Ministro da Agricultura entre 1974 e 1979, Alysson Paolinelli é um dos responsáveis pela revolução que colocou a agricultura brasileira entre as melhores do mundo. O País passou de grande importador, a um dos maiores exportadores de alimentos. Entusiasta e grande incentivador da agricultura tropical, o Acadêmico é um dos responsáveis pela criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), pelo aproveitamento do Cerrado na agricultura e pela virada do Brasil no setor agrícola.
Engenheiro agrônomo, Alysson Paolinelli vê na pesquisa o ponto crucial para que o Brasil siga avançado no setor. Nesta entrevista para o Boletim da Academia Nacional de Engenharia (ANE), realizada no dia 6 de maio, o Acadêmico relembra a história da agricultura brasileira, destaca a importância da tecnologia para o crescimento da agricultura tropical e faz críticas ao Código Florestal e a política do governo.
O Sr. é um dos responsáveis pela transformação da região do Cerrado em uma promissora fronteira agrícola. O que o motivou a investir na região?
Alysson Paolinelli – Ocupando uma determinada posição, tive que assumir minha parte e ajudar a quem realmente podia: os cientistas que já haviam estudado alguma coisa. A partir de 1930, quando começou a concentração urbana, o Brasil tinha um plano industrial baseado no conhecimento de outros. Tivemos que importar tecnologia, máquinas, matéria-prima e gente para lidar com isso. A indústria era obsoleta e para sustentá-la, tivemos que financiá-la com o fundo café. Nosso custo com royalties, com pagamento de serviços, máquinas e matéria era grande e a indústria era deficitária. A indústria propiciou a ocupação das cidades. Na década de 60, o Brasil tinha mais de 70 milhões de habitantes, sendo metade da população urbana.
Nesse período, o país vivia um drama muito grande, já que a população rural não conseguia abastecer a metade urbana. Economicamente, o País dependia de produtos tropicais (café, cacau, borracha, madeira tropical). Especialmente o café que garantia uma relativa sobra na balança comercial e nos permitia importar alimentos. Em 1973 veio a crise do petróleo. Nessa época nossa produção atendia apenas a 20% do consumo; o restante era importado. Imagine o problema. Importávamos 80% do que consumíamos e o petróleo passou de U$$ 3,00 para U$$ 30,00.
Com isso, o saldo comercial do café não aguentou. Subsidiar a indústria era uma conta grande. Comprar alimentos no mercado internacional para abastecer as cidades, especialmente naquele período de preços altíssimos, e ainda comprar petróleo… O Brasil estava quebrado. Todo o esforço que tinha sido feito no final da década de 60 e início dos anos 70 para que o agricultor usasse a expansão da área e conseguisse produzir, foi inócuo. Ele ocupou todas as terras roxas de São Paulo, no Paraná, no oeste de Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, depois as terras médias do sul de Minas, do triângulo de Goiás e não conseguiu produzir de forma eficiente. A razão era simples: não tínhamos conhecimento de tecnologia tropical, isso não existia no mundo. Ou criávamos essa tecnologia ou estávamos falidos. Foi assim que surgiu a Embrapa. Houve uma concentração de esforços das universidades em parceria com a iniciativa privada e conseguimos montar um programa de ciência e tecnologia.
Inicialmente, era chamado de Programa Cooperativo e depois de Ciência Nacional de Pesquisa Agropecuária. O programa foi capaz de munir o Brasil, em curto prazo, do conhecimento necessário para ocupação do Cerrado. O que mudou a partir da tecnologia?
AP – Em 1974 o Brasil produzia cerca de 220 mil toneladas de soja, hoje qualquer município produz isso. O que aconteceu com a soja? A questão é que o produto que estava aqui era a soja produzida no Norte da China, melhorada pelos Estados Unidos. Era um grão que tinha recebido um banho de tecnologia para a região temperada e não para a nossa. Na região tropical não produzia porque precisava de 16 horas de sol por dia, o que só ocorria no Rio Grande do Sul. Investimos, pesquisamos, adequamos nossas condições e oito anos depois, estávamos produzindo soja mais produtiva do que a gerada no “Corn Belt” americano. A tecnologia nos permitiu melhorar a qualidade de produtos, aumentar a quantidade da produção, desmatar menos e preservar nossos recursos naturais. Além disso, barateou os alimentos.
