O novo presidente da ABAG faz uma breve análise sobre o desempenho do agro em especial neste século, olha para os primeiros meses do novo governo, com foco nas reformas em curso no País, e avalia a implementação do Código Florestal.
Na sua nova Presidência, para o triênio 2019-2020-2021, a ABAG conta com a gestão do engenheiro de alimentos Marcello Brito. Neste ano, a ABAG comemora 25 anos de existência com uma lista de iniciativas e realizações que a colocam como uma das entidades mais respeitadas e com mais formadores de opinião do agronegócio nacional. No próximo dia 5 de agosto, acontecerá o Congresso Brasileiro do Agronegócio (CBA), a ser realizado com o tema “Agro: Momento Decisivo”.
AGROANALYSIS: Diante de uma entidade de vanguarda no agro, como olhar a ABAG?
Marcello Brito: Desde a sua criação, a ABAG trabalha intensamente para o fortalecimento e o equilíbrio das cadeias produtivas do agronegócio. Nesses 25 anos de existência, sempre acreditamos na vocação do nosso País para o agronegócio. A entidade segue empenhada na sua missão de disseminar a importância das cadeias produtivas do setor para toda a sociedade. Não podemos ficar acomodados com os resultados obtidos até agora. As projeções traçadas para o agro nacional por entidades de reconhecimento internacional são promissoras. Essas estatísticas avalizam, mas não garantem, o passaporte para o futuro do setor. A conjunção das práticas produtivas às ambientais significa uma sinergia de forças para a geração de valor. Esperamos políticas públicas inovadoras para construirmos pontes seguras com parceiros estratégicos de primeira hora. A ABAG deverá ampliar a expertise com as visões e as tendências do mercado consumidor sobre as cadeias produtivas do agro.
O setor público tem acompanhado a evolução do agro?
MB: Em especial neste século, o agro brasileiro empreendeu um ritmo de aumento na produção que poucos otimistas poderiam imaginar. Esse tremendo impulso veio por meio da demanda externa. Saltamos de uma receita na balança comercial do setor de US$ 20.6 bilhões, em 2000, para um valor recorde de US$ 101.6 bilhões, em 2018. Tal desempenho foi muito impulsionado pelo continente asiático, em particular a China, que passou a ser o principal parceiro comercial do Brasil.
Apresentamos gargalos estruturais profundos em pontos críticos, como na infraestrutura e na logística. A agricultura avançou nas chamadas áreas de fronteira, cada vez mais distantes dos portos de embarque. Temos dificuldades para supri-las de insumos e escoar a sua produção. Cerca de dois terços dos modais de transporte são rodoviários, com custos não competitivos aos dos concorrentes. Existe a insegurança jurídica, como a recente lei do tabelamento de frete, a desatualização nos registros dos defensivos em relação aos países concorrentes e a estrutura tributária arcaica, entre outros. Enfim, a lista de desafios é grande.
Nesta década, a economia brasileira patina. Isso precisa mudar, não?
MB: De fato, em especial nesta segunda metade da década, o contexto econômico degradou-se de forma substancial. Estamos com um Produto Interno Bruto (PIB) acumulado negativo para esse período. Certamente, como tudo indica, não conseguiremos reverter esse quadro em 2019. Começamos o ano com uma projeção de crescimento perto de 3% e terminaremos próximo de 1%; isso se ainda não tivermos surpresas negativas pela frente.
Em momentos anteriores, as crises exógenas advindas da economia internacional repercutiam e chegavam de modo negativo à economia nacional. Foi assim, por exemplo, na conjuntura de 2008. Agora, a realidade não é essa. Estamos com certa dose de previsibilidade nas taxas de inflação e na taxa de referência Selic, com balança comercial positiva. Esse é o lado bom, mas as incertezas com a volatilidade cambial e a entrada de investimentos ainda dependerão muito de reformas fundamentais.
Então, é possível avaliar o primeiro semestre deste governo?
MB: O tempo passa rápido. O novo governo carrega um capital político significativo para levar o País pelo caminho da retomada econômica. Seguimos na expectativa do cumprimento de uma agenda econômica para diminuir o gasto e o tamanho do Estado. O déficit público precisa ser zerado. No curto prazo, a turbulência concentra-se nas idas e vindas do nervoso processo da reforma da previdência social, que conta com amplo apoio da sociedade. Uma composição política saudável e compromissada com o Brasil é ainda desejada na relação entre os Poderes.
