Se por um lado 2020 foi um ano marcado por muitos desafios para diversos setores, para o agro certamente será um ano de muitos recordes que ficará para a história. Produtores, agroindústrias, startups e agtechs, que nos últimos anos investiram fortemente em inovação, conseguiram superar os imprevistos e foi um dos poucos segmentos que absorveu os impactos da crise financeira e avançou.
E se tudo andou bem até agora, com a sanção da Lei 13.986/2020, que trata sobre as medidas para crédito e financiamento de dívidas de produtores rurais, 2021 pode ser um ano ainda mais próspero para o setor.
A nova Lei do Agro é um grande passo para desburocratização do crédito agrícola, um marco para o setor rural brasileiro, que moderniza e amplia o acesso ao financiamento, expandindo os recursos e reduzindo as taxas de juros. Com as mudanças, o mercado de crédito agrícola ficou ainda mais aquecido com as alterações, principalmente sobre as Cédulas de Produto Rural (CPR).
A CPR é o principal título de financiamento dentro do sistema de crédito agrícola oficial. A sua popularidade e versatilidade, agora aumentada com as medidas de desburocratização nova lei, permitem que elas continuem a ser o título mais popular, também para o financiamento em mercado de capitais privado.
Isso porque se adequa muito bem para servir de lastro para emissão de outros títulos dela derivados, como a CRA ou a CIR, por exemplo, que, agora, teriam mais atratividade para o investidor estrangeiro, pela possibilidade de emissão com variação cambial e registro no exterior.
Alterações
Segundo a economista, doutora em agronegócios e sócia-fundadora da boutique financeira Pinheiro Machado, Claudine Saldanha Pinheiro Machado, a mudança trouxe uma série de alterações na CPR, com o objetivo de desburocratizar o instrumento, aumentando, assim, a sua utilização como título de base para a estruturação do mercado financeiro agrícola no Brasil.
Ao mesmo tempo, a nova lei admite que a CPR possa ter qualquer garantia prevista na legislação, não apenas as garantias reais, além de permitir que o produtor informe quais dos bens móveis e imóveis dados em garantia são considerados essenciais para a sua atividade, a fim de preservá-los.
Garantias reais
Tudo isso leva a crer que a nova Lei do Agro poderá desestimular o mercado a ofertar garantias reais em favor de outras formas menos onerosas para o produtor, como seguros, fianças, avais e duas novas formas de garantias introduzidas pela lei: o Fundo Garantidor Solidário e o Patrimônio Rural em Afetação.
Segundo Pinheiro Machado, tudo isso é muito bom para o produtor e para o mercado de capitais, dado que há uma tendência de se exigir garantias reais nas CPRs, o que amarra o produtor e engessa o mercado.
“Essa revolução das garantias pode, sem sombra de dúvida, liberar muito valor no agronegócio brasileiro, que antes estava preso. Estima-se que elas possam liberar recursos da ordem de R$ 5 bilhões por ano para o agro”, disse.
CCA
A especialista também destaca que já há notícias de que o governo estuda lançar um título mais abrangente do que a CPR, a Cédula de Crédito do Agronegócio (CCA).
A principal diferença seria a de que, enquanto a emissão da CPR é restrita aos produtores e aos agentes de primeira industrialização, como frigoríficos, por exemplo, a CCA poderia ser emitida por toda a cadeia produtiva do agronegócio, incluindo indústrias, revendas, transportadoras, tradings, entre outros.
Na opinião de Pinheiro Machado, isso tornaria a CCA extremamente atraente não só para financiar investimentos diretos, mas também para lastrear a estruturação de derivativos, que teriam, certamente, grande apelo no mercado financeiro internacional.
“Esse título teria um potencial enorme de captação em todos os elos da cadeia do agronegócio. Acreditamos que poderia bater na casa do trilhão, inclusive porque a expectativa do mercado é a de que esse novo título seja mais adequado à classificação como “título verde”, que possui um mercado cativo de mais de US$ 1 trilhão”, disse a especialista.
