A floresta no Supremo Tribunal Federal

Floresta e campo: o Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo Código Florestal, é um forte instrumento para fortalecer a legalidade territorial e da produção. Foto: Pixabay

Por Pedro Camargo Neto*

O Código Florestal, marco regulatório essencial para o fortalecimento de uma política pública, vem sendo solapado. A judicialização exacerbada, a lentidão da burocracia e a inoperância do poder de polícia se somam nesse sentido. A compreensão do tema vem evoluindo com o desenvolvimento do conhecimento científico e o reconhecimento pela sociedade da sua importância para a questão ambiental.

Destaco a relevância da ciência. Precisamos compreender os potenciais reflexos do desmatamento da Amazônia, seus efeitos no clima, na biodiversidade da região, os usos do solo e das florestas. O momento, porém, para o debate científico é outro.

Aqui nesta oportunidade restringir-me-ei à legislação em vigor, pois vejo como pré-requisito para as demais questões. Estou no Poder Judiciário, na Suprema Corte. Precisamos valorizar, exigir o cumprimento da Lei.

O Código Florestal sempre poderá ser revisado. Existem descontentes dos dois lados. O local para isso é no Congresso Nacional.

Divergências

Não bastasse o direito legitimo de contestar o aprovado pelo Congresso Nacional no Supremo Tribunal Federal, diversos Ministérios Públicos Estaduais entraram com milhares de ações nas Comarcas de Primeira Instância, contestando os mesmos artigos do Código Florestal em análise no Supremo Tribunal Federal.

Os produtores rurais foram obrigados a dispender recursos financeiros na contratação de advogados, além da triste pressão psicológica. As decisões foram para ambos os lados na Primeira Instancia, confirmadas ou não nos Tribunais de Justiça. Hoje muitas ações ainda enfrentam o Superior Tribunal de Justiça com interpretações divergentes que terão de ser analisadas por este Supremo Tribunal Federal.

O quão mais urgente essas divergências de interpretação forem decididas, melhor para todos. O pior dos mundos é a insegurança jurídica. Estamos pedindo socorro ao Supremo Tribunal Federal.

Quem perde com esse ativismo é a sociedade. Junto com ela o meio ambiente. Essas ações não são diretamente responsáveis pela crise conjuntural atual que tratarei mais abaixo, porém, certamente, tem reflexos na complexa questão.

Olhar para o futuro

Não se trata de alegações que existiriam anistias a crimes ambientais. Crimes tributários, eleitorais ou mesmo penais prescrevem. Não trato de prescrição de crimes de qualquer espécie. A evolução do conhecimento e a compreensão da sociedade nos temas ambientais avançou. A legislação foi alterada. É um equívoco criminalizar o passado. É um desrespeito ao cidadão cumpridor de suas obrigações legais.

O conceito político das áreas consolidadas foi de avançar, olhar para frente, respeitar o passado caminhando para o futuro. Remoer o passado somente atrasa o processo. O Código Florestal desenhado, votado, julgado, atingindo situações consolidadas no passado olhando para o futuro.

Validação do CAR

O Código Florestal obrigou o proprietário a apresentar declaração de como está sua propriedade através do CAR — Cadastro Ambiental Rural. Expõe eventual obrigação para atender a nova legislação. Milhões de CARs foram realizados pelos milhões de proprietários rurais. Expressivo trabalho realizado pelo setor privado, cumprindo a obrigação da nova legislação.

A validação dos dados apresentados pelos proprietários e a pactuação dos compromissos de recuperação ambiental previstos no Código Florestal exige a análise pelos Poderes Públicos, em particular o Estadual. São milhões de CARs a serem analisados, e compromissos de recuperação e enquadramento dentro do Código Florestal a serem feitos. Esse processo de análise esta tremendamente atrasado condição totalmente inaceitável. Destaco: precisamos alterar esse fato. O atraso fragiliza a Legislação.

Também aqui existem Estados da Federação que estão mais adiantados e outros mais atrasados. Esse processamento por si só é um enorme desafio para a burocracia das autoridades responsáveis pela questão ambiental nos Estados.

O processo de validação dos milhões de CAR está longe de ser trivial. É necessário pois a legislação inclui todo um processo de regularização, ou melhor, evolução, no sentido de colocar a propriedade em concordância com a nova visão de regularidade ambiental aprovada em 2012.

Não podemos também assustar. Entre essas milhões de propriedades a imensa maioria são de pequenas propriedades, abaixo de 4 Módulos Fiscais, aonde o Código Florestal facilitou muito seu enquadramento.

Legalidade territorial

O instrumento do CAR, criado pelo Código Florestal, é poderoso no sentido de fortalecer a legalidade territorial, e na sequência a legalidade da produção. É prioritário seu fortalecimento. É preciso validar, impulsionar os enquadramentos, cancelar eventuais irregularidades.

Outro aspecto que não pode ser ignorado é o do retorno à regularidade de propriedades que exigiram correções. É inaceitável a lentidão do processo igualando pequenas infrações que precisam ser corrigidas com as monumentais infrações quase sem solução. Novamente destaco: algo precisa ser feito pois é inaceitável permanecer dessa maneira.

O processo se torna ainda mais complexo devido a leniência com o grileiro criminoso de terras públicas que rejeitamos qualquer proximidade. Para o criminoso, esse atraso e lentidão cria uma penumbra para atuar com maior desenvoltura e tranquilidade.

