Plano ABC ainda enfrenta gargalos para decolar

Apresentado pelo Brasil como estratégico para atender suas metas de redução de emissões no Acordo de Paris, o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC) completa seu primeiro ciclo de dez anos com apenas parte de seus compromissos alcançados.

Foram superadas as expectativas na adoção de algumas tecnologias agrícolas, mas o país ainda está muito longe dos objetivos para pecuária e florestas. E, agora, tem o desafio de estabelecer novos parâmetros justamente para um período em que está prevista a implementação das metas do acordo climático.

Esse balanço está sendo realizado pela consultoria Agroícone, com apoio de organizações públicas e privadas e com dados que ainda estão sendo revisados, procurando jogar luz sobre o próximo plano decenal a ser desenhado pelo Ministério da Agricultura.

E a conclusão é que é preciso ampliar o escopo e a governança do plano, que orienta a política de crédito da linha associada, o Programa ABC, colocando ênfase na adaptação da agricultura ao clima. Esta é uma agenda que vem ganhando espaço nos fóruns internacionais, uma vez que a produção do campo não é apenas parte da causa, mas também é vítima das mudanças climáticas.

O orçamento da linha diminuiu em anos recentes, e só começou a voltar a crescer na última safra. Ainda assim, o valor continua baixo no Plano Safra. Nesta temporada 2020/21, estão previstos para o ABC R$ 2.5 bilhões, contra R$ 236.3 bilhões no total. Além disso, a contratação do programa em geral ficou abaixo do total disponibilizado, por causa dos juros (7% ao ano em 2019/20), da burocracia e também por falta de assistência técnica em alguns casos.

A recuperação de pastos degradados, embora tenha recebido a maior parte dos recursos do Programa ABC, ficou, até 2017, a cerca de quatro milhões de hectares de alcançar a meta, que era chegar a 15 milhões de hectares em 2020.

E a recuperação de florestas ficou ainda mais aquém: alcançou em torno de 800 mil hectares até 2018, principalmente com eucalipto, pinus e teca, enquanto a meta era chegar a três milhões de hectares, de acordo com levantamento preliminar da consultoria, que está passando por um processo de validação.

A distância das metas, nesses dois casos, não significa que as técnicas sejam onerosas ao produtor ou que não deem retorno financeiro. “Recuperar pasto é fundamental para a produtividade. Mas as tecnologias só começam a dar retorno após três a cinco anos. É preciso assistência e criar apetite por risco”, disse Rodrigo Lima, diretor da Agroícone.

Entre as tecnologias que superaram as metas, uma com impacto importante em mitigação de emissões, foi o de tratamento de dejetos animais, com aportes em biodigestão e compostagem. Foram tratados próximo de 40 milhões de metros cúbicos de dejetos até 2019, em comparação à meta de 4.4 milhões.

A fixação de nitrogênio em sementes por bactérias, aplicada principalmente na soja, alcançou pouco mais de dez milhões de hectares até 2017, bem acima da meta para a década, que era de 5.5 milhões de hectares.

Conhecido desde a década de 80, o plantio direto na palha estendeu-se por aproximadamente 13 milhões de hectares, quase cinco milhões de hectares a mais que o compromisso do plano.

A expansão da técnica de integração de lavouras, gado e florestas superou o objetivo em cerca de dois milhões de hectares ainda em 2016 e alcançou um crescimento de quase seis milhões de hectares. Em declarações recentes, a associação Rede ILPF estimou haver mais de 17 milhões de hectares com integração.

Para o Brasil avançar rumo às metas não alcançadas e estabelecer novos compromissos, uma alternativa é incorporar sob o guarda-chuva do plano outros programas de financiamento, como Inovagro, Moderfrota e recursos dos fundos constitucionais regionais, segundo a Agroícone. “Muitas características desses instrumentos, embora não todas, são compatíveis com o Plano ABC”.

O estudo também concluiu que o novo plano pode abraçar a agricultura familiar, dado que o Pronaf já prevê recursos para sistemas agroflorestais, por exemplo, e pode dar diretrizes de adaptação climática, questão relevante aos produtores menores. Hoje, 70% do crédito é tomado por produtores médios. Por isso, o plano também precisa incentivar a assistência técnica, à qual médios e pequenos têm menos acesso.

A ampliação do escopo esperada para a nova fase do plano também deve prever, segundo o estudo, a inclusão de tecnologias que permitam criar sistemas produtivos “mais resilientes” às mudanças climáticas, o que demanda outras ferramentas de mensuração de metas e avanços.

Dado que o novo plano casará com o período oficial de implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do Acordo de Paris, a consultoria também vê como oportunidade a incorporação da adequação ao Código Florestal, o que consta nas metas nacionais e passou a ser incluído no programa de financiamento.

“Essa ampliação do plano pode atrair recursos externos ao programa, como de fundos internacionais voltados às mudanças climáticas”, disse Lima.

 

Valor Econômico

 

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