A AGRICULTURA RENOVA SUA ENERGIA. Por Evaristo de Miranda

A cada ano, a matriz energética brasileira se torna mais limpa, graças ao crescimento da energia solar, eólica e, sobretudo, da agroenergia. Foto: Pixabay

A reduçãodas emissões de CO2 em escala planetária só será possível com a maior adoção de energias renováveis e o menor uso de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão mineral).Na descarbonização da matriz energética e natransição energética,o Brasil éuma liderança pouco conhecida e,muito menos, reconhecida:49,1% da matriz energética brasileira é renovável.

Matriz energética é o conjunto de fontes de energia para suprir as demandas de eletricidade, aquecimento e transporte. O uso de energias renováveis no Brasil é três vezes superior à média mundial (14,7%).Ou seja, 85% da energia consumida pela humanidade é fóssil e poluente. Se o planeta multiplicar por três o uso de fontes renováveis de energia (solar, biomassa, eólica, hidráulica…) ainda assim não alcançará o Brasil. Quem sabe disso?

Nos países da OCDE, a situação é ainda pior. Sua proporção de energia renovável é inferior à média mundial: 12,6%, segundo a Agência Internacional de Energia. Quase 90% da energia usada nos países desenvolvidos é suja, de origem fóssil (petróleo, gás e carvão mineral), altamente emissora de CO2 e gases poluentes. E eles ainda pressionam alegremente o Brasil em matéria ambiental.

O Brasil ampliou sua matriz energética renovável para 49.1%, liderando ações de transição, impulsionadas pela agroenergia rumo à COP30. Foto: Pixabay

Em 10 anos, o Brasil saiu de 39,7% de energia renovável em sua matriz energética para 49,1%. A cada ano, a matriz energética brasileira se torna mais limpa, graças ao crescimento da energia solar, eólica e, sobretudo, da agroenergia. Há 20 anos, a participação das energias renováveis na Oferta Interna de Energiase manteve em patamar elevado, até o recorde de 2023. Esse esforço será mostrado na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém em 2025?Será cobrado o mesmo de outros países?O Brasil pratica, como ninguém, ações para a transição energética pela inserção crescente de novas fontes renováveis em sua matriz energética, sobretudo oriundas da agropecuária, da agroenergia.

A agroenergia é a energia solar transformada em energia química pelas plantas através da fotossíntese. Ela fica armazenada nas folhas, sementes, caules e raízes. Quanto mais longo o ciclo temporal, maior a insolaçãorecebida pela planta e maior o acúmulo de energia química.Como emcultivos plurianuais e perenes: cana-de-açúcar, mamona, dendê, mandioca,macaúba,pastagensetc.A agroenergia é sinônimo de cultivos tropicais, cujos ciclos de produção são longos: 250 a 300 dias e até mais.

No Brasil, mesmo nos grãos (soja, milho, arroz…), a pesquisa agropecuária,com tecnologiasinovadoraspara as condições tropicais, viabilizou duas colheitasanuais no mesmo local. A soja, por exemplo, éplantada na primavera e,logo em seguida,vem omilho de segunda safra, colhido no outono. Issoamplia a produção de alimentos para humanos e animais (farelo de soja, DDG, fubá…) e de energia (biodiesel de sojae etanol de milho), num “ciclo longo”de produção (150 a 180 dias), inédito e virtuoso: duas colheitas de grãos por ano na mesma parcela. Alimento e agroenergia.

Em países temperados, como nos EUA e Europa, asbaixas temperaturas e a poucainsolaçãono outono e inverno limitam a atividade fotossintética das plantas de 90 a 120 dias, entre primavera e verão. Uma única colheita por ano de cereais, beterraba, canola…para biocombustíveis, tudo de ciclo curto,épouco sustentável em termos energéticos.

Em 2023, a agropecuária garantiu 32,7% da matriz energética do Brasil ou 102,7 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP). Por ordem de importância, contribuem com a parte renovável da matriz energética a cana-de-açúcar ao fornecer etanol para veículos, gás biometano e cogeração de energia elétrica com o bagaço da cana; as florestas energéticas de eucalipto fornecem lenha e carvão; os óleos vegetais, sobretudo da soja, e o sebo de boi entram na composição dobiodiesel;os resíduos agrícolas e florestais (licor preto, palha de arroz, cavacos, biogás de dejetos animais…) também geram calor e energia elétrica.

A contribuição da cana-de-açúcar (etanol, biometano e cogeração do bagaço) na matriz energética brasileira em 2023 foi de 16,9%, bem superior aos 12,1% de todas as hidroelétricas no mesmo período!Quando cresce a demanda por açúcar, um alimento, aumenta a produção de bagaço e energia pela cana.

Lenha e carvão vegetalsão produzidos por florestas energéticas plantadas, essencialmente eucalipto, e utilizados desde siderúrgicas de ferro gusa e aço verde, passando por usos industriais, domésticos até pizzarias. As siderúrgicas brasileiras Gerdau, Aperam,ArcelorMittal e Vallourec são as maiores consumidoras de carvão vegetal.Maior produtor mundial, o Brasilatingiu 24,2 milhões de metros cúbicos em 2023. Substitutosdo carvão mineral, lenha e carvão contribuíram com 8,6% na matriz energética em 2023, o dobro dosaportes das energias eólica (2,6%) e solar (1,7%).