Fiscalização

A fiscalização ambiental é deficiente em nível federal e estadual. Existem Estados da Federação aonde a fiscalização é mais efetiva. Outros não. É obrigação federal o controle das terras públicas: as unidades de conservação, reservas indígenas, e as confusas regiões consideradas como terras sem destinação.

As Unidades de Conservação foram criadas de cima para baixo. Não chegou a ignorar a existência de brasileiros em ocupações pré-existentes, inclusive legais, prevendo indenizações. Porém, o tema não mais avançou. É um debate necessário, pois se omitir nessa questão não é solução. Também as extensas áreas públicas denominadas sem destinação exige um essencial debate e orientação da sociedade sobre o que se pretende com essas áreas.

Avanço tecnológico

Não se menospreza a dificuldade em cumprir essa obrigação pela imensidão territorial que isso representa. Observo, porém, que o avanço tecnológico das imagens de satélites possibilita acurado acompanhamento do território e a tecnologia de informação que permite acompanhar o processo através de robôs viabilizam ações que precisam ser fortalecidas.

A tecnologia é disponível e poderosa. Exige vontade política em utilizá-la. A ação policial precisa chegar no local e na hora. A força precisa ser exata e correta inibindo futuras transgressões.

Crimes

Este vazio tem sido ocupado pelo grileiro, madeireiro e garimpeiro ilegal, criminosos que nada tem a ver com o produtor rural. O setor, porém, está pagando um alto preço pela existência dessa ilegalidade.

O grileiro é um especulador imobiliário criminoso de terras públicas. Rouba primeiro a madeira explorada de maneira rudimentar. Na sequência vem o fogo e o capim. Apresenta-lo como pecuarista é um erro grave. Entender que é a demanda pelo boi que leva ao grilo e desmate é um erro. A questão é territorial, de corrupção e fragilidade do Poder Público.

Pressão externa

Infelizmente tem sido a pressão externa que tem colocado foco na preservação da Amazônia. Recente manifestação de gestores financeiros demonstrou séria preocupação.

No passado, foram os importadores de carne e soja europeus que, pressionados pelo ambientalismo europeu, exigiram que o produto tivesse origem em área legal. Esta pressão levou a priorizarem o controle nos produtos de interesse para o importador.

Isto não é o melhor para nós brasileiros. O que nos interessa é que a produção seja toda ela legal, exportada ou não. A prioridade básica nossa, eminentemente nossa, precisa ser reconhecer e desejar que no Brasil as leis sejam obrigatoriamente cumpridas.

Desmatamento

Duas questões precisam ser lembradas. O Código Florestal permite o desmatamento de até 20 % da área regular das propriedades na região da Amazônia. O desmatamento legal não pode ser penalizado. Caso a sociedade brasileira entenda que não deve ocorrer, precisa procurar a alteração do marco regulatório no Congresso Nacional.

Como produtor rural precisamos é que, antes de mais nada, a Lei seja aplicada com efetividade e justiça. Foi o crescimento da impunidade das ações ilegais que levou a essa condição, aonde não basta ser fiel cumpridor da legislação nacional. O Poder Público falhou e passam ser necessárias certificações privadas além da oficial.

Outra questão que precisa ser destacada é a existência de 25 milhões de brasileiros na região. Existem infelizmente inúmeros problemas que não podem ser interpretados como ilegalidades, mas sim desobediência civil. O Poder Público não cumpriu seu papel em inúmeras questões, deixando o cidadão abandonado na região.

Inserção social e oportunidades

São milhões de brasileiros na Amazônia. Abandonados pelo Poder Público, muitos vivem em regime de subsistência, praticando infelizmente irregularidades para sobrevivência. Essencial uma política pública inserindo essa população na produção sustentável. Sequer as obrigações básicas do Poder Público como saúde e educação universal estão sendo cumpridas.

As possibilidades na região são inúmeras. As castanhas, o açaí, o cacau, a seringueira de cultivo e mesmo extrativa, o dendê, o manejo sustentável madeireiro da floresta.

É urgente o aprofundamento do conhecimento sobre a biodiversidade da região abrindo um leque de novas oportunidades. Certamente existem riquezas nas florestas a serem descobertas. Importante o desenvolvimento dos pagamentos por serviços ambientais.

O aproveitamento desse potencial exige, porém, conhecimento científico e a valorização do homem e da cultura local. Desenvolver o setor privado é um desafio ainda a ser enfrentado.

Diferenças

Foi infelizmente as fumaças dos fogos na Amazônia que ofereceram destaque ao setor agropecuário nos últimos dias. São investidores estrangeiros e nacionais que lideram e influem nas decisões.

O desmatamento é apresentado como o início do fogo. Correto, embora tenha muito fogo que nada tem a ver com ele. É apresentado como ilegal. Incorreto. Existe o desmatamento legal, mesmo que diminuto, quando realizado com a aprovação das autoridades, e existe a desobediência civil, grande, pois fruto do abandono das populações da região pelos Poderes Públicos. É preciso reconhecer as enormes diferenças.

A legislação se fragilizou, e seu descumprimento obriga o negócio privado a fazer suas próprias regras. Tornou-se irrelevante o desmatamento ser legal, até porque os Poderes Públicos não conseguem certificar.

A esperança dos produtores rurais, digo mais, do cidadão brasileiro, é que esta Corte Suprema ofereça à sociedade uma forte e tranquila compreensão do hoje legal na questão ambiental.

 

*Pedro Camargo Neto é pecuarista, agricultor e doutor em Engenharia.

 

Equipe SNA

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