Agricultores de pequeno porte recebem apoio privado

Sem acesso à ajuda do governo federal, cooperativas e associações de pequenos produtores rurais buscam formas alternativas de financiamento para manter a atividade em pé e sobreviver aos efeitos sufocantes da pandemia da Covid-19 sobre seus negócios. Mas, pelo país, surgem iniciativas de grupos empresariais e organizações da sociedade civil para tentar dar fôlego a agricultores familiares e extrativistas e ajudar a superar o momento difícil no campo.

Uma dessas ações está ajudando duas entidades de produtores em pontos extremos do Brasil. Este mês, o Fundo Socioambiental Conexsus, organização que apoia projetos sustentáveis no País, liberou os dois primeiros financiamentos de crédito emergencial para uma associação de extrativistas, indígenas e pequenos agricultores do Pará e para uma cooperativa de produtores de arroz orgânico assentados no Rio Grande do Sul. São empréstimos que somam R$ 125.000,00, com juros de 6% ao ano, prazo de dois anos e carência de um.

O fundo deve liberar até setembro R$ 8.8 milhões arrecadados junto a empresas e organizações nacionais e estrangeiras, para 150 entidades de produtores do País. A maior parte dos recursos foi doada pelo Fundo Vale (R$ 4 milhões), pela Fundação Good Energies (R$ 2 milhões) e pela B3 (R$ 1.5 milhão). O Grupo Pão de Açúcar, a Fundação Arymax, o Instituto Humanize e o Climate and Land Use Alliance (Clua) também participaram.

Mais da metade do valor vai apoiar associações da Amazônia e servirá como um “colchão financeiro” para superar a pandemia e reorganizar o modelo de comercialização. O papel “mitigador de risco” foi necessário após uma pesquisa da Conexsus mostrar que mais de 80% do público está sem fluxo de caixa desde junho. “Grande parte dos negócios tem como mercado primário as compras da merenda das escolas. Sem aulas, produtores perderam uma fonte de receita importante e começaram a ter muitos problemas”, disse Carina Pimenta, diretora executiva da Conexsus.

Extrativismo

Foi o que aconteceu com a Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (Amoreri), de Altamira (PA). Os contratos com prefeituras de cidades vizinhas foram prejudicados e 311 famílias ficaram sem boa parte da receita. Os R$ 90.000,00 acessados pelo fundo estão sendo usados para estocar a produção de castanha-do-pará, babaçu, borracha, óleo de coco e copaíba. São mais de 250 toneladas e 2.000 litros de produtos extraídos de 10 milhões de hectares de florestas preservados.

A Amoreri representa uma rede de 27 cantinas, espécies de entrepostos comerciais ou pontos de troca inspirados nos estabelecimentos existentes na época de ouro da borracha, mantidas por diversas associações onde os extrativistas entregam a produção e podem adquirir alguns itens “da cidade”, de gêneros alimentícios, como café, arroz e feijão, até apetrechos de pesca e combustível para as embarcações, meio mais comum de locomoção no coração da selva amazônica.

Cada cantina recebeu uma quantia para repor os estoques e comprar a produção da floresta. “Vamos conseguir absorver mais produção vinda das comunidades sem ter urgência de entregar o produto para ter o dinheiro de volta. Ganhamos um fôlego”, disse Naldo Lima, assessor técnico da Amoreri.

Vantagens

Os recursos foram liberados de forma totalmente online, sem burocracias bancárias ou exigências de documentos. Apesar de ser um crédito emergencial, a visão da Conexsus é de longo prazo. Um dos requisitos para a concessão do financiamento é o compromisso da associação atendida para firmar uma parceria orientada com o objetivo de melhorar a gestão dos negócios.

Outra vantagem é que o fundo pode alavancar mais contratações de crédito, servindo como aval para operações bancárias já que a necessidade de recursos é maior. As propostas, recebidas pela Conexsus desde o fim de maio, demandaram mais de R$ 14 milhões. Sem prognóstico fechado, Pimenta acredita que o fundo possa avalizar a contratação de mais de R$ 40 milhões.

Orgânicos

Foi o que ocorreu com a Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Reforma Agrária de Viamão (RS), a Coperav, responsável pelo primeiro arroz orgânico certificado do Estado. Com um empréstimo de R$ 35.000,00, os agricultores do assentamento Filhos de Sepé, que fornecem a produção para mais de 300 escolas da região, conseguiram alavancar um financiamento de R$ 350.000,00 na Cresol por meio do Pronaf Investimento.

O dinheiro vai ser usado para finalizar a construção da indústria de beneficiamento de arroz da cooperativa, principal aposta para agregar valor à produção dos 151 associados e tentar reverter o baque de 80% que a pandemia causou no faturamento anual de R$ 4 milhões. Além do cereal, a Coperav produz frutas e verduras e tem uma padaria que vendia R$ 50.000,00 por mês antes da crise.

Sem receita, a cooperativa precisou vender 5.000 sacas de arroz orgânico como se fosse convencional para gerar fluxo de caixa, e teve prejuízo de R$ 20,00/saca. “A ideia é colocar a indústria para funcionar até agosto”, disse Huli Zang, diretor comercial da Coperav.

Há poucos dias, entrou no ar o site para vendas online. Os associados produzem 30.000 sacas de arroz por ano. Com o empreendimento, a capacidade de processamento pode mais que dobrar e beneficiar outros agricultores do assentamento.

O resultado esperado pela diretora executiva da Conexsus é servir de impulso e preparar os negócios para o período pós-pandemia. “Essas entidades vão estar melhor posicionadas para a recuperação econômica”, disse Pimenta. A linha permanece aberta para propostas até o fim de agosto. O limite de crédito é de R$ 200.000,00. Até agora, quase metade dos pedidos é de entidades de pequeno porte, com faturamento inferior a R$ 1.2 milhão anuais.

Ajuda do varejo

As duas maiores redes de supermercados do país já criaram ações para ajudar os pequenos produtores afetados pela pandemia.

O Carrefour Brasil resolveu antecipar os recebíveis de agricultores que fornecem frutas, legumes e verduras com taxas especiais. A intenção da empresa é ajudar a gerar caixa imediato na produção de hortifrútis para pagamento de mão-de-obra e maquinário e garantir capital de giro. A antecipação é feita pelo Fast Cash, unidade de negócios que atua com serviços financeiros exclusivos para os fornecedores do Carrefour. O apoio é isento de IOF (imposto sobre operação financeira) e o dinheiro pode ser liberado no mesmo dia.

Um grupo formado por 28 fornecedores já foi beneficiado com a medida, segundo informou Stéphane Engelhard, vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Carrefour Brasil.

Já o Grupo Pão de Açúcar agiu diretamente na formação do Fundo Socioambiental da Conexsus por meio do Instituto GPA. A rede possibilitou doações por meio do aplicativo de compras pelo qual os clientes fidelizados da empresa puderam direcionar pontos e descontos acumulados para serem revertidos em forma de dinheiro.

 

Fonte: Valor Econômico

Equipe SNA

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