conversas, uma vez que é sócio do Brasil na usina, instalada próxima à tríplice fronteira entre os países. “Esse tema é sensível e envolve os três países. Haverá nova rodada de negociações”, disse a fonte.
O problema nas conversas, no entanto, é que técnicos do setor de energia no Brasil avaliam que a pressão da Argentina poderia atrapalhar a recuperação dos lagos das hidrelétricas do país após anos de precipitações insuficientes para encher os reservatórios.
“Estamos recuperando o armazenamento até o final de abril. Esse papo dos argentinos é um desejo”, declarou à Reuters uma fonte do setor elétrico que também pediu anonimato.
Apesar de chuvas melhores no Brasil neste ano, o Sul do país, onde fica Itaipu, sofre com a mesma seca que assola os argentinos, o que deixa os níveis dos reservatórios na região em nível abaixo do registrado no ano passado e ainda não considerado confortável.
Além disso, Itaipu não tem precisado operar a plena capacidade até o momento, devido à forte redução da demanda por energia em função da pandemia do Coronavírus. Assim, uma eventual ajuda aos vizinhos poderia envolver a liberação de água pelo vertedouro sem geração de energia, o que é visto como desperdício entre técnicos da área de energia, afirmou uma terceira fonte.
“Estamos abaixo do normal. Como com reservatório menor vai verter água?”, disse a fonte, acrescentando que tal manobra, tecnicamente, seria como “desperdiçar dólar pelo vertedouro”.
A falta de alinhamento entre os governos do presidente argentino Alberto Fernandez, de esquerda, e do brasileiro Jair Bolsonaro, de extrema-direita, também não deve contribuir, assim como a disputa entre os países por exportações de grãos.
Enquanto o Brasil é maior exportador global de soja e o segundo em milho, a Argentina é a maior exportadora de farelo de soja, sendo também uma das principais fornecedoras globais de milho e soja. “Eles fariam isso para a gente?”, questionou a terceira fonte, sobre o pleito dos vizinhos.
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu a um pedido de comentário. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e Itaipu também não puderam comentar de imediato.
O Rio Paraná é a principal via de exportação de grãos da Argentina, de onde se originam embarques do porto de Rosário até o Oceano Atlântico.
Segundo o gerente da Câmara de Atividades Portuárias e Marítimas, Guillermo Wade, o menor nível das águas tem feito com que embarcações precisem deixar o porto com menos grãos, em um navio Panamax, que geralmente zarpa dos portos argentinos com 50.000 a 55.000 toneladas, e isso provoca uma redução de cerca de 7.500 toneladas na capacidade de carga com as atuais condições do rio.
Reuters