Quando o Greenpeace revelou “A farra do boi na Amazônia”, o icônico e barulhento relatório que alertou a opinião pública global sobre a responsabilidade dos frigoríficos no desmatamento, os donos da carne não sabiam ao certo como se portar. Se hoje ainda há lacunas para rastrear o gado na floresta, em 2009 o quadro era bem pior. Simplesmente não existiam boas ferramentas de controle.
Em meio aos esforços dos frigoríficos para reagir à ofensiva, que incluía pressão contra varejistas europeias que compravam a carne brasileira, o que levou à rescisão de um contrato de US$ 60 milhões da IFC (braço do Banco Mundial) com o Bertin, uma iniciativa liderada por Sergio Rocha começou a criar o modelo que viabilizou o primeiro monitoramento ambiental da pecuária.
Egresso de tradings de commodities, o empreendedor já sabia das deficiências de informações e dados do agronegócio quando foi provocado pela Abiec, a associação que reúne os maiores frigoríficos do País, para tentar achar uma solução.
“A IFC exigia conhecer o supply chain. Fomos chamados junto às maiores e mais criativas consultorias para evitar um colapso e chegamos com um conceito diferente. Ao invés de acompanhar cada cabeça de gado, podemos acompanhar o território. Assim, nasce o nosso GeoID”, disse Rocha.
Quando atendeu ao chamado, a Agrotools era uma startup de apenas dois anos. De lá para cá, a companhia fundada por Rocha provou que a tecnologia tornaria uma solução possível e passou a arrebanhar clientes de toda a cadeia, passando por frigoríficos, tradings, bancos, corretoras e compradores de commodities que lidam com o consumidor final, como o McDonald’s.
Captações de sucesso
Após mais de uma década, a Agrotools construiu uma plataforma que não atrai apenas grandes clientes, mas também ganha a atenção de investidores tarimbados. “Em uma transação em vias de ser concluída, a startup já captou R$ 80 milhões numa rodada que ainda pode chegar a R$ 85 milhões”, disse Rocha. Os fundadores da startup preservaram o controle do negócio, ficando com 78% do capital.
Na captação, a Agrotools está sendo avaliada em mais de R$ 450 milhões. A rodada foi liderada pelo Inovabra. O fundo de inovação do Bradesco injetou R$ 47 milhões na tranche fechada em dezembro, mas a rodada prosseguiu ao longo deste ano e atraiu o capital de pessoas físicas como Horácio Lafer Piva (Klabin), Pedro Paulo Campos (ex-J.P. Morgan, Pátria e Arsenal), Fátima Marques (Korn Ferry), Paulo Hegler (Toledo), Olivier Murguet (que foi COO da Nissan-Renault) e Henry James Salomon (BrProp).
“Nos sentimos muito prestigiados de ter pessoas desse nível investindo em uma empresa de tecnologia e capital nacional. O Olivier, por exemplo, triplicou o investimento”, disse Rocha, enfatizando o papel do sócio Pedro Paulo Campos no processo de captação de recursos da Agrotools. À frente do comitê de M&A da startup, foi o executivo quem construiu o “Plano 100”, com o qual a startup se preparou para levantar R$ 100 milhões em equity.
Estruturação
Em 15 anos de estrada, essa foi apenas a segunda rodada de capital da startup. Enquanto mostrava que o modelo parava em pé, construindo um dos maiores bancos de dados de agro do mundo, a Agrotools, que é quase uma “big tech do campo”, fugiu da receita clássica das startups, evitando o capital de terceiros. Bootstrapped, a firma só se abriu para investidores em 2020, quando os produtos já tinham ganhado forma e a estratégia de Campos estava em andamento.
Quando fez a primeira rodada, de R$ 15 milhões, há pouco menos de dois anos, a startup levantou com a KPTL, gestora de venture capital liderada por Renato Ramalho que administra R$ 1.2 bilhão. “A Agrotools é um ativo único, que reuniu mais de 1.3 mil camadas de informações”, disse o gestor. A KPLT também acompanhou a rodada, agora liderada pela Inovabra.
Com um faturamento de R$ 15.1 milhões em 2020 (o balanço do último exercício ainda não foi divulgado), a Agrotools já tem contratado um faturamento de R$ 130 milhões, segundo seu fundador. “Temos contratos de quatro a seis anos, de receita recorrente”, disse Rocha.
Internacionalização
Depois dos aportes, a Agrotools vem acelerando o crescimento, o que inclui sua internacionalização. A startup já está na Argentina, Paraguai e Austrália, e aposta em um modelo de venda de serviços tecnológicos para pequenas e médias empresas e outras agtechs.
Na prática, a startup fornece APIs para que clientes menores como o Dona Raimunda, pequeno frigorífico do Amazonas, possam se integrar e também fazer o monitoramento socioambiental da pecuária.
Também há APIs que facilitam a vida de fintechs que desejam oferecer crédito no agronegócio, com tecnologias que ajudam a monitorar o clima para estimar a safra.
Vendidas separadamente, as APIS para pequenas em médias empresas significam a ampliação do escopo da Agrotools, que se notabilizou por dados e insights de sua tecnologia proprietária para as grandes corporações.
Outros produtos
Além do sistema de monitoramento socioambiental que a tornou conhecida, a Agrotools já conta com uma infinidade de dados que permitiram a ela oferecer outros produtos, como uma esteira de crédito para bancos e seguradoras, e insights sobre o território que ajudam frigoríficos a estimar o market share de abate e as tradings a calcular a participação na originação de grãos em um determinado polígono.
“Quando começou a corrida das agfintechs, todo mundo dizia que a gente devia ser uma, mas nosso negócio não é ser o Nubank do agro. Somos uma plataforma que leva tecnologia e dados para um setor muito carente. Vamos vender a pá e a picareta tecnológica”, resumiu o fundador da Agrotools.
Fonte: Valor