Delfim Netto defende reforma do Estado

 

O ex-ministro Delfim Netto, ao participar nesta quarta-feira de uma videoconferência realizada pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), defendeu a reforma do Estado e a revisão do texto constitucional de 1988. Segundo ele, é preciso haver uma mudança “para que seja devolvida ao Executivo a liberdade de administrar o Brasil de acordo com as necessidades atuais”.

O economista explicou que grande parte das atribuições do Executivo foram definidas durante o processo de implementação da Constituição. “Hoje o governo só gerencia 4% do orçamento. A maior parte do que o governo faz, ou seja 96%, já foi decidido pelos constituintes na década de 80. A Constituição engessou tudo”.

O ex-ministro afirmou que o Estado é “autofágico, existe somente para si e presta maus serviços”, e completou que o atual sistema democrático poderá contribuir para a implementação de uma reforma que seja capaz de manter o teto de gastos e fazer com que o Executivo e o Legislativo criem mecanismos para ajustar o orçamento com rapidez, reservando uma parcela para os investimentos públicos.

“Nós já superamos grandes obstáculos (para o crescimento econômico), mas o que ainda nos segura são as indexações e as pré-fixações que amarramos na Constituição”, disse.

Reforma tributária

Por outro lado, Delfim Netto acredita que País não está preparado para uma reforma tributária.

Ao ser indagado sobre o assunto pelo presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, o ex-ministro destacou as três propostas em discussão sobre o tema – a PEC 45/2019, da Câmara; a PEC 110/2019, do Senado, e o Projeto de Lei 3.887/2020, do governo federal, mas reconheceu que “falta muita discussão e estudo” a respeito da questão.

Delfim Netto recomendou cautela e disse que “reforma tributária não pode ser feita por economistas e sim por tributaristas de alta qualificação”.

Sobre a possibilidade de a reforma gerar uma tributação para o produto agropecuário, o economista declarou que “não há sentido em cobrar imposto de quem exporta e sim de quem compra”.

CPMF

O ex-ministro também fez comentários a respeito da provável volta da CPMF (Contribuição por Movimentação Financeira) como substituto de alguns impostos, e afirmou que a nova proposta poderá gerar alteração nos preços relativos e redução no crescimento, permitindo a adoção de um tributo que não pode ser descontado na exportação”.

Contas públicas

O coordenador do debate, o economista e presidente do Conselho de Economia da SNA, Rubem Novaes, questionou na ocasião o risco de desorganização das contas públicas, em razão da queda de arrecadação e do grande número de programas criados pelo governo.

Segundo Novaes, “há um temor de que se perca o que foi conquistado até o momento em relação à baixa nas taxas de juros”.

Por sua vez, Delfim Netto comentou que, nesse contexto, estados e municípios estão desorganizados e levarão tempo para se recuperar e prestar bons serviços. Quanto à União, disse ele, se houver rompimento do teto de gastos, isso levará o País de volta à hiperinflação.

“Hoje eu percebo, por parte do Congresso, um movimento em defesa pela manutenção do teto. É preciso fortalecê-lo e estabelecer os gatilhos para que ele se torne funcional e possa controlar as despesas para que haja investimentos públicos”.

Cenário de crise

Ao fazer um balanço do atual período de crise, o economista criticou a atuação da saúde pública no controle dos casos de Coronavírus, mas reconheceu que a “PEC do Orçamento de Guerra” conseguiu liberar os gastos fiscais para combater a pandemia.

O ex-ministro destacou ainda que o Banco Central conseguiu financiar o sistema econômico durante a crise. “Nesse ponto de vista, tivemos um desempenho muito bom”, disse ele, acrescentando que a queda da oferta e da demanda global em razão da pandemia provocou “uma profunda recessão e uma pressão deflacionária, o que fará com que o PIB fique provavelmente em torno dos 5,50%”.

Em suas estimativas para um cenário pós-pandemia, Delfim Netto acredita que não haverá crescimento rápido na economia. Segundo ele, se o teto for mantido e o País reorganizar as contas públicas, poderá haver um início de crescimento entre 1,50% e 3%.

Porém, se o desemprego aumentar, observou o ex-ministro, “será preciso adotar outras medidas, como um programa de treinamento, tendo em vista que as pessoas afastadas do mercado de trabalho perderam suas expertises e terão de se adaptar a um novo cenário. O País precisa pensar nisso”.

Renda Brasil

Em matéria de ganhos, o economista comentou, por solicitação do ex-ministro Marcílio Marques Moreira, a possível aprovação, pelo governo, do programa Renda Brasil, atualmente em fase de ajustes e discussões.

“Pela primeira vez em muitos anos, conseguimos obter uma taxa de câmbio flexível com juros baixos. Se tivermos coesão social e inteligência, poderemos voltar a ter um crescimento razoável. Mas não há condição de manter uma renda básica se não forem eliminadas as distorções que protegem aqueles que ganham mais”, disse.

“É uma medida que precisa caber no orçamento e que não deve passar dos R$ 300,00”, salientou o ex-ministro, que defendeu a criação de um programa de treinamento para garantir às pessoas uma oportunidade de retorno ao mercado de trabalho.

Exportação e tecnologia

No contexto empresarial, Delfim Netto propôs a formulação de um programa de exportação para micro e pequenas empresas. “Com estímulo tecnológico, programa de crédito e análise das condições oferecidas às empresas para exportação, vamos abrir mercado para elas, aumentando sua participação”.

No campo dos avanços tecnológicos, o ex-ministro ressaltou a trajetória da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e disse que o Brasil hoje “é doador de tecnologia, principalmente para os países da África, que contam com assistência técnica gratuita”.

China, Mercosul e Amazônia

Ainda durante o encontro, Delfim Netto falou sobre a importância da China como potência emergente, “com mais investimentos externos do que os EUA” e afirmou que o Brasil deve prosseguir com as negociações no âmbito do acordo Mercosul-União Europeia. “A saída é tentarmos nos ligar às cadeias de produção externas”, disse.

Sobre os recentes debates em torno da Amazônia, o ex-ministro defendeu um mecanismo eficiente de controle do território e ressaltou que a Zona Franca de Manaus foi criada para promover e incentivar a bioeconomia por meio da utilização dos insumos do bioma amazônico, visando à sua conservação.

“A Zona Franca precisa se transformar uma área de exportação da bioeconomia amazonense”, afirmou o economista, que alertou para os riscos de o País ser reconhecido no exterior por questões como desmatamento e queimadas.

“Temos de restabelecer a verdade e mudar de posição. Essa falta de cuidado provoca um deságio nos preços de mercado. O maior problema da humanidade é não respeitar a natureza”, concluiu.

 

Foto da capa: Agência Brasil

Equipe SNA

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