Qual o papel da agricultura na economia nacional?
AP – É fundamental. A economia nacional, de um modo geral, é deficitária. Deficitária na indústria, no comércio e nos serviços, mas na agricultura somos competitivos. O Cerrado, que chamo de caixa de segredos, está a cada dia melhorando suas condições de produção. Abrimos a primeira caixa e encontramos coisas boas, agora estamos na segunda, com ocorrências melhores. O Brasil é hoje o líder em agricultura tropical. Estamos fazendo avanços belíssimos.
A agricultura tropical é muito mais competitiva e sustentável. Aqui, não temos uma janela de 12 dias para plantar como há nos Estados Unidos e na Europa; temos 12 meses de aproveitamento. Conseguimos a segunda safra com condições naturais e vamos para a terceira. Então, é preciso desenvolver isso porque não há nada no mundo com esse potencial e acredito que vamos desenvolver rápido essas condições porque há mercado, há demanda.
Mas é preciso investir muito em pesquisa porque ainda não temos tecnologia acabada. Temos que evoluir. E quais os principais desafios da agricultura brasileira hoje?
AP – A agricultura brasileira precisa ser reconhecida pela sociedade e não é. A sociedade brasileira se beneficia dela sem saber. Na década de 70 a família média brasileira gastava de 42% a 48% de sua renda na alimentação. Em 2000, o percentual caiu para cerca de 12%, 14% graças à tecnologia que possibilitou aumentar a produtividade, baixar custos e, principalmente, não derrubar áreas. Mantemos o Cerrado hoje com mais de 50% de cobertura natural. Temos um potencial fabuloso porque desenvolvemos tecnologia de recuperação das áreas degradadas. A pecuária, que expandiu bastante no Cerrado, degradou muito; as pastagens estão 90% deterioradas, mas hoje temos através de tecnologias adequadas o plantio direto, a integração lavoura, pecuária e floresta e capacidade para recuperar essa área desgasta com rapidez e vantagens econômicas, isso não existe no mundo.
Em que áreas a pesquisa deve ser prioritária para o desenvolvimento?
AP – O Brasil tem distintamente seis grandes biomas que ainda não conhecemos bem. Acabamos de fazer uma besteira ao aprovar uma lei chamada Código Florestal que coloca em condições iguais, com as mesmas regras, o trópico úmido da Amazônia e o semiárido do nordeste, por exemplo. Esse é um gesto de ignorância, de incompetência em um país que tem uma Embrapa, que foi proibida de falar sobre isso. O que vejo é que esses biomas precisam ser bem tratados: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e o Pampa. Precisamos dar um tratamento especial, colocar a Embrapa, as universidades e a iniciativa privada, com o produtor rural envolvido, para desenvolverem formas de manejo que não degradem os recursos naturais.
Em sua opinião, as políticas do governo estão equivocadas?
AP – Sim. As políticas deveriam caminhar nesse sentido de estimular pesquisas capazes de gerar produtividade e garantir a preservação dos recursos naturais: o solo, a água, a planta, os animais e o clima. Temos que fazer um esforço nesse sentido. É isso que defendo como ponto fulcral. Além disso, temos que melhorar a infraestrutura – há mais de 20 anos que não investimos em infraestrutura – e, sobretudo, políticas públicas adequadas e de apoio às instituições para que possam se organizar no setor produtivo. Hoje, perdemos para nossos concorrentes por esses descuidos. Não estamos cuidando da qualidade dos produtos, da certificação, da padronização. Tudo precisa ser melhorado.
Diante do cenário atual, como o Sr. vislumbra nossa agricultura no futuro?
AP – Estamos perdendo espaço. A Embrapa está com dificuldades para comprar passagens para pesquisadores; instituições estaduais sendo fechadas; as universidades com potencial humano fabuloso sem poder aproveitar. Considero isso crime de lesa-pátria. Precisamos mudar esse cenário. O governo precisa recompor sua atuação no setor agrícola, não estou falando em subsidiar, mas em dar condições de igualdade para que o produtor brasileiro possa competir com seus contendores do mercado. É isso ou vamos perder cada vez mais espaço.
Fonte: ANE Brasil