O Brasil deve conseguir retomar em breve as exportações de carne bovina para a China, o seu principal parceiro comercial, apesar de ainda não se ter uma previsão exata de quando. A avaliação é do sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres.
“(As exportações) devem ser retomadas mais rapidamente do que foram em 2021, quando o embargo durou pouco mais de cem dias. Caso contrário, os chineses vão pagar mais caro pela proteína mais à frente”, disse.
Nesta quinta-feira (23/2), cumprindo o protocolo sanitário assinado com a China, o Brasil suspendeu voluntariamente as exportações da proteína bovina para o gigante asiático, após a confirmação, em um bovino do Pará, de um caso de encefalopatia espongiforme bovina (EEB), conhecida popularmente como “mal da vaca louca”.
A suspeita é de que se trate de um caso atípico, e não clássico, ou seja, a doença se desenvolveu naturalmente no bovino, em razão de sua idade avançada (9 anos), e não por fatores externos, como o consumo de ração contaminada (aí seria um caso clássico, de maior risco, e um desastre para a cadeia produtiva brasileira).
Até então, os casos mais recentes registrados no País foram em 2021, em Minas Gerais e Mato Grosso. Na ocasião, foi diagnosticada a variante atípica da doença, mas a China suspendeu as aquisições de carne bovina do Brasil por cerca de três meses, mesmo após todos os esclarecimentos pelas autoridades brasileiras.
Normalização
“Desta forma, até que as questões todas sejam esclarecidas, a interrupção dos embarques deve continuar”, afirmou Torres.
No entanto, ele avaliou que os negócios devem se normalizar de forma rápida, uma vez que a China ainda tem uma forte necessidade de importar carne brasileira, em meio à oferta escassa da proteína no mundo, bem como pelo seu crescimento econômico.
Reflexos
Embora a perspectiva seja de paralisação por um curto período, a conjuntura já começa a afetar o setor pecuário. Como consequência do bloqueio voluntário do Brasil, Torres informou que a negociação de boiadas gordas no mercado físico ficou totalmente travada, com frigoríficos suspendendo as compras.
Além disso, para o consultor, se a paralisação durar mais, a carne destinada ao mercado externo será “desovada” internamente e, por consequência, o preço da carne pode cair, assim como o da arroba bovina.
“O contraponto disso (do autoembargo) é que o consumo interno de carne bovina deve melhorar (pelo barateamento do preço). Mas, de todo modo, o cenário é ruim (para a cadeia produtiva)”, disse Torres. Porém, ele reforça que é apenas “questão de tempo”, até que as exportações ao gigante asiático voltem a fluir.
Perda
Menos otimista, a diretora da Agrifatto, Lygia Pimentel, calcula que o País pode perder pelo menos US$ 500 milhões por mês de suspensão dos embarques à China. Ela acrescentou que ainda não há nenhum prazo para que as vendas sejam retomadas, “o que causa certo pânico”.
“Mas, pelas características da doença no bovino do Pará, se trata de um caso atípico. Vai dar tudo certo no fim, mas vamos perder mercado enquanto isso”, disse a especialista, complementando que, em média, o País destina a carne de cerca de 520.000 bovinos por mês ao mercado chinês, com faturamento médio de US$ 670 milhões.
Confirmação
Assim como Torres, Lygia confirma a paralisação na comercialização de bovinos gordos no mercado físico, isso desde quarta-feira (22/2), quando ainda havia apenas a suspeita do caso de EEB.
A confirmação ocorreu no fim da tarde, após o fechamento do mercado físico. “A comercialização foi praticamente zerada nos últimos dias”, assegura. Desta forma, segundo Lygia, “a tendência é de queda nos preços da arroba”.
Novo cenário
Mas, para a consultora, diferente do que foi em 2021, quando o pecuarista lidava com elevados custos de produção, com bovinos confinados e com a clara necessidade de comercializar os animais e reduzir prejuízos, o cenário agora mudou e os produtores estão em uma situação mais confortável.
“Hoje há mais possibilidades de segurar o boi a pasto. Acho que vai ser um pouco mais tranquilo, inclusive sob esse aspecto (de custos), mas com certeza teremos problemas”, disse Lygia.
Expectativa
Igualmente, em seu boletim diário, a consultoria SPGCI, ex-IHS Markit, confirmou a suspensão da comercialização de bovinos terminados no mercado físico e avalia que a situação deve permanecer assim até o fim desta semana.
A expectativa é de que as amostras do bovino com EEB enviadas para laboratório da Alberta, no Canadá, credenciado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), sejam brevemente avaliadas e se confirme que se trata de caso atípico da doença. Até lá, o mercado deve operar no escuro.