Por Camila Dias de Sá, pesquisadora do Insper Agro Global
A preocupação europeia com a agenda de combate às mudanças climáticas é bastante notória. A meta de corte das emissões de gases de efeito estufa em 55% até 2030 em comparação com os níveis de 1990 é emblemática disso. Um dos avanços mais recentes nesse sentido se deu com o acordo, anunciado no final de 2022, em torno do mecanismo de ajuste de fronteiras de carbono (do inglês Carbon Border Adjustment Mechanism, CBAM).
Ainda com o texto preliminar — a versão final deve ser anunciada nas próximas semanas — o mecanismo se refere ao ajuste de fronteira como forma de evitar o “vazamento” de carbono em produtos importados pela União Europeia. Ou seja, busca-se evitar que os esforços de redução de emissões do bloco sejam perdidos pelo aumento das emissões fora dele por meio da realocação da produção.
Operacionalmente não haverá cobrança de tarifa, mas os importadores terão que adquirir certificados para cada tonelada de CO2 embutida nos produtos. É uma maneira de forçar que países com regras ambientais pouco rígidas adotem mercados regulados de carbono semelhantes ao europeu.
Comércio exterior
Sob o ponto de vista de comércio internacional, a medida busca “equiparar as condições de competitividade dos setores econômicos alvos do acordo”.
Por esse motivo, tem recebido acusações de protecionismo por países como Turquia e Rússia e pela comunidade internacional preocupada com nações menos desenvolvidas e que pouco contribuem para o aquecimento global, como países africanos com produção significativa de fertilizantes e outros produtos que entram na lista.
Conteúdo e cronograma
Embora o texto legal definitivo ainda não tenha sido publicado, o anúncio feito em dezembro de 2022 engloba produtos intensivos em carbono para sua manufatura, tais como hidrogênio, ferro, aço, cimento, fertilizantes e eletricidade, bem como alguns produtos derivados desses. Emissões de carbono indiretas também vão ser consideradas “em certas condições” ainda a serem definidas.
O período de pré-implementação vai de setembro de 2023 até o final de 2026, quando a regra começa a valer em sua plenitude. O Parlamento Europeu sinalizou a intenção de incluir plásticos e produtos químicos até 2026 e todos os setores cobertos em seu mercado regulado até 2030.
Mercado regulado
As emissões oriundas de queimadas e desmatamento podem afetar a pegada de carbono de alguns produtos agrícolas, assim como outras atividades com menor intensidade em emissões que potencialmente podem tornar as exportações do agro elegíveis para o ajuste de fronteira em algum momento no futuro.
Mas, por enquanto, a notícia para o setor do agronegócio é que o mercado regulado europeu não cobre produtos oriundos de produção agrícola e que dificilmente o CBAM vai ultrapassar os limites dos produtos englobados neste mercado.
Por outro lado, intenções de inclusão deles no mercado regulado já foram levantadas, mas é sabido também que o lobby agrícola europeu tem sua força.
Impacto
Portanto, a expectativa é que a agropecuária brasileira não seja impactada pelo CBAM nos curto e médio prazos. No entanto, é preciso ficar atento ao jogo de palavras usadas nas regulamentações europeias que, por vezes, guardam surpresas. Como diz o ditado: “o diabo mora nos detalhes”.
No longo prazo, é prematuro fazer qualquer afirmação sobre o impacto no agro brasileiro, uma vez que o mecanismo de precificação do carbono foi concebido para ser temporário. No limite, espera-se que em 2050 não exista mais uma crise climática, embora as previsões sejam pessimistas em relação a esse marco temporal.
Por fim, ressalta-se que, a depender do texto final, os setores industriais brasileiros com impacto da CBAM, como o do aço, podem encontrar oportunidade para se diferenciarem competitivamente, uma vez que a matriz energética brasileira é reconhecidamente mais limpa.
Resta saber se o desenho legal das regras dará margem para a indústria brasileira comprovar essa condição. Em breve saberemos.