Os desafios jurídicos e regulatórios do agro no Brasil foram debatidos durante o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio, realizado na última semana, em formato de videoconferência.
Organizado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), com o apoio de diversas instituições, entre elas a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), o Congresso também lançou um olhar mais amplo sobre o Direito no campo e suas relações com os mercados globais.
Participaram do evento autoridades jurídicas, governamentais e do agronegócio. Na ocasião, foram discutidas questões relacionadas a reformas e competitividade, segurança alimentar e sustentabilidade, investimento estrangeiro e financiamento privado.
Renato Buranello, presidente do IBDA, ao fazer um balanço do evento, ressaltou que, no campo normativo, é preciso “olhar o microssistema jurídico com todo o cuidado que o setor merece”, para que se obtenha “uma sistematização de regras do regime jurídico do agro com mais equilíbrio, legitimidade e efetividade”.
Segundo ele, “a função jurisdicional é materializada nas decisões, mas uma sentença não é instrumento de política econômica, e deve ser medida de exceção, a fim de diminuir a judicialização e melhorar o ambiente de negócios. É um enorme desafio”, disse o executivo.
Segurança jurídica
Na abertura do Congresso, Sérgio Souza, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ressaltou o desafio do Brasil em alimentar mais um bilhão de pessoas no mundo até 2050 e criticou a falta de segurança jurídica no agro.
“O agricultor sabe produzir e preservar o meio ambiente como ninguém, mas falta segurança jurídica. Precisamos modernizar nossa legislação, definindo questões como regularização fundiária, licenciamento ambiental, nova lei de defensivos agropecuários, etc. Nossa maior missão é produzir alimentos de qualidade e de forma sustentável”.
Também presente à abertura do evento, entre outros convidados, Márcio Lopes de Freitas, presidente do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) e titular da Academia Nacional de Agricultura da SNA, defendeu o desenvolvimento de “um pensamento jurídico cada vez mais aprimorado para o agronegócio” e disse que é preciso adotar estratégias nos meios legal, judicial e tributário para que o agro tenha segurança jurídica.
Nesse sentido, ressaltou Lopes, “a OCB conta com um grupo jurídico-tributário para se dedicar a esse debate. Queremos somar esforços”.
Reformas
No painel sobre Reformas e Competitividade, o deputado federal Arnaldo Jardim afirmou que o atual Congresso Nacional é reformista e garantiu que haverá avanços nas reformas pautadas pelo Governo, em especial a tributária, uma vez que a PEC 45 está em com o relatório pronto para ser analisado pela Câmara, e a PEC 110 também está em evolução no Senado.
No entanto, o deputado criticou a falta de mobilização política e também da sociedade, e acrescentou que, por causa disso, um grupo de parlamentares está buscando formas de impulsionar a tramitação dessa pauta. “Posicionamentos precisam ser dados porque não vai haver uma reforma tributária neutra. Teremos de ter a pré-disposição para compartilhar desafios”.
Leis infraconstitucionais
Arnaldo Jardim destacou ainda algumas leis recentemente instituídas no âmbito da legislação infraconstitucional, que, em sua avaliação, são mecanismos para a desburocratização, favorecendo a capacidade de empreender.
Com relação ao setor agrícola, o parlamentar destacou a aprovação, pelo governo federal, da lei de sua própria autoria, que institui o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAgro), mas também defendeu a revisão dos vetos aplicados à matéria pelo presidente Jair Bolsonaro.
O deputado falou ainda sobre a importância da lei da recuperação judicial, que segundo ele, irá garantir “uma fundamentação importante para a continuidade de modalidades de parcerias no agro”, e fez comentários a respeito da lei de pagamento por serviços ambientais.
Na visão do parlamentar, essa norma “irá celebrar de forma definitiva o compromisso do agro com a sustentabilidade, fazendo com que o Brasil, no contexto internacional, assuma um protagonismo em relação à economia verde”, modificando, com isso, o conceito atribuído ao País de ‘vilão do meio ambiente’.
Atratividade de capital
Elizabeth Farina, diretora-presidente da Tendências Consultoria Integra, afirmou que o sistema financeiro também começou a incorporar critérios de sustentabilidade. Segundo ela, a questão da competitividade também passa pela atratividade de capital para investimento.
“A competitividade depende de regras estáveis e previsíveis, por isso a importância das reformas e respeito às regras do jogo para mitigar deficiências. Com isso, podemos superar o Custo Brasil, a fim de ganhar espaço nos investimentos e nos mercados de produtos e serviços”, disse a executiva.