Da parte do agro, estamos muito bem servidos com a ministra Tereza Cristina e a sua equipe no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Como fazemos parte do setor nacional mais aberto às transações internacionais, com papel geopolítico relevante, temas sensíveis precisam ser tratados com cautela. Somos signatários do Acordo de Paris para diminuir o impacto das mudanças climáticas. Devemos manter o tratamento isonômico nas relações diplomáticas com as diferentes comunidades. As comitivas para visitas e negociações a países parceiros estão inclusas nesse trabalho.
A pauta ambiental faz parte da agenda mundial?
MB: O comércio internacional irá inserir cada vez mais conteúdos ambientais nas suas negociações. As parcerias serão construídas com pressões crescentes para que os acordos levem em conta critérios ambientais, assim como ocorre naturalmente nas questões sanitárias. Devemos preparar-nos para discutir com competência e sem preconceito essas novas barreiras. Para receber a certificação necessária e realizar a venda dos produtos, os países exportadores terão de cumprir procedimentos ambientais. É bom lembrar que, hoje, 47% da população urbana da China com até quarenta anos coloca como maior preocupação a rastreabilidade ambiental do produto. Isso, com certeza, nos dá uma luz de como será o mercado do futuro próximo.
Diante da nossa dependência dos produtos exportados, as transações correntes sofrerão um dramático impacto nas compras dos países com tais exigências. Estar apto para exportar para a União Europeia, por exemplo, significa a abertura das portas para outros mercados importantes, a que ainda não temos acesso. O seu nível de exigência serve como referência de ordem mundial. Recentemente, até mesmo as autoridades chinesas solicitaram do governo brasileiro a relação dos frigoríficos habilitados a exportarem para o bloco. Temos de estar atentos a esses recados.
Estamos com o cronograma do Código Florestal atrasado?
MB: Sem dúvida alguma, o Congresso Nacional e o governo brasileiro devem concentrar esforços nos próximos passos para a efetiva implementação do Código Florestal (Lei nº 12.651/12). Precisamos direcionar recursos para a validação mais rápida do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e avançar nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs). Esses instrumentos criarão uma demanda real para as Cotas de Reserva Ambiental (CRA).
Da mesma forma, cabe regulamentar a legislação sobre os incentivos econômicos para a proteção da vegetação nativa, com Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs) e a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). Essas medidas devem ser implementadas em caráter de urgência, pois são primordiais para preservar e conservar a biodiversidade nos diversos biomas nacionais. A nós cabe contribuir no fomento de ideias e na aprovação das reformas, pois, só assim, encontramos o caminho do desenvolvimento sustentável.
Qual é a linha do Congresso Brasileiro do Agronegócio (CBA) deste ano?
MB: Aproveitamos para focar no principal desafio macroeconômico pendente agora no Brasil: o urgente imperativo de estancar o dramático quadro deficitário das contas públicas. O crucial passo está na reforma da previdência social, seguida pela reformulação tributária, com a simplificação, a unificação e a redução do número de impostos. A segurança na governança dessas decisões definirá outras bases para os investidores avaliarem o risco do País.
Por tudo isso, a edição de 2019 do CBA terá como tema “Agro: Momento Decisivo”. A ser realizado no próximo 5 de agosto, em São Paulo, o evento acontecerá como uma parceria entre a ABAG e a BM&F. O ponto de inflexão para a retomada consistente do crescimento econômico trará condições para desenhar o modelo agrícola mais adequado para o País. O caminho do agro brasileiro depende da velocidade das reformas estruturantes a serem feitas pelo governo.
Então, esperamos um outro grande evento?
MB: Apesar das dificuldades existentes, somos confiantes de que o Brasil possui todas as condições para continuar avançando e permanecendo entre os principais produtores de alimentos, fibras e energia renovável do mundo nas próximas décadas. Precisamos ter consciência do nosso papel estratégico para as seguranças alimentar e energética do Planeta. Certamente, seremos cobrados por isso.
Nesse CBA, a ABAG e a BM&F pretendem promover uma ampla discussão sobre as nossas fragilidades, como o custo Brasil, com as deficiências na infraestrutura e na logística, a necessidade de mecanismos financeiros eficientes e os pilares para o desenvolvimento futuro do agro. Com uma visão sobre a China, teremos informações para analisar as consequências disso tudo sobre a economia brasileira e a sua produção de alimentos e biocombustíveis. Precisamos inverter a incômoda curva de participação do agro nacional no mercado mundial, que praticamente não evoluiu nos últimos oito anos. Se excluímos a cadeia de soja, perdemos enorme 1,4% de participação nesse período. Esses não são números condizentes com a qualidade e a potencialidade do nosso setor.
Para acompanhar todas as informações disponibilizadas pela revista Agroanalysis, clique aqui.
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