Agrotechs: startups voltadas para setor agropecuário são mais novo nicho de mercado

Nos últimos cinco anos, a expansão das startups voltadas para o setor agropecuário – as agrotechs ou agtechs – foi de 70%, aponta ABStartups. Foto: Divulgação

A tecnologia de agricultura (agtech) ou tecnologia para o agronegócio (agrotech), como é conhecida atualmente, estourou com o sucesso da venda da Climate Corporation para a Monsanto, em 2013, por quase US$ 1 bilhão. Desde então, as startups voltadas para o agro vêm ganhando destaque, com investimentos importantes no País. É o que afirma Maikon Schiessl, em entrevista à equipe SNA/RJ. Ele é empreendedor, bizdev e diretor do Comitê de Agtech da Associação Brasileira de Startups (ABStartups).

“A agricultura de precisão e outras formas de tecnologia agrícola existiam muito antes de 2013, mas esta venda (da Climate Corporation) desencadeou interesse sério na área e o mercado vem crescendo. Um relatório da Agfunder mostra que o setor saltou de US$ 2,06 bilhões, em 2014, para US$ 4,6 bilhões, no ano passado”, conta Schiessl, ressaltando que Agfunder é uma plataforma de investimento online líder no mercado, voltada para investidores credenciados que procuram investir em empresas de alimentos e tecnologias agrícolas.

De acordo com o o diretor do Comitê de Agtech, somente nos últimos cinco anos, a expansão das startups do agro foi de 70%. “Dados da ABStartups mostram que, hoje, são 4.180 empresas cadastradas em todo o País. No agro, são 23 empresas, mas existem outras áreas relacionadas, como meio ambiente, com 14 empresas, por exemplo”, informa.

“Como nem todas as startups estão cadastradas, acreditamos que existam, hoje, mais de 50 empreendimentos. No momento, o comitê de Agtech da ABS está mapeando todas as startups de agro existentes no Brasil. Em breve, lançaremos um relatório mais completo”, anuncia.

 

MAIS INVESTIMENTOS

Para que se tenha ideia das boas perspectivas deste novo nicho de negócios no Brasil, com o aporte da norte-americana Monsanto – empresa multinacional de agricultura e biotecnologia e maior produtora de herbicidas do mundo –, o fundo BR Startups passará a investir em “aceleradoras” que estejam desenvolvendo ou já desenvolveram programas de inovação tecnológica para o setor agropecuário.

Na mais nova rodada de investimentos, depois da “bombástica” compra da Climate Corporation, haverá uma seleção com aporte financeiro de R$ 250 mil a R$ 1,5 milhão por startup. O processo de escolha começou no último dia 5 de julho, com prazo para término em 7 de agosto. Para participar, as agrotechs – com, pelo menos, dois sócios e faturamento anual entre R$ 300 mil e R$ 10 milhões – devem se inscrever pelo link: www.fundacity.com/fundo-br-startups/apply/990.

 

PRINCÍPIOS

De acordo com o diretor do Comitê da ABStartups, as agtechs seguem os mesmos princípios das demais startups de outros segmentos: são empresas inovadoras associadas à tecnologia.

“Metodologias – como Lean Startup e Customer Development – ajudam a nortear a criação de uma empresa e a aumentar as chances de sucesso. Existem vários lugares onde é possível buscar ajuda: Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas); aceleradoras que tenham interesse no mercado de agtech; incubadores de base tecnológicas; além da própria ABStartups, que atua na educação empreendedora, com desenvolvimento de programas de capacitação, cursos e eventos para a evolução de ecossistemas regionais e empreendedores”, cita Schiessl.

Para explicar os termos, Lean Startup é um conjunto de processos usados por empreendedores para desenvolver produtos e mercados, combinando desenvolvimento ágil de software, desenvolvimento de clientela (Customer Development) e plataformas existentes de software (usualmente, FOSS).