Ela ressaltou ainda que competir atualmente “não significa somente vender barato e em quantidade, mas também ter sustentabilidade ambiental e social e governança adequada”. Para Elizabeth, informações sobre esses aspectos devem estar disponíveis para os consumidores como forma de validar o preço do produto.
Dessa forma, completou a especialista, é preciso mostrar de forma crível essa agenda por meio de certificações.
Compra de terras por estrangeiros
O projeto de lei (PL 2.963/2019), do senador Irajá (PSD-TO), que regula a compra, e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras, foi um dos principais temas discutidos no painel sobre Participação do Investimento Estrangeiro, que teve a mediação de Jacyr Costa, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Cosag/Fiesp) e titular da Academia Nacional de Agricultura da SNA.
De acordo com o senador Irajá, o projeto, que foi aprovado no Senado e está em análise na Câmara dos Deputados, representa uma alternativa para que o produtor rural brasileiro tenha um investidor estrangeiro como potencial parceiro ou cliente. “O país está vivenciando um dilema: encarar com seriedade o assunto, definindo um marco regulatório com regras e critérios claros, ou continuar a fazer de conta que os investimentos estrangeiros não ocorrem no país, seja por meio de arranjos societários, debentures ou até uso de laranjas”, disse.
“Há muito preconceito e desinformação a respeito desse tema”, acrescentou o senador. “Mas estou confiante de que esse projeto avance ainda neste semestre, apesar dos problemas com a pandemia”.
Irajá também falou sobre a necessidade de o Brasil assumir um protagonismo diante da crescente demanda mundial por alimentos. “Ou o País assume um papel decisivo na segurança alimentar, ou ficaremos dentro de uma bolha onde os investimentos vão migrar para países concorrentes”.
Capital externo
Por sua vez, Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global, afirmou que a questão da compra de propriedades rurais por estrangeiros é de grande importância para liberar o capital internacional para o agro brasileiro. “É um tema que precisa ser pacificado e resolvido. Infraestrutura e logística também dependem do capital externo. Temos recursos, gente capacitada e tecnologia, mas falta capital de longo prazo”, disse ele.
“O tema é muito antigo e ainda não foi disciplinado. Com isso, empresas brasileiras controladas por estrangeiros, há décadas no Brasil, estão em risco jurídico por não poderem arrendar ou ter posse de terras. Atualmente, são quatro milhões de hectares nas mãos de estrangeiros com atuação no País, o que representa cerca de 1%, um valor menor do que nos Estados Unidos, por exemplo, que é de 11 milhões de hectares”, salientou Jank.
“Há poucas empresas de capital aberto no setor, poucos acordos comerciais ou de investimentos assinados com outros países, e além disso o País enfrenta desafios de gestão e governança”. O PL em questão, concluiu o especialista, “poderia facilitar o acesso a mercados de diversos países, garantindo maior reciprocidade com outras nações, que podem ampliar a importação de alimentos”.
Outros temas
O Congresso de Direito do Agronegócio debateu ainda questões relacionadas à sustentabilidade e segurança alimentar. Samanta Pineda, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse que o Brasil pode se tornar o maior player de serviços ambientais do mundo por suas características que permitem a comercialização de água, de energia limpa, de créditos de carbono, de produtos advindos da biodiversidade, além de grãos, proteína e silvicultura.
“Por isso, é importante contar com um compliance ambiental no país, porque a sustentabilidade não é mais um passivo e, sim, um investimento”, destacou a especialista.
O painel Sistema de Financiamento Privado foi mediado pelo presidente do IBDA, Renato Buranello, e reuniu os dois ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Raul Araújo Filho e Ricardo Villas Bôas Cueva, que apresentaram análises sobre a recuperação judicial no agronegócio.
Considerações
O acadêmico e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que participou do encerramento do Congresso, defendeu um maior estreitamento, no âmbito jurídico, “entre as cadeias produtivas do agro e os poderes constituídos”, como forma de evitar possíveis desvios no entendimento de regras.
Rodrigues também defendeu o avanço das reformas no País, afirmou que “os investimentos estrangeiros precisam ter transparência e previsibilidade” e acrescentou que a segurança alimentar e a sustentabilidade “são dois faróis que passam pela agricultura e que irão mover a humanidade daqui por diante”.
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Fonte: IBDA, com informações de assessoria
Equipe SNA