Uma simbiose para o incremento da produtividade da Agricultura Brasileira nos anos 60
Confira a segunda e última parte do artigo a história dos estudos sobre a fertilidade dos solos, especialmente elaborado por Helio Meirelles, um dos diretores da SNA. O leitor poderá conferir a primeira parte no link https://sna.agr.br/a-revolucao-verde-e-as-pesquisas-sobre-a-fertilidade-do-solo-3/
A Revolução Verde
No cenário internacional do pós-guerra, caracterizado pela escassez de alimentos, emergiu, no limiar dos anos 60, um movimento sustentado por conteúdo técnico bem estruturado, que foi implantado em várias regiões do mundo. O formulador desses novos conceitos aplicáveis ao modelo agrícola predominante à época foi o agrônomo e cientista norte-americano Norman Borlaug e o conjunto das suas propostas ficou conhecido como Revolução Verde. (5)
Os resultados obtidos nos países que seguiram as recomendações alinhadas na Revolução Verde permitiram um efetivo avanço no combate à fome. O ápice do reconhecimento dos efeitos sociais positivos alcançados pela adoção dos preceitos da Revolução Verde pode ser atestado pela concessão a Borlaug do Prêmio Nobel da Paz, em 1970.
Em resumo, Borlaug recomendava um choque de modernidade no modelo predominante no setor agrícola, considerado excessivamente intensivo em mão-de-obra. As principais medidas preconizadas foram: mecanização das lavouras, principalmente com o emprego de tratores; irrigação automatizada; emprego de fertilizantes, defensivos agrícolas e corretivos de solos; e uso de sementes aperfeiçoadas. (5)
No caso do Brasil, as autoridades identificaram uma relevante sinergia entre os objetivos da Revolução Verde e as políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento econômico-social, pois o incremento acelerado da produção agrícola traria os seguintes benefícios: aumento da oferta interna de alimentos, atuando como freio nos índices inflacionários, e criação de excedentes destinados ao mercado externo gerando divisas, um agregado cuja carência sistemática limitava a importação de insumos energéticos e equipamentos, indispensáveis ao crescimento da economia. (5)
Além disso, com a adoção progressiva da mecanização das lavouras aconteceria um contínuo movimento de migração da mão-de-obra do campo para se tornar disponível nas cidades. Como consequência, seria reduzida uma importante restrição de fator de produção associada ao processo de fomento à industrialização, uma prioridade governamental permanente, no bojo do Programa de Substituição de Importações – PSI. (3)
Os mecanismos financeiros e creditícios de apoio ao agronegócio
Os resultados relevantes obtidos como consequência da aplicação prática da assistência técnica no campo, proporcionada pelo intercâmbio científico em nível internacional, foram monitorados pelas autoridades governamentais, interessadas, de forma cumulativa, em ampliar os efeitos positivos gerados a partir da Revolução Verde.
Diante desse cenário promissor, a década de 60 foi caracterizada por constante aprimoramento nos instrumentos financeiros de incentivo à modernização da agricultura e preservação da fertilidade dos solos, em busca de índices crescentes de produtividade.
No início do período analisado, as demandas de crédito do agronegócio eram analisadas pela Carteira de Crédito Agrícola e Industrial – CREAI, um órgão da estrutura do Banco do Brasil, criada em 1936. A CREAI operou até o final da década de 60, quando uma decisão interna do Banco cindiu os seus campos de atuação, passando o agronegócio a ser atendido pela Carteira de Crédito Rural. (6)
Uma ampla reforma do Sistema Financeiro Nacional foi introduzida pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, com destaque para a criação do Conselho Monetário Nacional – CMN, tendo em vista a decisão de extinguir outro Conselho que atuava no âmbito da Superintendência da Moeda e do Crédito.
Logo no seu Art. 4º, que define as competências do novo Conselho Monetário Nacional, estão listadas no inciso IX, medidas gerenciais de largo espectro, relacionadas ao setor agropecuário:
“Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover: recuperação e fertilização do solo; reflorestamento; combate a epizootias e pragas, nas atividades rurais; eletrificação rural; mecanização; irrigação; e investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias”.