No sistema de transporte, o consumo do etanol combustível cresceu 5,4% em relação a 2022 e atingiu 32,1 bilhões de litros em 2023.Além do etanol da cana-de-açúcar, o de milho não para de crescer e representou 15,8% da produção total, um crescimento de 18,1% em relação a 2022.O uso do etanol ou sua adição à gasolina contribuem na melhoria da qualidade do ar nas aglomerações urbanas.

Foto: Pixabay

Outro combustível renovável produzido pela agricultura é o biodiesel. As matérias primas mais usadassão óleo de soja (80%) e sebo de boi (20%).O Brasil éumdos maiores produtores de biodiesel. Seu consumo crescente é favorecido pela política de adição deste combustível renovável ao diesel fóssil. Seu uso alcança todos os ônibus, caminhões, tratores e outrosutilitários. Muitos não se dão conta. Pior: alguns ainda falam contra soja e bois em seus discursosecológicos!

ALei Combustível do Futuroampliou a demanda. Em 2025, o teor de biodiesel será de 15% no diesel e chegará a 25% até 2035. Isso exigirá um volume de óleo de soja 296% superior ao utilizado em 2023. Há 12 anos, a produção de biodiesel era de apenas 2,4 bilhões de litros. Em 2024,foram produzidos 9,3 bilhões de litros de biodiesel.A produçãodeverá alcançar 12,3 bilhões de litros em 2027.A capacidade de esmagar soja da indústria passará dosatuais 59,8 milhões de toneladas para 72,1 milhões em 2027. O processamento industrial aumentará mais de 11 mil toneladas/dia até 2027.

Em 2023, biodiesel,licorpreto e outros subprodutos da biomassa de uso energético representaram 7,2% na matriz energética brasileira.Um valor superior, por exemplo, ao da participação do carvão mineral(4,4%).

A eficiência da agropecuáriabrasileira na produção de agroenergia é enorme. Para produzir 32,7% da oferta interna de energia, o setor agropecuário consomeapenas 5,0% na matriz energética.Essencialmente em diesel e eletricidade. O consumode energia da agricultura éinferior ao de qualquer outro setor da economia. Elesnão geram quase nada e têm um consumo bem superior ao da agropecuária. Otransporte éo maior consumidor de energia: 33,0% da matriz. Aindústria consome 31,8%.Residências alcançam 10,7% eserviços 5,1%. Até o setorenergético tem um consumo superior ao da agricultura,ao gerar e distribuir energia: 8,8%.

A sociedade brasileira começa descobrir outra dimensão da agricultura: gerar energia, além de produzir alimentos e fibras.A agricultura e o setor florestal são máquinas movidas a energia solar, a não confundir com a energia fotovoltaica. A agropecuária brasileirana produção e na reciclagem (economia circular) é exemplo de geração de energia limpa, verde e solar.

Com a COP30 no horizonte, enquanto segue a crise energética e a queda brutal na venda de carros elétricos na Europa, a produção de etanol e biodieselavança no Brasil com o desenvolvimento de carros híbridos e o hidrogênio verde.E alhures. Dadas as oportunidades das políticas de descarbonização nos EUA, a Eco-Energy, braço norte-americano da Copersucar, a maior comercializadora de etanol do Brasil, ampliou seu programa voluntário de emissão de créditos de carbono (TERC).

A Honda anunciou o primeiro veículo de célula de combustível de hidrogênio plug-in de produção da América. O CR-V e:FCEV será um SUV compacto que poderá fazer até 46 quilômetros com a bateria | Foto: Divulgação/Honda

Com a COP30 no horizonte, a participação do setor agropecuário na produção de combustíveis limpos de aviação (Revista Oeste, edição 234), o SAF (Sustainable Aviation Fuel)avança.Óleos vegetais como o de soja podem ser a base da produção de SAF e de diesel verde (HVO). Esse mercado, estimado em 1,1 bilhão de dólares em 2023,deverá chegar a 16,8 bilhões em 2030. No Minnesota (USA), o investimento de 5 bilhões de dólares numa usina de SAF criará centenas de empregos e atenderá metade da demanda de SAF do Minnesota International Airport. E por aqui?

Com a COP30 no horizonte, quem sabe o Ministério do Meio Ambiente e o Itamaraty possamdefendera exploração do petróleo na Margem Equatorial na Amazônia. E explanar como isso serviriaparafinanciar o investimentoemuma grande indústria de produção de SAF no Pará eo quanto serviria na descarbonização do setor aéreo brasileiro e mundial.Haveria notícia melhor para a Amazônia, o Brasil e o mundo? Pouco provável.

Com a COP30 no horizonte, o país chegaráem Belémexibindoseu complexo de vira-lata, com o obscurantismo de ministros de Governo, estatais e ongs ambientalistas? Eles combatem o agro nacional, o tratamdeogronegócio, modelo de mortee impedem o desenvolvimentosocial e econômico da Amazônia. Ao contrário da agroenergia, essa energia do atraso, negativa e eugenista, precisa ser varrida energicamente do horizonte da COP30 e do Brasil, para o bem de todos e felicidade geral da Nação.

Foto: Divulgação/autor

Evaristo de Miranda é pesquisador, doutor em Ecologia e Membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA  https://evaristodemiranda.com.br/
Artigo originalmente publicado na revista Oeste e gentilmente cedido pelo autor à SNA
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