Agropecuária regenerativa

Articulista afirma que a degradação de solos usados no pastoreio de animais é um milenar problema civilizatório, tornando áridas amplas regiões e provocando a formação de desertos; na imagem, gado em pastagem degradada. Imagem: Divulgação, Projeto ABC Capacitação

 

Xico Graziano

Ministério da Agricultura teve uma grande ideia: criar um Programa Nacional para converter pastagens degradadas em áreas de produção rural sustentável. Agroambientalismo na veia.

https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/12/governo-edita-decreto-que-permite-converter-pastagens-degradadas-em-areas-de-plantio

 

Anunciado por Lula na semana passada, durante a COP 28, realizada em Dubai, a criação do ministro Carlos Fávaro une a segurança alimentar com a proteção ambiental no campo. Reduz o vetor do desmatamento e avança no combate às mudanças climáticas.

Há uma meta e um prazo: promover a recuperação e conversão de 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade, transformando-as em áreas agricultáveis, em um período de 10 anos. Esse feito praticamente dobraria a área de produção de alimentos no Brasil sem ocorrer novos desmatamentos. Seria sensacional.

A pergunta é: vai sair do papel?

Roberto Perosa, secretário de comércio internacional do ministério da Agricultura garante que sim. A presença dele na articulação do Programa é sugestiva, pois a maior dificuldade a ser superada não está na tecnologia de produção, já amplamente dominada pelos agricultores, mas reside no financiamento e na logística. Aí é que a coisa pega.

Segundo Perosa, estima-se um custo de implementação do Programa na base de 3 mil dólares por hectare, o que daria um total de US$ 120 bilhões no período. Segundo o engenheiro agrônomo Maurício Nogueira, grande entendido em pastagens e pecuária brasileira, o custo pode ser menor, pois boa parte das pastagens com baixa produtividade poderiam ser revigoradas com técnicas que dispensam o revolvimento do solo.

De qualquer forma, devido ao ciclo longo da pecuária, os financiamentos do Programa teriam que ser de longo prazo, e por isso o governo está propondo 3 anos de carência e 12 anos para pagamento, com taxas de juro compatíveis. Como viabilizar esse recurso?

Aqui está o pulo do gato da dupla Fávaro/Perosa: transformar o custo em oportunidade, e vender o Programa no exterior, no contexto dos investimentos globais que se direcionam para a economia de baixo carbono. Afinal, para combater desmatamento e fixar Carbono no solo, reduzindo o efeito estufa na atmosfera, nada melhor que recuperar pastagens degradadas, transformando-as em sistemas integrados de produção intensiva (lavoura-pecuária-floresta).

Há, sabidamente, muito dinheiro disponível no mundo desenvolvido para impulsionar essa agenda ESG no agro. Como acessá-lo?

Garantindo retorno, nesse caso, exige o compromisso do país, tanto governo como produtores, em produzir alimentos sem avançar sobre as florestas nativas. Mais que isso, regenerar o solo e combater mudanças climáticas. Tudo rastreado, e certificado, para oferecer credibilidade aos investidores.

A degradação de solos utilizados no pastoreio de animais é um milenar problema civilizatório, tornando áridas amplas regiões e provocando a formação de desertos, incluindo desde o Saara até o Oriente Médio.

Imagem da Terra feita por satélite mostra extensão do processo global de desertificação… Reprodução Nasa

 

Allan Savory foi quem, em 2013, chamou a atenção mundial sobre o terrível problema. Seu famoso vídeo relacionava, de forma pioneira, a recuperação dos desertos com a reversão das mudanças climáticas.

Dessa questão brotou, recentemente, o apelo pela agropecuária chamada “regenerativa”, conceito que hoje domina as propostas de sustentabilidade no campo. A incorporação de matéria orgânica nos solos, através principalmente das raízes das plantas, significa sequestrar Carbono da atmosfera.Aviva o solo.

Quem possibilita esse extraordinário fenômeno é a fotossíntese, através do qual as plantas “respiram” gás carbônico (CO²), sintetizando carbohidratos, devolvendo Oxigênio (O²) para a atmosfera. Por essa razão, aliás, na agronomia nós aprendemos que o gás carbônico é o gás essencial da vida planetária.

Considerá-lo um gás “poluente” como os físicos e outros cientistas o tem classificado, devido à sua influência no efeito-estufa, é uma heresia biológica.

Mas esse é outro assunto.

 

Xico Graziano é engº Agrônomo, formado na ESALQ/USP e Doutor em Administração pela FGV/SP . Ocupou vários cargos públicos, destacando-se os de Secretário Estadual do Meio Ambiente e Secretário Estadual de Agricultura, em São Paulo. Consultor em sustentabilidade, tem 12 livros publicados sobre a questão agrária, agricultura e política.

 

Artigo originalmente publicado no site do Poder360.  www.poder360.com.br
Gentilmente cedido a SNA pelo autor

 

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