No entanto, a deliberação mais impactante para o setor agropecuário estava contida no Art. 54, pois determinava que o CMN apresentasse ao Poder Executivo, no prazo de noventa dias, um projeto de lei a ser submetido ao Congresso Nacional, com o objetivo de institucionalizar o novo modelo do crédito rural.
A Lei nº 4.829, de 05 de novembro de 1965, acolheu as proposições do CMN ao definir o crédito rural no país. Lançando mão do disposto no caput do Art. 7º, o novo modelo passou a ser tratado como Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR. A referida lei foi regulamentada pelo Decreto nº 58.380, de 10 de maio de 1966.
O mencionado decreto faz referência ao Ministério da Agricultura em três passagens, abordando a sua função de planejador das atividades do segmento agropecuário. Há menções ao enquadramento das despesas com adubos e corretivos de solo quanto ao acesso ao crédito rural. O Art. 11 classifica as modalidades de financiamentos que podem ser contempladas e no item Custeio – com subdivisões específicas referentes às atividades de agricultura e de pecuária – as despesas comentadas acima foram consideradas.
A preocupação do governo com o desenvolvimento do setor agropecuário ficou demonstrada em outra oportunidade, pois antes mesmo da aprovação do SNCR pelo Congresso, e com base nas competências do recém-criado Conselho Monetário Nacional, foi editado o Decreto nº 56.835, em 03 de setembro de 1965, definindo um novo instrumento de apoio ao segmento: o Fundo Geral para Agricultura e Indústria – FUNAGRI.
Apesar de o Governo ter demonstrado especial atenção ao desenvolvimento da agricultura, algumas métricas utilizadas para acompanhar o resultado das políticas públicas para o setor, provavelmente, indicaram a necessidade de medidas pontuais para alcançar, de forma mais acelerada, os níveis de produtividade planejados para as principais culturas.
Como consequência desse diagnóstico, foi publicado, em 14 de junho de 1966, o Decreto nº 58.193, que instituiu, sob gestão do Banco Central, o Fundo de Estímulo ao Produtor Rural – FUNFERTIL, visando ao “Uso de Fertilizantes e Suplementos Minerais” em atividades rurais.
No entanto, diante da necessidade de ajustar as contas públicas, impactadas pela ampla concessão de incentivos subsidiados nos anos anteriores, o CMN decidiu substituir as funções mais relevantes do Funfertil. Em dezembro de 1969, foi instituído o FUNDAG – Fundo Especial de Desenvolvimento Agrícola.
A Resolução do Banco Central que regulamenta o Fundag estabelece, entre outras diretrizes: “concessão de subsídios parciais ou totais dos encargos financeiros incidentes sobre as operações de crédito rural, ou na aquisição de insumos, que visem à obtenção de maiores índices da produtividade agrícola”.
Em complemento ao conjunto de políticas públicas nos anos 60 destinadas ao desenvolvimento do agronegócio, o governo demonstrou interesse em mitigar as oscilações de lucratividade do segmento ao instituir, em dezembro de 1966, pelo Decreto-lei nº 79, o Programa de Garantia de Preços Mínimos – PGPM, que definia os critérios aplicáveis às atividades de agricultura, pecuária e extrativa.
Quanto à política cambial, as constantes interferências discricionárias do governo em relação à atualização da taxa de paridade da moeda nacional com o dólar americano foram alteradas, em 1968. A partir daí, passou a vigorar o sistema de “minidesvalorizações”, com as alterações no câmbio sendo comunicadas ao mercado a cada 45 dias, em média. (11)
Essa importante modificação permitiu que os agentes econômicos passassem a dispor de informações mais precisas para as suas decisões em relação ao comércio exterior. Para o segmento agropecuário, tornou-se mais previsível o cálculo das margens de lucro nas exportações dos excedentes de safra e do custo de importação dos insumos necessários à preservação da produtividade das lavouras.
Conclusões
Quando se traça uma linha do tempo com o objetivo de se identificar as mudanças estruturais do setor agropecuário brasileiro, raramente se enfatiza a importância da década de 60. No entanto, deve ser ressaltada a marcante transição observada no segmento, com impacto positivo e generalizado na produtividade das lavouras, como desdobramento da adoção de tecnologias modernas e de políticas públicas bem articuladas com as entidades privadas atuantes no setor e as instituições de pesquisa.