“Na agtech, acredito que a mistura de jovens com perfil empreendedor, profissionais com experiência no mercado do agro e cientistas com espírito empreendedor dará um bom casamento”, diz Maikon Schiessl, diretor do Comitê de Agtech da ABStartups. Foto: Divulgação

 

PERFIS E EXEMPLOS PROMISSORES

O time de uma startup de sucesso – seja de agtech ou não – precisa ter características profissionais complementares. “Na agtech, acredito que a mistura de jovens com perfil empreendedor, profissionais com experiência no mercado do agro e cientistas com espírito empreendedor dará um bom casamento”, ressalta Maikon Schiessl.

Ainda conforme sua visão, “quando os investidores decidem investir em uma startup, eles não olham apenas para a solução, olham também para o próprio empreendedor e para seu poder de oratória, de persuasão, de paixão pelo negócio, além de seu potencial futuro de dedicação”.

Neste cenário, o diretor do Comitê de Agtech da ABStartups cita alguns exemplos de sucesso:

* AgroSmart – Utiliza o conceito de “cultivo inteligente”, monitorando fazendas em tempo real. O destaque da ferramenta desenvolvida por esta startup é proporcionar uma economia de até 60% no uso de água e energia na irrigação. A plataforma monitora, por meio de sensores no campo, mais de dez variáveis ambientais e gera recomendações ao agricultor em relação à irrigação, doenças e pragas.

* Agronow – Atua no desenvolvimento de uma plataforma de mapeamento agrícola que estima, informa e projeta a produtividade agrícola, em menos de um minuto.

* Agvali – Marketplace para o agronegócio, criou uma plataforma virtual que possibilita todo o processo de venda entre fornecedores nacionais, internacionais e revendedores agrícolas brasileiros.

* InCeres Especializada em soluções para o manejo da agricultura, tem como carro-chefe o sistema “InCeres”. É uma plataforma web que gerencia todos os dados da fertilidade do solo. O plano desta startup brasileira é tornar-se a maior fonte de dados para a agricultura: o “big data do agronegócio”.

 

OBSTÁCULOS

Apesar do cenário promissor, Maikon Schiessl admite os obstáculos já encontrados: “Hoje, o mercado de agtech ou agrotech enfrenta um abismo entre o segmento de early adopter (visionário) e early majority (pragmático). Um estudo mostrou que o gap de adoção de tecnologias disruptivas não está somente no Brasil. Nos Estados Unidos, as agtechs também estão enfrentando o mesmo problema”.

Vale ressaltar que tecnologia disruptiva ou inovação disruptiva é um termo que descreve a inovação tecnológica, produto, ou serviço, que utiliza uma estratégia disruptiva, em vez de revolucionária ou evolucionária, com o intuito de derrubar uma tecnologia existente e dominante no mercado.

A explicação para este fenômeno (early adopter versus early majority), segundo o diretor do Comitê da ABStartups, tem quatro motivos principais:

* Enquanto não há dados de vendas publicamente disponíveis para o Comitê de Agtech, as discussões com os agricultores indicaram que as maiores ofertas das agtechs ainda não são amplamente aceitas neste momento;

* Competidores individuais, rapidamente, ganharam uma fatia do mercado, mas ainda não viram um movimento consistente em early adopter para clientes pagantes;

* A adoção lenta pode influenciar a percepção de taxas de adoção: as taxas de adoção de early adopter são, por vezes, distorcidas por descontos ou versões betas disponibilizadas gratuitamente. “Existe uma distinção importante entre o uso exploratório de beta e a integração da tecnologia, de fato, com o negócio. Alguns agricultores estão também explorando várias ofertas em paralelo, durante a fase de beta teste.”;

* A pirâmide demográfica invertida do agricultor norte-americano (62% com até 55 anos e 33% com idade superior a 65 anos) mostra que uma maioria importante dos tomadores de decisão tem aposentadoria no horizonte. “O apetite pelo risco certo e retornos financeiros atrasados ​​reduz a atratividade de atualizações de sistemas.”

Atualmente, os fatores citados, segundo Maikon Schiessl, são as principais preocupações das agtechs brasileiras. “Sofri dois anos com este problema e afirmo que ainda será, por algum tempo, a dor das startups futuras. Ao considerarmos a promessa e o potencial de uma agtech, o desafio reside mais na velocidade de adoção do que a viabilidade tecnológica subjacente.”

