Apenas 65% das propriedades rurais ligadas à cadeia de lácteos, em oito Estados brasileiros pesquisados no ano de 2015, produziram leite dentro dos limites previstos pela Instrução Normativa nº 62 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Hoje, estes limites são fixados em 300 mil Unidades de Formação de Colônias (UFC) por mililitro.
Considerando que, a partir de 2018, o novo limite deve ser de 100 mil UFC/ml, somente 41% destas fazendas, se for levado em conta o cenário do ano passado, vão produzir a bebida dentro dos padrões legais. Os dados fazem parte do estudo inédito Mapa da Qualidade do Leite – Volume 2, elaborado pela Clínica do Leite, organização sem fins lucrativos vinculada ao Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
Para montar o documento, a instituição realizou uma pesquisa em propriedades leiteiras da Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo. Os números ainda mostram que cerca de nove mil propriedades observadas apresentaram alta Contagem Bacteriana Total (CBT) no produto final (superior a 600 mil UFC/ml), o que comprometeu a qualidade do leite disponibilizado às indústrias.
“Se quisermos reduzir rapidamente a CBT, devemos direcionar nossos esforços para as propriedades com contagem alta, para conseguirmos ganhos consideráveis na qualidade do leite produzido em curto espaço de tempo”, alerta o gerente técnico e pesquisador da Clínica do Leite, Laerte Dagher Cassoli.
Segundo o especialista, a média aritmética de Contagem Bacteriana Total no leite produzido por 44 mil fazendas brasileiras, no ano passado, foi de 984 mil UFC/ml, enquanto a média geométrica girou em torno de 154 mil UFC/ml.
Cassoli relata que, apesar de ter ocorrido uma redução considerável na CBT, antes de 2011, com a introdução do transporte a granel e de resfriadores nas fazendas, após aquele ano, não houve melhora. Ao contrário, depois de 2012, houve uma elevação na carga bacteriana presente no leite.
“Como este crescimento foi observado em todas as situações – com ou sem pagamento por qualidade, independentemente do tamanho da propriedade, da região e/ou mesmo do sistema de fiscalização –, podemos deduzir que a causa do aumento recente (da CBT) se deve a fatores climáticos”, analisa o pesquisador.
De acordo com o diagnóstico da Clínica do Leite, no entanto, existem indústrias que conseguem captar essa bebida de alta qualidade, com a CBT média dos fornecedores abaixo de 50 mil UFC/mL.
“Isso mostra que é possível produzir leite de qualidade no país, mesmo em condições tropicais. Mas precisamos mapear as fazendas fornecedoras destas indústrias e entender como produzem o leite de qualidade internacional”, comenta Cassoli.
PERDA DE QUALIDADE
Em sua avaliação, apesar de os dados analisarem apenas 29 indústrias, foi observada uma importante perda de qualidade entre o leite que está na propriedade e o que está disponível para ser processado.
“Entre o tanque da fazenda e a chegada nas indústrias, a CBT aumentou em sete vezes, de 97 mil UFC/ml para 713 mil UFC/ml. Considerando o leite que está disponível no silo dessas empresas, o crescimento foi de 17 vezes, com CBT de 1,6 mil UFC/ml”, informa.
“Ações relacionadas ao tempo de estocagem e à redução da temperatura, ao longo da cadeia de transporte, são necessárias para que as perdas sejam minimizadas e a indústria consiga processar leite com menor índice de CBT, reduzindo as perdas nos processos industriais e melhorando a qualidade do produto final”, recomenda Cassoli.
Conforme o pesquisador, os resultados apresentados pelo documento Mapa da Qualidade do Leite mostram que é preciso melhorar os processos na propriedade, para que 100% dos produtores atendam à IN 62, ao transporte e ao armazenamento do leite até chegar ao processamento.
“Estamos perdendo muita qualidade quando comparamos o leite da fazenda e o que está sendo processado (armazenado nos silos das indústrias)”, comenta ele, acrescentando que isso afetará, diretamente, a qualidade do produto final oferecido aos consumidores.
Ainda poderá causar prejuízos às indústrias, em decorrência da queda de rendimento, por problemas de processamento e por menor tempo de prateleira, pontua Cassoli.
OPORTUNIDADE
“O mapa analítico feito pela Clínica do Leite é uma excelente oportunidade para que todos os envolvidos na cadeia produtiva de lácteos assumam suas responsabilidades, estabeleçam metas e coloquem as ‘mãos na massa’ imediatamente”, comenta o diretor da Sociedade Nacional de Agricultura Alberto Figueiredo, que representa a SNA na Câmara Setorial do Leite e Derivados, vinculada ao Ministério da Agricultura.
“Não se pode sonhar com a conquista de mercados internacionais se não formos capazes de oferecer um produto de qualidade ao consumidor. Além disso, a indústria não consegue fazer o milagre de melhorar a qualidade da matéria prima que recebe, quando muito, consegue mantê-la”, enfatiza o diretor da SNA.
De acordo com ele, no caso da contagem CBT, existem alternativas ao alcance dos produtores de todas as categorias, isto é, dos familiares e até dos empresários com sistemas sofisticados de produção.
“Praticamente todos os fatores que interferem no índice de CBT são de controle interno das propriedades produtoras. Sendo assim, medidas educativas, sucedidas de punições pecuniárias, terão efeito prático na solução do problema”, acredita Figueiredo.
Na opinião dele, é necessário empenho por parte das autoridades responsáveis pela fiscalização nas plataformas das indústrias de beneficiamento, além de um “comprometimento maior dos dirigentes dessas indústrias que, com receio de perder fornecedores, acabam fazendo ‘vista grossa’ para o problema”.
PUBLICAÇÕES
O estudo Mapa da Qualidade do Leite – Volume 2 foi elaborado a partir da base de dados de indústrias de laticínios, localizadas em importantes regiões produtoras de leite no Brasil. A maior parte (46%) fica em Minas Gerais e em São Paulo (42%); e o restante em Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Ceará e Bahia.
No total, o diagnóstico da produção de leite terá quatro volumes: o primeiro deles, que foi divulgado em agosto deste ano, trata da Contagem de Células Somáticas (CCS). No segundo volume, que apresenta a Contagem Bacteriana Total (CBT), conforme relatado, a Clínica do Leite apresenta o diagnóstico sobre a composição do leite (gordura, proteína, etc.). Em janeiro do ano que vem, a instituição prevê a veiculação de uma pesquisa sobre resíduos de antibióticos no leite.
Para mais informações, acesse www.clinicadoleite.org.br.
Por equipe SNA/SP