Diplomacia e pragmatismo a serviço do agronegócio

Ao longo do tempo, o Brasil diversificou seus parceiros comerciais mundo afora, num esforço de gestores públicos e privados que ajudaram a consolidar a imagem do país como pujante produtor agrícola e potência exportadora. Apesar disso, a natural e democrática alternância de poder causa, com frequência, descompasso no discurso dos governos quanto a temas sensíveis que afetam em maior ou menor grau a relação com importantes aliados econômicos.

A última década foi prolífica em sobressaltos de natureza política, com manifestações nas ruas, eleições polarizadas e investigações judiciais que mantiveram o Brasil em destaque na imprensa internacional. E nem sempre a narrativa propagada no exterior consegue captar as nuances sutis que podem fazer diferença.

Clientes, muitas vezes, decidem não somente com base no preço e na qualidade do que compram, mas também na reputação de quem vende. No mercado publicitário, é cada vez mais comum que marcas de prestígio precisem se retratar com rapidez após uma peça mal-recebida, mesmo que sem relação direta com a atividade-fim da empresa. O potencial estrago provocado na nova era dos cancelamentos é veloz e de difícil reversão.

Analogamente, vem faltando essa perspicácia a muitos agentes públicos que deveriam zelar pela boa imagem brasileira, no lugar de erodi-la. Parlamentares, influenciadores e figuras de grande projeção midiática que antipatizem, por qualquer razão, com este ou aquele governo, além de seus integrantes, se empenham em criticar o país em entrevistas, posts e pronunciamentos. No tribunal das redes sociais, o julgamento sumário tornou-se regra, e grandes conglomerados ou até mesmo nações se veem pressionados em tempo real a boicotar-se mutuamente. A tomada dessas decisões mostra-se açodada e ruim, em contraste com pragmatismo e sensatez que devem pautar essas tratativas, longe de ânimos exaltados.

O agronegócio parece ser o setor de convergência dessas polêmicas gratuitas, bem como o primeiro a sofrer as consequências de atropelos políticos e manobras puramente ideológicas. Quem compra do Brasil costuma discordar entre si quanto a uma variada gama de questões, e cabe ao país e seus representantes cultivar uma isenção salutar para manter-se imune a represálias de quem porventura se ofenda com alguma questão-chave na qual uma autoridade decida opinar sem o devido embasamento e pertinência.

O universo do agro precisa de quem advogue a sua realidade com conhecimento de causa, sem minimizar os desafios nem tampouco menosprezar a crescente robustez do país. Os obstáculos fazem parte do caminho, porém estão inseridos num contexto de geração de empregos, agricultura familiar, convivência pacífica com a população indígena e preservação da soberania nacional diante de incursões predatórias, sobretudo no garimpo ilegal. Além, é claro, de atender a quem compra e investe.

Exemplos recentes podem ilustrar esses dilemas. Em 2019, o Brasil verbalizou a intenção de transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Diante da controvérsia que envolve a cidade e sua reivindicação por diferentes grupos étnicos e religiosos, poucos países escolhem fazer esse gesto, para não melindrar o estado israelense nem seus rivais geopolíticos, com os quais também fazem negócios. Com a reação dos árabes, o governo de então voltou atrás, para evitar macular a próspera parceria com todos os envolvidos em nome de uma investida que não traria nenhum benefício, talvez somente para os concorrentes, sempre à espreita.

Já em 2023, uma nova gestão equiparou as responsabilidades entre Rússia e Ucrânia no conflito armado que os países travam. Tradicionais aliados europeus e os EUA foram pegos de surpresa pela saída do Brasil de sua posição de neutralidade, e receberam mal as declarações, que foram retificadas em seguida pelo próprio governo, diante da pressão.

Recuando mais no tempo, vemos também que nem sempre é possível deixar de tomar partido. A contrapartida, porém, deve ser clara, e os motivos, prementes. Na 2ª Guerra Mundial, Getúlio Vargas postergou até o último momento seu apoio aos Aliados contra o Eixo, mobilizando tropas e cedendo pontos do território para bases militares. Em troca, teve forte auxílio no investimento e na logística para a construção da companhia siderúrgica nacional, marco da expansão industrial do país.

Em 1982, João Figueiredo destoou dos líderes que não reconheciam o pleito argentino pelo arquipélago das Malvinas, pois, a seu ver, o conflito passaria, enquanto a vizinhança e amizade entre os países sul-americanos era longeva. Não quis, entretanto, envolver o país formalmente no litígio. Hoje, tanto argentinos quanto ingleses permanecem como aliados brasileiros.

Assim, numerosos episódios ao longo da história demonstram que as parcerias comerciais pairam acima de ideologias passageiras, sendo que os requisitos para o respeito e amparo da comunidade internacional o Brasil já possui: uma democracia sólida, além de instituições fortes que estão comprometidas com a prosperidade e a segurança jurídica, fornecendo assim as garantias de procedência dos produtos a um preço competitivo, passando ao largo de atritos desnecessários.

Cabe salientar que o Brasil deve valorizar, nesse em qualquer outro cenário, seu competente e respeitado corpo diplomático, composto historicamente por nomes de rica formação acadêmica e destemida atuação na defesa dos interesses nacionais, na tradição do Barão do Rio Branco.

O Itamaraty pode e deve servir de termômetro nos momentos delicados, pois as missões oficiais possuem condições de, nos diversos países em que se encontram, aferir e até antecipar a reação de outros governos, aconselhando autoridades no difícil equilíbrio entre atuação política e obtenção de resultados práticos.

 

Marcelo Sá

Equipe SNA
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