Nota publicada no Agrodrops da última edição da Agroanalysis informa que, do total de 444 usinas sucroalcooleiras no Brasil, 90 estão em recuperação judicial e 29 falidas, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). As 325 usinas restantes operam normalmente.
Para explicar esse quadro atual do setor sucroenergético, e entender o que aguardar para um futuro próximo, é necessário construir um breve histórico das últimas duas décadas.
O início da década passada foi marcado pelo advento no Brasil do carro flex-fuel, que surgiu num momento de altíssima competitividade do etanol hidratado em relação à gasolina.
Abriu-se uma enorme janela de oportunidade de crescimento para o setor, o que foi reforçado com a perspectiva de que outros países, a exemplo dos EUA, criariam mandatos de mistura do etanol na gasolina e transformariam o etanol em uma commodity global.
Isso estimulou um crescimento espetacular e sem precedentes, tendo o centro-sul saído de uma produção de 240 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para os atuais 600 milhões de toneladas de capacidade.
No entanto, parte desse crescimento corresponde a investimentos realizados às pressas e por mãos não afeitas a lidar com essa peculiar agroindústria, em que o campo responde por 70% dos custos de produção e se torna o principal fator de sucesso ou insucesso.
A falta de planejamento adequado e cuidado em relação às melhores práticas levou a um crescimento da capacidade produtiva de baixíssima qualidade, o que ocasionou o aumento de custos, reduzindo sensivelmente a competitividade do Brasil em relação aos seus concorrentes: no açúcar, a Europa, a Índia e a Tailândia; e, no etanol, os competentíssimos americanos, com o seu etanol de milho.
A adequada disciplina de capital, não deixando a alavancagem financeira superar determinados níveis, também não foi o forte de certos grupos do setor, os quais contavam com um mercado eternamente promissor e pujante, mas que não aconteceu.
Ao contrário, a política de controle dos preços dos combustíveis que perdurou até o final do governo da presidente Dilma Rousseff prejudicou sensivelmente a cadeia sucroenergética.
Estima-se que essa política tirou aproximadamente R$ 70 bilhões de renda do setor, ao se compararem os preços praticados internamente àqueles que seriam observados se se tivesse obedecido à paridade internacional. Naquele período, o petróleo atingiu níveis altos de preço.
Crescimento acelerado, má gestão, altos níveis de endividamento e baixas margens são os ingredientes perfeitos para uma tragédia, e ela aconteceu.
A mecanização dos processos de plantio e colheita também teve alto impacto em termos de reduzir a produtividade e a longevidade dos canaviais, que, só agora, felizmente, começam a diminuir a tendência de queda.
No mundo das commodities, são absolutamente normais e fazem parte do jogo os anos de vacas magras e os anos de vacas gordas – ciclos absolutamente necessários para equilibrar a relação entre oferta e demanda. Porém, no caso do açúcar, a commodity mais política do planeta, mecanismos de proteção tarifária, subsídios, cotas etc. têm feito os períodos de baixa serem muito mais prolongados do que os de alta.
O Brasil, sempre muito árido em políticas públicas, felizmente criou no governo de Michel Temer um programa extremamente inteligente em termos de reconhecer as externalidades positivas dos combustíveis renováveis e criar mecanismos de incentivo ao aumento da eficiência do setor. Esse programa chama-se RenovaBio e enche o mercado de esperanças de um futuro melhor.
As inovações no campo e na indústria, finalmente, começam a surgir, e num ritmo avassalador, de forma que vivemos uma perspectiva para o futuro extremamente promissora.
Mas o estrago está feito e resultou em um número inédito de falências e recuperações judiciais nos últimos anos, com muito dinheiro jogado fora.
Espera-se, contudo, que, daqui para frente, o setor acelere o seu processo de consolidação, por meio de um processo de seleção natural lógico em que aquelas empresas que souberem fazer a lição de casa e superar as dificuldades de anos tão difíceis cresçam em bases sustentáveis, se tornem eficientes em custos e apresentem uma adequada estrutura de capital.
Os sobreviventes são muitos e suficientes para, no momento adequado, colocar de novo o setor sucroenergético brasileiro na rota do crescimento e da geração de empregos e renda. Crescimento, desta vez, sustentável e erguido em bases sólidas, muito diferentemente do que ocorreu no passado recente.
O setor vai recuperar a produtividade e voltar a ser, disparado, o produtor com mais baixo custo de açúcar e etanol. Isso, aliado a políticas públicas corretas e a uma diplomacia competente que se espera na área das negociações internacionais, tornará tal setor um dos mais importantes “drivers” de crescimento do agronegócio brasileiro.
À medida que os retornos sobre capital investido se tornarem adequados aos níveis de risco desse volátil setor, ao contrário do que acontece hoje, não há dúvida de que os investimentos retornarão.
Fantasmas continuarão a existir num mundo disruptivo. Carro elétrico, carro híbrido, célula de combustível e a força crescente da energia solar colocam alguns pontos de interrogação para o futuro, mas acreditamos que, se todos fizerem a lição de casa, e ela é pesadíssima, conseguiremos guardar um lugar importante e merecido para o etanol e o açúcar, principais derivados da cana-de-açúcar, tendo, ainda, como coadjuvantes a energia elétrica, a levedura, o biogás, entre outros.
Agroanalysis/FGV