Apesar disto, ele indica algumas medidas que podem ajudar os empreendedores das agrotechs a ultrapassarem este abismo:

* Justificar o valor acrescentado pelos produtos das agtechs, provando sua viabilidade econômica.

* Demonstrar a eficácia por meio científico, com estudos independentes, que confirmem a viabilidade agronômica e impacto no mercado.

* Apresentar modelos inovadores de confiança e de relacionamento com os agricultores, tentando tirar os intermediadores dos canais existentes, hoje, e diminuindo os “ruídos da comunicação”. “Como exemplo, cito o Nubank no mercado de fintech, que revolucionou o atendimento ao consumidor e marketplaces*, que eliminam a intermediação na negociação.”

O termo fintech (junção das palavras, em inglês, financial e technology) é, atualmente, usado para todas as startups que criam inovações na área de serviços financeiros, com processos fortemente baseados em tecnologias. Marketplace é uma modalidade de comércio online pela qual, dentro de um único site, várias empresas podem vender seus produtos, sem arcar com custos financeiros de um e-commerce.

* Pegar um nicho de mercado para construir um market share* inicial e estabelecer uma estratégia beach head.

Market share serve para definir o grau de participação de uma empresa no mercado, relacionado às vendas de um determinado produto; ou para tratar da fração do mercado controlada por ela.  Traduzido livremente como “cabeça de praia”, beach head, dentre vários significados, quer dizer “agilidade para adaptar a um mercado dinâmico e competitivo”.

* Enfatizar a facilidade de uso e sistemas de compatibilidade com toda a cadeia produtiva da propriedade rural. “Não é somente o agricultor que pode ser usuário, mas também o mecânico de equipamento, o motorista de caminhão, o operador de máquina, o engenheiro agrônomo, etc. Tecnologia embarcada e produtos, que são um ajuste no ecossistema da fazenda, irão ganhar força mais rapidamente com os agricultores carentes de tempo.”

 

‘MORTALIDADE’ DAS EMPRESAS

Dados globais da empresa de consultoria Allmand Law indicam que cerca de 90% das startups, de modo geral, fecham no segundo ano de vida. Recentemente, o primeiro estudo sobre “mortalidade” das startups brasileiras, realizado pela Startup Farm, indica que 74% delas fecham após cinco anos, no País.

“Três em cada quatro startups vão falhar, e isto é normal. Eu mesmo já falhei na última startup que fundei, e olha que não foi por falta de investimentos. E o maior motivo? Briga entre sócios e por não oferecer uma proposta que ‘converse’ com o mercado”, relata Maikon Schiessl.

Para evitar este risco, ele fornece algumas dicas:

1 – Bom acordo de acionistas: no início da startup, é fundamental fechar um bom acordo entre acionistas. “Isto evita muita dor de cabeça como, por exemplo, o tempo mínimo que o sócio precisa ficar na empresa para ter uma participação, e o tempo máximo que ele ficará para ele ‘vestir’ todas as ações (vesting), que pode variar de quatro a cinco anos.”

2 – Posicionamento de mercado (ou erro de pesquisa): “Se você tivesse um ‘e-commerce de cuecas’, qual seria seu público alvo? Homens ou mulheres? Uma observação: curiosamente, quem compra cuecas são esposas e mães, na maioria das vezes.”

3 – Sem estratégia de mercado (“go-to-marketing strategy”): muitas startups são de fundadores extremamente técnicos, com foco demasiado no produto a ponto de se esquecer do mercado.

“Para ir à etapa de crescimento, a startup tem de olhar um tanto para fora do produto e olhar para o mercado, analisar o que vai fazer para ganhar “campo”, clientes e blindar o mercado. É aí que a falta de um “founder bizdev” (desenvolvedor de negócios) ou de vendas pode prejudicar a empresa”, alerta Maikon Schiessl.

Para mais informações sobre startups e agrotechs/agtechs, acesse www.abstartups.com.br.

 

Por equipe SNA/RJ

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