O comportamento de alguns agregados representativos do agronegócio indica o grau de consolidação dessa atividade no período analisado:
○ o incremento da área cultivada de aproximadamente 36%, passando de 25 milhões de ha em 1960 (7), para 34 milhões em 1970; (8)
○ a surpreendente evolução do consumo aparente de fertilizantes minerais, expresso em mil toneladas de nutrientes anuais: enquanto a média dos anos 1960/1961 foi de 273, no biênio 1970/1971 o indicador atingiu 1.096, correspondente a um aumento de 4 vezes; (9)
○ a pauta de exportações de produtos agrícolas no início dos anos 60 retratava o panorama observado durante as décadas anteriores, com o café na posição de carro-chefe e tendo o cacau e o algodão com participações menos destacadas. Em 1970, a lista dos mais exportados passou a contar com as presenças do açúcar, milho e carne bovina. Em 1972, a soja e o óleo de mamona surgiram entre os destaques mencionados anteriormente.
○ as estatísticas para as exportações de produtos agrícolas indicam que as operações passaram de US$ 953 milhões em 1960, para US$ 1,65 bilhão em 1970, correspondendo a uma elevação em termos de geração de divisas de aproximadamente 73% no período; (10)
○ a produção interna de tratores saltou de somente 37 unidades fabricadas em 1960, para 9.562 contabilizadas em 1968. (6)
Do ponto de vista demográfico, chama a atenção o comportamento migratório da população brasileira durante a década estudada: segundo os censos oficiais, o contingente que vivia em áreas urbanas aumentou em 20 milhões de habitantes entre 1960 e 1970. Como consequência, com base no total da população, a participação das pessoas que residiam no campo reduziu-se de 55% em 1960, para 44% em 1970. (3).
Bibliografia:
1 – MEIRELLES, H., CARRARA, E. Jr. – A Indústria Química e o Desenvolvimento do Brasil – 1500/1889, Metalivros, 1996.
2 – LOPES, A.S., GUILHERME, L.R.G., Fertilidade do Solo e Produtividade Agrícola, UF Lavras (MG), 2007
Acesso em: https://docs.ufpr.br/~nutricaodeplantas/fertisolo.pdf
3 – FIGUEIREDO, Y. C., A Fertilidade do Solo no Cerrado: os Pioneiros da Pesquisa e o Papel da Cooperação Internacional, Universidade de Brasília, 2016.
Acesso em: https://jbb.ibict.br/bitstream/1/1172/1/2016_YanCovolanFigueiredo_tcc.pdf
4 – SILVA, C.M., O IRI Research Institute e o Cultivo do Café das Velhas Fazendas Paulistas (1950-1960), UF da Fronteira Sul, 2014.
Acesso em: https://www.14snhct.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=1662
5 – Produção de Alimentos no Brasil: Geografia, Cronologia e Evolução -Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora, 2021.
Acesso em: producao_de_alimentos_no_brasil_geografia_cronologia_e_evolucao.pdf (imaflora.org)
6 – REDIVO, A. S., FONSECA, P. C. D., A Atuação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI): 1937-1969, Revista de Economia Política, vol. 42, 2022.
Acesso em: SciELO – Brasil – A atuação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI): 1937-1969 A atuação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI): 1937-1969
7 – LUNA, F. V., KLEIN, H. S. – Transformações da Agricultura Brasileira desde 1950. Ano: 2018
8 – MESQUITA, O. V., SILVA, S. T. – A Agricultura Brasileira em Grandes Números: 1970-1985 – IBGE, 1990
Acesso em: https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:VA6C2:7e36708a-1f74-4e27-9375-f7285d629c28
9 – FERREIRA, C. R. R. P. T., ANJOS, N. M. – Evolução do Setor de Fertilizantes no Brasil, 1954-80, ICA-SAA-SP, 1983.
Acesso em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/RP/1983/relat-0983.pdf
10 – HOMEM DE MELO, Fernando B., ZOCKUM, M. H. G. P. – Exportações Agrícolas, Balanço de Pagamentos e Abastecimento do Mercado Interno, Estudos Econômicos, n.7, v.2, 1977
Acesso em: https://www.revistas.usp.br/ee/article/view/155874/151475
11 – SCHUH, G. Edward, ALVES, Eliseu R.A. – O Desenvolvimento da Agricultura no Brasil, 1971.
Obra disponível no acervo: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br