Agropecuaristas e exportadores brasileiros pressionam governos estaduais da região amazônica para que seja acelerado o desenvolvimento de um método mais eficaz para comprovar que os produtos que comercializam não saem de áreas de desmatamento ilegal.
O objetivo é que se torne viável o cruzamento de dados de identificação das propriedades rurais com os de autorizações de supressão vegetal concedidas pelos estados, já que o desmate legal não pode acontecer sem licença.
Mato Grosso, principal produtor de soja, milho e carne bovina do país, poderá inaugurar o processo. Com boa parte do território no bioma amazônico, o estado tem conseguido, aos poucos, ao menos uma redução do desmatamento ilegal. Em junho, a redução de área desmatada foi de 20% em relação ao mesmo mês de 2019. Em toda a Amazônia Legal houve aumento de 3% no período.
A Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) investiu quase R$ 6 milhões no ano passado em uma plataforma de monitoramento em tempo real do desmatamento, com imagens em alta resolução.
A ferramenta emite alertas visuais diários e envia relatórios semanais por e-mail de supressão da vegetação a partir de um hectare, que são cruzados com dados do governo local. O sistema é capaz de checar quem é o proprietário da área e se há aval para desmate, acelerando uma eventual autuação, até de forma remota.
“A tolerância é zero com o desmatamento ilegal”, disse Mauren Lazzaretti, secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, ao Valor.
A ferramenta, adquirida por meio de um programa bancado com recursos dos governos de Alemanha e Reino Unido, tornou a ação mais assertiva e barata. Dois mil alertas foram atendidos só em 2020. “Vou direto ao local, economizo dinheiro e sou mais eficiente”, afirmou Lazzaretti. Entidades do agronegócio devem se reunir com a secretaria para tratar do tema em âmbito local.
Só este ano, 255.000 hectares foram embargados em Mato Grosso. São mais de 2.200 autuações e R$ 2.1 bilhões em multas aplicadas pela Secretaria de Meio Ambiente, Ministério Público, Ibama, Exército, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. O “maior rigor” já inibiu a ação ilegal, disse Lazzaretti.
Um dos motivos é a apreensão de mais 600 equipamentos usados por quem desmata ilegalmente, de motosserras e armas de fogo até um helicóptero utilizado na dessecagem aérea da mata que seria derrubada. A ideia é institucionalizar o modelo para replicar o que deu certo nos outros estados da região.
Glauber Silveira, vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), é um dos que cobram, no campo, maior eficiência dos governos federal e estaduais na identificação e na distinção entre quem desmatou dentro dos limites permitidos pelo Código Florestal e uma minoria, como ele reitera, que vai contra a lei.
“Precisamos diferenciar o desmatamento ilegal da abertura de área permitida e agilizar a concessão das licenças. O produtor está sendo penalizado pela ineficiência do próprio estado, já que muitas vezes entra na ilegalidade sem estar, porque não suportou esperar a autorização para desmatar o que lhe era de direito”, defendeu Silveira, que também já presidiu a Aprosoja Brasil.
“Se quer tolerância zero com desmatamento ilegal é preciso identificar as fazendas e tomar alguma medida”, disse André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) sobre a tentativa de estabelecer um canal de discussões com os governos estaduais da região amazônica em busca de ações para evitar retaliações internacionais.
Crítico da Moratória da Soja, acordo por meio do qual as tradings se comprometeram a não mais comprar o grão de áreas desmatadas da Amazônia depois de 2008, nem de forma legal, Silveira disse que o instrumento pune quem está em situação regular. Ele afirmou que cabe ao governo e ao setor adotarem uma postura positiva de divulgar o cumprimento da lei pelos produtores.
“Tem de dizer ao mundo que o Brasil cumpre a lei e que todos vão estar na legalidade. Aqueles que desmataram ilegalmente vão ter de recompor, mas a Reserva Legal será respeitada”, disse. “Se for feita a análise de 100% dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR), isso fica claro”.
Mesmo com o uso da tecnologia, a área desmatada continua crescendo, só que em ritmo menor no território mato-grossense. Enquanto no Pará houve avanço de 84% entre as safras 2018/19 e 2019/20, o aumento em Mato Grosso foi de 10%, menor percentual da Amazônia Legal, que na média foi de 43%.
“Ainda não é o esperado”, indicou Lazzaretti com base em dados do Imazon. Foram 873 km² de floresta derrubados no estado entre agosto do ano passado e junho deste ano, dos quais 14% de maneira legal e autorizada.
Mato Grosso também largou na frente na análise e na validação dos CAR, outro diferencial no combate ao desmatamento ilegal. Cerca de 30% dos 91.000 registros no sistema estadual, que filtrou e solucionou milhares de sobreposições de áreas, já foram analisados.
O percentual de validação ainda é baixo, foram pouco de 3.000 aprovações, mas deve aumentar com os incrementos nas bases de dados de solo e águas, já que quase 90% dos documentos tinham pendências com hidrografia. O próximo passo será a implementação do módulo do Programa de Regularização Ambiental (PRA), que deverá estar pronto no início do ano que vem.
Valor Econômico