A reforma tributária prevista na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110/2019, que deve ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, elevaria os custos de produção de diversos produtos agrícolas e encareceria a cesta básica em 22,7%, segundo levantamento feito pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O incremento decorreria principalmente da tributação de insumos agropecuários, parte deles hoje isentos. Isso teria como efeito direto a alta dos custos produtivos – já em patamares elevados em virtude da guerra na Ucrânia, de problemas na cadeia global de abastecimento decorrentes da pandemia da Covid-19, e de políticas ambientais mais rígidas na China.
No caso da soja e do milho produzidos em Cascavel, no Paraná, o aumento seria de 17,3%, e, em Sorriso (MT), de 19,4%. Os gastos de produtores de arroz de Uruguaiana (RS) subiriam 14% e dos de café de Guaxupé (MG), 8,5%, conforme os cálculos da CNA.
“Desde o começo defendemos a aprovação de uma reforma tributária que garanta a segurança jurídica, reduza a burocracia e não aumente a carga tributária. A PEC 110 (se aprovada) aumentaria a carga tributária do setor agropecuário de maneira muito forte. O produtor pagaria mais caro, e a carga sobre os alimentos também subiria”, disse o coordenador do Núcleo Econômico da CNA, Renato Conchon.
Impacto nos produtos
O cálculo da CNA abrangeu 17 produtos agropecuários consumidos dentro e fora do País. A produção de leite em Paranaíba (MS) teria custos 11,3% mais altos; a produção de laranja em Paranavaí (PR), 13,1%; tilápia em Braço do Norte (SC), 21%; cana-de-açúcar em Ituverava (SP), 6,9%; pecuária de corte em sistema de recria, 23,6% em Wanderley (BA); cacau em Eunápolis (BA), 12,4%; uva em Juazeiro (BA), 8,6%; manga em Petrolina (PE), 12,9%; camarão em Canavieiras (BA), 19,6%; mandioca em Paranavaí (PR), 7,5%; alface em Mogi das Cruzes (SP), 11,6%; tomate em Caçador (SC), 14,6%, e eucalipto em Campo Grande (MS), 16,3%.
O levantamento tomou por base os custos de produção identificados no projeto Campo Futuro, implementado pela entidade em parceria com diversas universidades, e acrescidos do futuro imposto.
Propostas
A PEC 110 propõe unificar sete tributos federais e dois estaduais e municipais em dois impostos sobre bens e serviços (IBS): um federal, que reuniria os atuais IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Cide-Combustíveis, salário-educação, e um IBS estadual/, municipal, que juntaria ICMS e ISS.
A forma de cobrar os tributos também mudaria. Hoje, na venda dos produtos agropecuários, quem recolhe o tributo em nome dos agricultores são as empresas compradoras. Já a PEC 110 estabelece que o recolhimento do imposto seja feito diretamente pelos produtores, o que implicaria em fazer a contabilidade mensal do negócio.
“Todas as reformas pregam redução da burocracia (pela unificação de impostos). Não faz sentido o produtor rural, sobretudo o pequeno, ter uma contabilidade mensal de uma atividade de ciclo médio”, argumentou Conchon.
O aumento da tributação do agro geraria efeitos sobre toda a cadeia, disse ele, pois com o repasse de gastos maiores a varejistas e consumidores finais, a tendência seria de redução da demanda na ponta e por produtos agrícolas, com consequentes quedas dos preços e da rentabilidade dos agricultores.
Alíquotas diferenciadas
Para impedir um aumento da carga tributária do agronegócio, a CNA, junto ao Instituto Pensar Agro, propôs, por meio de emendas parlamentares à PEC 110 que sejam aplicadas alíquotas diferenciadas a alguns produtos, a exemplo do que já é feito em outros países.
Conchon citou o IVA (imposto sobre valor agregado) francês, que tem uma alíquota padrão de 21%, uma reduzida de 10% e outra super reduzida de 5,5,%; e também a cobrança na Itália, de 26,5%, mas com alíquota reduzida de 10% e super reduzida de 4%. “Fizemos levantamento sobre 35 países com produção agrícola relevante e que adotam IVA, e somente três têm tributação única. Aqui, a sociedade decidiria quais produtos teriam alíquotas diferenciadas”, afirmou o coordenador da CNA.
Debate mais amplo
A Confederação receia a possibilidade de a PEC acabar sendo votada ainda este ano no Senado, sem um debate mais amplo sobre seus efeitos. O texto deveria ter sido votado nesta terça-feira na CCJ para em seguida ir ao plenário do Senado, mas não houve quórum suficiente na CCJ para a votação.
Apesar disso, o temor persiste, segundo Conchon, porque setores favoráveis ao texto, como o industrial e financeiro, têm pressionado o presidente da CCJ, o senador Davi Alcolumbre (União-AP), a votar rapidamente a proposta, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-RO), para que se coloque a PEC na pauta de votação.
“A prerrogativa é da presidência da CCJ de criar a pauta das discussões e determinar quanto o texto volta”, disse o coordenador da CNA. “Hoje há mais dissenso do que consenso. Seria temerário votar a proposta neste ano”.
Outros setores
O setor agropecuário não seria o único com aumento de carga tributária em uma eventual aprovação da PEC 110, segundo Conchon. Comércio e serviços também sairiam mais onerados, enquanto o segmento industrial e financeiro sairiam beneficiados.
“O argumento de quem defende a proposta é de que trará crescimento econômico e o aumento da carga será compensando pelo aumento da economia e de mais investimentos da indústria. Mas o que acontecerá será uma distribuição da carga tributária para outros setores, como a agropecuária, serviços e comércio”, pontuou Conchon.
Fonte: Broadcast Agro
Equipe SNA