Por Mauro Zafalon
Após a soja e o milho, o Brasil passará a ser um grande player internacional no setor de trigo. A Covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia trouxeram novos desafios para o mercado internacional de commodities.
Um dos principais desafios ocorre na cadeia do trigo, produto que está entre os mais afetados pela guerra, devido à importante participação dos dois países envolvidos no conflito no fornecimento mundial desse cereal.
A desorganização do mercado de commodities, trazida por esses eventos, deu novos preços ao cereal. A alta e novas tecnologias da Embrapa vão permitir um impulso na produção de trigo em áreas tropicais do país.
A avaliação é de Rubens Barbosa, presidente-executivo da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo). Segundo ele, em busca de segurança alimentar, vários países devem procurar o Brasil para investimentos nesse setor.
Um dos interessados é a Arábia Saudita, cujo Salic (Sadi Agricultural and Livestock Investiment), que investe em projetos no exterior para garantir o abastecimento alimentar do país, já manifestou interesse em investir mais nos setores avícolas e de grãos do Brasil. O trigo está no radar desses investidores.
Preços aquecidos
O mercado de trigo vai continuar com preços aquecidos. Mesmo com a liberação das exportações de cereais da Ucrânia, os preços não voltam imediatamente ao patamar anterior à guerra. E esse conflito não tem sinais de um processo de paz.
Internacionalmente, os preços continuam elevados porque os fretes e os seguros estão caros. Internamente, as commodities sofrem o efeito do dólar e do custo Brasil. “Haverá um período de ajustamento, mas isso não ocorrerá tão cedo”, disse Barbosa.
Efeitos
Além dos efeitos da guerra, o trigo está sendo afetado por circunstâncias específicas de cada país. Vários produtores mundiais sofrem o efeito da seca, e o principal fornecedor brasileiro, a Argentina, já não deverá produzir os 21 milhões de toneladas esperados, mas 18 milhões de toneladas.
“Apesar de tudo isso, não vejo nenhuma perspectiva dramática no fornecimento do cereal ao Brasil, à exceção dos efeitos de mercado, como frete e seguros. O trigo existe e não haverá problema de abastecimento para nós”, disse Barbosa.
Alguns países da África e do Oriente Médio, antes dependentes da Ucrânia e da Rússia, tiveram de reorientar suas compras, inclusive buscando produto no mercado brasileiro, que deverá exportar mais de três milhões de toneladas neste ano.
Planejamento
O agronegócio continua a ser um dos principais setores da economia brasileira, mas o País precisa muito de um planejamento.
Para o representante da Abitrigo, não é possível uma dependência tão grande de matérias-primas como o fertilizante. A perspectiva de produção desse insumo é de longo prazo, e, mesmo assim, ainda com larga dependência.
O País precisa se cercar das novas tecnologias de produção. Além disso, tem de se conscientizar de que o protecionismo vai ser muito forte a partir de agora.
Para Barbosa, a União Europeia começa a propor uma legislação muito dura, e o Brasil precisa desenvolver uma rastreabilidade para mostrar que os produtos não vêm de áreas desmatadas.
A avaliação do futuro também é importante para esse setor. A China não quer ficar mais tão dependente do Brasil. Está indo para a África e elevando a produção interna.
Se os brasileiros tiveram uma grande facilidade no mercado externo até agora, vão necessitar de um bom planejamento para o futuro, inclusive buscando novos mercados.
Questão ambiental
O Brasil tem de levar a sério alguns fatos e tomar medidas em questões sensíveis, como a ambiental. “O País não pode permitir que o ilícito continue. Essa é uma questão fundamental e um dos principais problemas que temos”, disse Barbosa. Para ele, o governo que assumir em janeiro vai ter de levar muito a sério esse assunto.
Segurança alimentar
O trigo é o fato novo para a agricultura brasileira, e em cinco anos o Brasil será autossuficiente no cereal. O País deverá produzir próximo de 10 milhões de toneladas neste ano, chegando perto do consumo, que é de 12 milhões de toneladas.
Para Barbosa, a evolução da produção brasileira de trigo é uma questão de segurança alimentar. Trigo e arroz são os cereais mais presentes na mesa do consumidor brasileiro, e a indústria se preocupa com essa vulnerabilidade atual do setor.
Na avaliação do presidente da entidade, com a evolução dos preços, o trigo se torna mais atrativo do que o milho. Preço, novas variedades da Embrapa e diversificação regional do plantio vão auxiliar na expansão de que o país necessita.
Barbosa destaca, ainda, a evolução da qualidade do produto brasileiro, que ganha aceitação lá fora. O trigo nacional está indo para mercados da Ásia, do Oriente Médio e da África.
Estimativas de Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo, indicam que o País deverá produzir 20 milhões de toneladas de trigo em 2030.