Há três anos seguidos no vermelho, a BRF voltará ao azul neste ano, assegurou ontem, em entrevista ao Valor, o CEO global da empresa de alimentos, Lorival Luz. A virada dos resultados da companhia, que passa por uma profunda reestruturação financeira e operacional desde meados do ano passado, é amparada por uma conjuntura favorável. A peste suína africana, que dizimou o plantel da China, mudou o humor da administração da BRF e também dos investidores da empresa na Bovespa.
Pouco tempo atrás, os executivos da BRF recomendavam cautela e pareciam imunes à euforia do mercado de carnes com o abalo sanitário na China, país responsável por 50% do consumo global de carne suína. Em maio, Luz chegou a afirmar que investimentos para ampliar a produção de aves deveriam ser feitos com cuidado. “Lá na frente é possível um efeito contrário na China: excesso de oferta” disse o executivo.
De lá para cá, a situação no país asiático se agravou e já há quem diga que a produção chinesa de carne suína cairá 50%. E não só. A recuperação da indústria frigorífica do país levará alguns anos para acontecer. Nesse ambiente, a aposta dos investidores na BRF foi ampliada. Com isso, as ações da empresa avançaram quase 50% na Bovespa desde janeiro, enquanto o Ibovespa subiu 19,10%. Nesse período, a BRF ganhou R$ 9 bilhões em valor de mercado, a dona das marcas Sadia e Perdigão vale R$ 26.8 bilhões.
Na entrevista concedida na manhã de ontem, na sede administração da BRF na capital paulista, Luz não só demonstrou estar mais otimista com o impacto da peste suína africana na China sobre os resultados, como também revelou que investirá R$ 170 milhões para ampliar as exportações aos chineses. Os aportes contemplam um pequeno aumento do plantel de aves alojadas nas granjas e também melhorias em fábricas, automatizando alguns processos, disse.
“A gente está mais confiante de que a demanda [da China] vai acontecer”, disse Luz, reconhecendo que os R$ 170 milhões não estavam no orçamento original da BRF. “Estamos começando a fazer [esses investimentos]. Nem tudo acontece nesse próximo trimestre, mas vai indo até o primeiro semestre do ano que vem”, disse.
Segundo Luz, as exportações da BRF para a China devem se beneficiar das novas habilitações de frigoríficos brasileiros pelas autoridades do país asiático. Nesta semana, unidades da empresa serão inspecionadas pelo Ministério da Agricultura, que transmitirá o resultado para os chineses por vídeo. Segundo o executivo, a BRF pode ter mais quatro frigoríficos autorizados a exportar para a China, sendo um abatedouro de suínos e três de frango. Hoje, seis unidades da BRF estão habilitadas para a China.
Com as permissões, a BRF pode ampliar as exportações ao país asiático em 30%, estimou Luz. Trata-se de um crescimento expressivo, tendo em vista que a China se tornou a maior importadora de frango do Brasil este ano, tirando a liderança histórica dos sauditas, para a BRF, porém, o país do Oriente Médio ainda é o mais relevante.
Diante do cenário positivo, Luz quer antecipar o processo de redução do endividamento da BRF. Para o fim deste ano, a meta ainda é trazer o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para 3,65 vezes. No fim de março, último dado disponível, esse índice era de 5,64 vezes. A grande mudança virá em 2020. “Quero que fique abaixo de 2,5 vezes para o ano que vem”, disse ele, lembrando que a meta é de 3 vezes.
Questionado pela reportagem, Luz admitiu que a busca de um parceiro estratégico na Arábia Saudita pode ajudar no processo de desalavancagem, embora isso ainda não esteja definido. Como o Valor já informou, a BRF avalia vender uma participação minoritária em ativos no Oriente Médio a um parceiro que fortaleça a sua presença na produção de frango da Arábia Saudita.
Se conseguir mesmo aproveitar os bons ventos, Luz consolidará sua trajetória na BRF, que começou em setembro de 2017, o período mais turbulento na história da empresa. Dado o nível de conflitos da empresa no período, a ascensão de Luz é uma indicação de resiliência.
Desde que foi contratado, o mineiro de 48 anos migrou de posições várias vezes. Inicialmente, ainda na “era Abilio Diniz”, assumiu o cargo de vice-presidente de finanças e de relações com investidores.
A primeira mudança aconteceu em abril do ano passado, em meio à disputa societária entre Abilio e os fundos de pensão Petros e Previ, quando o então CEO global José Aurélio Drummond renunciou, e Luz assumiu a função interinamente.
Em junho do último ano, mudou mais uma vez. Com a confiança de Pedro Parente, que foi eleito à presidência do conselho de administração e indicado para o cargo de CEO, se tornou o principal executivo da área de operações (COO, na sigla em inglês). Ficou nessa função até o mês passado, quando substituiu Parente definitivamente na posição de CEO, pelas regras da Bovespa, Parente só poderia acumular os cargos de presidente do conselho e de CEO por 12 meses.
A dupla formada por Luz e Parente vem liderando a reestruturação da BRF, mas não sem tropeços. Aos olhos de acionistas e analistas de mercado, as negociações para uma possível fusão com a Marfrig Global Foods (ver mais em “Não queremos ser um negócio de commodity”, afirma CEO), que criaria uma gigante com faturamento de R$ 80 bilhões, poderiam representar uma perda de foco e de discurso.
Sob Parente e Luz, a BRF vinha batendo na tecla de que não faria nada mirabolante para se recuperar, o que chegou a ser posto em dúvida quando as conversas para a possível fusão foram anunciadas. Na semana passada, porém, BRF e Marfrig abandonaram as conversas, em razão de divergências sobre a governança corporativa.
“Não queremos ser um negócio de commodity”
Quando BRF e Marfrig Global Foods anunciaram em maio que estudavam uma possível fusão, analistas, investidores e executivos da indústria demonstraram muito ceticismo com o sucesso dessa união.
Os críticos da transação sustentavam que a BRF incorporaria uma operação, produção de carne bovina, com margens de lucro baixas, reduzindo drasticamente o peso da área de alimentos processados, que normalmente é mais rentável.
Ontem, em entrevista ao Valor, o CEO global da BRF, Lorival Luz, explicou as motivações estratégicas que levaram a companhia a avaliar uma possível fusão. De acordo com ele, o foco estava na agregação de valor que poderia ser obtida, entre outras coisas, ao usar a marca Sadia em carne bovina.
Outra vantagem, acrescentou, era o parque fabril de hambúrguer da Marfrig nos Estados Unidos, que daria à BRF dimensão em produtos de carne bovina de maior valor agregado e também posicionariam a companhia em um mercado dinâmico como o americano.
Na avaliação do CEO da BRF, o objetivo de agregar valor ajudaria a atenuar o impacto da assunção da carne bovina in natura da Marfrig, que é de longe a mais importante da companhia fundada por Marcos Molina. “[A Marfrig] tinha um componente que não é tão o nosso objetivo, mas tinha um componente [carne processada] superimportante que está alinhado”, disse.
Para o futuro, Luz não descarta a entrada da BRF na produção de carne bovina. “Mas não tem nenhuma conversa nesse sentido”, ressaltou. E, mesmo que venha a entrar nesse ramo em algum momento, a dona da Sadia e Perdigão não se transformará em uma exportadora de carne, sustentou. “Não queremos virar um frigorífico exportador. Não queremos ser uma empresa de commodity”, disse Luz.
Fonte: Valor