As três propostas de reforma tributária em debate atualmente no Congresso Nacional têm potencial de aumentar a carga de impostos no agronegócio e elevar os custos de produção no campo.
Na avaliação de lideranças do setor, tanto as grandes cadeias exportadoras, como soja e carnes, quanto atividades desenvolvidas pela agricultura familiar, e com influência no preço da cesta básica, a exemplo de frutas e leite, serão impactadas e poderão perder competitividade, caso qualquer um dos textos seja aprovado como está.
Em Mato Grosso, que lidera a produção nacional de soja, milho e carne bovina, a alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de 25% prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, por exemplo, poderá gerar aumento de custos de R$ 6.3 bilhões por ano nessas três culturas, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
“Isso representa um quarto do total investido no agronegócio do estado em 2019. A proposta reduz a capacidade de investimentos do setor e inviabiliza algumas culturas”, disse Daniel Latorraca, superintendente do órgão.
Nos cálculos do Imea, o aumento nos custos de produção seria de 11% no caso da soja, de 10% no milho e de 15% na pecuária. Dependendo das condições de mercado, observou Latorraca, a rentabilidade no milho poderia quase desaparecer, e a da soja cairia mais de 50%.
A PEC 45, discutida no momento pela Câmara dos Deputados, também é considerada a mais prejudicial ao agronegócio pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por acabar com benefícios tributários como as isenções sobre insumos, fertilizantes, defensivos e sementes.
O aumento do custo de produção com o fim das desonerações ronda os 20% em diversas culturas, e poderá haver impacto até na oferta de crédito, segundo a CNA.
“Esse aumento de custo vai exigir mais fluxo de caixa do produtor e vai pressionar o Plano Safra”, disse ao Valor Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da entidade. Outra preocupação é com a burocracia, já que a proposta torna o produtor rural um contribuinte direto do tributo.
“Obriga os produtores a terem uma contabilidade mínima, mas 98% deles são pessoas físicas. Eles não vão ter condições de fazer, principalmente os pequenos”, afirmou Conchon.
Esse item preocupa o segmento leiteiro, formado basicamente por pequenos produtores. A exigência pode expulsar muita gente do ramo, argumentou a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite).
A CNA também teme pela competitividade brasileira no cenário internacional. “Os nossos concorrentes tratam diferentemente o setor, não tributam insumos, não adotam alíquota ou usam alíquota diferenciada para alimentos. O setor agropecuário tem de ser pensado diferente na reforma”, disse Conchon.
A PEC 110/2019, em análise no Senado, até garante um tratamento diferenciado ao agronegócio, com isenção de insumos, e prevê alíquota máxima de 4% sobre alimentos. Mas extingue créditos com uso da energia elétrica, que podem gerar custo adicional.
Já quanto ao projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso para criar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a preocupação do setor é com a elevação da alíquota para 12% (hoje em 9,25% com PIS/Cofins) e a diminuição do percentual do crédito presumido, de até 60% para 15%.
A medida, segundo Conchon, pode prejudicar a agroindústria no aproveitamento dos créditos e afetar indiretamente os produtores nos preços pagos a eles. “O fato é que todas as propostas de reforma, em maior ou menor grau, impactam o setor”, disse.
A apreensão do setor também é com o que está por vir, como as reformas dos tributos sobre a renda e sobre a propriedade, já que os três textos de agora tratam de tributação apenas sobre o consumo.
O advogado tributarista Eduardo Lourenço, sócio do escritório Maneira Advogados, defende que a premissa da reforma deve ser a de simplificar a arrecadação e manter o custo tributário no setor, não o elevar.
Para ele, a discussão também é uma oportunidade de deixar mais clara na lei a aplicação do ato cooperativo, para que não haja tributação na relação entre o cooperado e a cooperativa, e evitar interpretações fiscais que possam onerar o segmento.
Na semana passada, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que as propostas “preocupam muito”. “O setor acordou um pouco tarde, mas está correndo. O agro tem de estar de olho ou pode ter perdas significativas”, afirmou a ministra durante uma transmissão ao vivo.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também está se articulando para evitar oneração do setor na votação do tema, que deve ser discutido em breve com o relator na Câmara, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB).
Fonte: Valor Econômico