Por Roberto Rodrigues*
No final do triste ano passado, o Senado aprovou o PL 2963/2019, estabelecendo as regras para compra de terras por estrangeiros no Brasil. O PL tem de passar agora pela Câmara dos Deputados, que o discutirá novamente antes de ir à sanção presidencial.
O tema é muito polêmico, mas o objetivo dos senadores foi muito claro: acabar de uma vez por todas com diferentes interpretações dadas por governos sucessivos à Lei 5.709/1971, seguida de outras legislações – e, sobretudo, de mudanças de posição do Executivo Federal em função de pareceres dados pela Advocacia-Geral da União que culminaram com um último, de 2009, que praticamente fechou a possibilidade de estrangeiros comprarem terra aqui.
O projeto está alinhado com a – digamos assim – visão liberal defendida durante a campanha eleitoral de 2018 e que tarda a ser implementada, seja com a venda de empresas públicas ineficientes (no fim de 2020, os Correios deram uma demonstração constrangedora nesse sentido pela impressionante demora nas entregas de correspondências e encomendas), seja pelas reformas necessárias do Estado, reforma tributária e política, para citar algumas ações estratégicas essenciais.
E se apoia na lógica liberal aplicada há décadas a outros setores econômicos: bancos internacionais estão consolidados entre nós, assim como a área industrial (vide a automotiva) e a de serviços (incluindo supermercados), de modo que o PL tem uma proposta liberal equitativa para o agro. Mas nem tanto.
A “flexibilização” nele apontada só busca mesmo acabar com as tais interpretações disparatadas estabelecidas ao sabor dos governos de plantão.
Por exemplo: empresas nacionais de propriedade de estrangeiros ou empresas estrangeiras autorizadas a operar no Brasil não poderão possuir ou arrendar mais de 25% da área de um município. E mais: estrangeiros de mesma nacionalidade só podem adquirir 10% da área do município. Aliás, isso já estava estabelecido na Lei de 1971, não há novidade nenhuma.
O PL aprovado no Senado ainda cria restrições à compra de terras na faixa de fronteira, no bioma amazônico e também para certas ONGs e empresas estatais estrangeiras.
Em casos especiais, a compra só será efetivada se aprovada pelo CDN (Conselho de Defesa Nacional) ou até mesmo pelo Congresso Nacional.
De qualquer forma, a terra não vai embora do Brasil, o capital de fora vai gerar empregos e renda para brasileiros, aumentará a exportação, insumos aqui produzidos (máquinas, veículos e equipamentos) serão usados nas propriedades adquiridas e, muito provavelmente, os investidores acabarão construindo logística (estradas, armazéns) de que se beneficiarão os produtores brasileiros vizinhos.
Em suma, não existe ameaça à soberania nacional, até porque todas as nossas legislações, como a trabalhista, a ambiental, a fiscal e demais, terão de ser rigorosamente cumpridas.
Deve ficar claríssimo que não será permitida a compra de terras por estatais estrangeiras e por Fundos Soberanos, mesmo quando estes forem acionistas minoritários em empresas de capital externo. Também deve ficar completamente vedada a compra em áreas de fronteira.
Poderia ser criada uma cláusula de “reciprocidade”: só poderão comprar terras os estrangeiros em cujos países de origem também exista essa possibilidade.
E, por fim, estudar um mecanismo que obrigue o comprador de áreas superiores a, por exemplo 100 mil hectares, a agregar valor à produção primária: ele não poderia exportar, inclusive ao seu país de origem, apenas matéria-prima.
No mais, haveria valorização das terras, beneficiando os proprietários nacionais. E ninguém será obrigado a vender sua terra: só venderá quem achar que é bom negócio.
Portanto, a flexibilização proposta e mais esses cuidados adicionais trazem benefícios aos brasileiros. Nosso produtor poderia ser prejudicado? Apenas quem quiser comprar terra barata, mas isso faz parte do jogo do mercado.
E por último: se proibirmos isso, o enorme volume de capital internacional que quiser terra vai comprá-la em outros países, criando uma indesejável concorrência para nós.
*Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas
Fonte: Estadão