Benefícios na prática
De modo geral, a principal mudança da nova Lei do Agro para os produtores, no aspecto de crédito, foi a criação de mecanismos de financiamento privado, via mercado de capitais, com incentivo ao investimento estrangeiro no agronegócio brasileiro. Esses mecanismos e instrumentos gerarão competitividade no mercado de crédito agrícola e darão maior poder de negociação aos produtores.
De modo particular, é possível elencar cinco principais mudanças:
1) A possibilidade de emissão de CPR também para subprodutos e derivados (antes era só para produtos);
2) A possibilidade de emissão de títulos do agronegócio com variação cambial e de registro no exterior;
3) A possibilidade de liquidação de garantia real por investidor estrangeiro;
4) O Patrimônio Rural em Afetação e 5) O Fundo Garantidor Solidário.
Mais mudanças
A Lei do Agro traz uma série de outras mudanças visando à desburocratização do setor, especialmente no que se refere à emissão de títulos do agronegócio.
Dentre as inúmeras inovações nesse sentido, destacam-se a possibilidade de emissão de CPR eletrônica, com assinatura digital ou biométrica, a eliminação da necessidade de seu registro no Cartório de Imóveis, além da criação da figura das registradoras, autorizadas pelo Banco Central, para depósito das CPRs.
“Tudo isso facilitará, e muito, a emissão e circulação dos títulos. Alguns entraves ainda permanecem no tocante à estruturação das garantias, mas conforme dito anteriormente, a expectativa do mercado é que as CPRs, de agora em diante, venham a receber outras formas de lastro que não necessariamente os imobiliários, que são os mais burocráticos de se registrar, pela necessidade de averbação em registro de imóveis”, afirmou Pinheiro Machado.
A lei permite ainda a emissão de títulos em dólar em bolsas estrangeiras. Isso torna os investimentos acessíveis principalmente aos pequenos e médios produtores. A especialista destaca que essa alteração, verdadeiramente revolucionária, beneficia-os em dois pontos fundamentais: reduz o risco cambial e os custos administrativos de emissão.
Sem risco
Com relação ao risco cambial, normalmente, o produtor emitia um título e tinha de fazer uma operação de hedge paralela para se proteger do risco de oscilação cambial, porque raramente existe um seguro disponível para esse tipo de operação.
Essas operações de hedge, via de regra, são caras e complexas de serem estruturadas. Com a emissão em dólares, no caso de o produtor comprar insumos em dólares e/ou exportar sua produção, esse risco fica praticamente eliminado, diminuindo em muito os custos da operação.
Eliminação de entraves
Em segundo lugar, normalmente há um custo administrativo grande para os investidores estrangeiros entrarem no mercado brasileiro. Há uma série de regras a serem cumpridas e a legislação brasileira é bastante rígida em casos de descumprimento, podendo mesmo configurar crime a atuação irregular de fundos e investidores no mercado nacional.
“Assim, a novidade permite que os títulos sejam emitidos em dólar e circulados no exterior, eliminando quase totalmente os custos e entraves associados à entrada do investidor estrangeiro no mercado brasileiro”, destacou a especialista da Pinheiro Machado.
Engenharia financeira
É de suma importância ter em mente, contudo, que essa redução dos custos da operação de emissão de títulos, trazidos pela nova lei, não se traduzirá em maior crédito automaticamente.
Isso porque o volume de recursos disponível internacionalmente é imenso, mas os projetos individuais são muito pequenos, muitas vezes não justificando os custos de operação para os grandes intermediários financeiros, como os bancos de varejo, por exemplo.
“O grande desafio do mercado financeiro agro é justamente desenvolver engenharia financeira capaz de agrupar pequenos e médios produtores de forma a dar escala para os projetos e, assim, conseguir atrair o interesse dos financiadores. E esse é, precisamente, o trabalho das boutiques financeiras especializadas no agronegócio”, concluiu a economista.
Fonte: Agrolink
Equipe SNA