No jogo dinâmico da exportação de manga para a Europa, basta um tropeço para ser passado para trás. E depois de um ano de redução nas vendas, o Brasil — sétimo maior produtor da fruta do mundo e quarto maior exportador — contou com uma ajuda involuntária do Peru, quinto no ranking de exportação mundial, para ganhar ainda mais espaço no mercado.
De 2017 para 2018, o volume dos embarques de manga do país para a União Europeia caiu 7,5%, para 122,8 mil toneladas, e a receita recuou 16%, para US$ 131,6 milhões.
Segundo Fernanda Geraldini Palmieri, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a redução refletiu problemas fitossanitários. “No primeiro semestre de 2018, as chuvas intensas em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) prejudicaram a produção ao elevar a incidência de uma doença fúngica, a antracnose”. A doença, que deixa manchas pretas na casca da fruta, também afeta a qualidade.
Mas a desaceleração durou pouco, já que neste ano o Peru enfrentou problemas e abriu espaço para o Brasil se recuperar. Com a queda na oferta do vizinho, o volume das exportações brasileiras para a UE cresceu 47% no primeiro quadrimestre em relação ao mesmo período de 2018, para 46,6 mil toneladas, e a receita foi 53% superior na mesma base de comparação (US$ 51,3 milhões).
Ángel Gamarra, presidente da Associação de Produtores de Manga (Promango) do Peru, afirmou que a alternância no ciclo da fruta (que tem anos de baixas e de altas produtividades) e o clima provocaram a diminuição na oferta peruana em 2018/19. “As vendas na temporada, que foi de outubro a março, recuaram 20% em comparação ao ciclo 2017/18, ou seja, cerca de 42 mil toneladas, para 165 mil toneladas”, disse Gamarra ao Valor.
Segundo ele, os efeitos climáticos poderiam ter sido evitados com a técnica de indução floral, que permite “programar” a época de produção (regulando a oferta de água e nutrientes para a planta). Mas, como isso tem custo, a adesão dos produtores ainda é limitada. “A manga precisa de temperaturas na casa de 15°C a 19°C para florescer no Peru, e o clima não cooperou na última safra”.
Produtor no Vale do São Francisco – região que responde por 87% das vendas externas de manga no Brasil e fornecedor da União Europeia há mais de 20 anos – Flávio Muranaka disse que a concorrência nesse mercado está mais acirrada.
“Diversos países da África, como Gana, Costa do Marfim e Burkina Faso, entraram no negócio. E eles são mais competitivos, porque têm custo de produção menor e preferência de compra pela UE, que incentiva essas economias como forma de apoio social”, disse.
É africana a maior empresa do ramo de frutas frescas fatiadas que atende o mercado europeu, a Blue Skies, de origem ganesa. “O consumidor quer praticidade e prefere não ter que descascar a fruta. Ao embalar o produto pronto na origem, você agrega valor”, afirmou Muranaka. Agressiva, a Blue Skies tem “roubado” clientes de concorrentes, inclusive brasileiros.
Hoje, a variedade de manga mais exportada pelo Brasil é a tommy, segundo Tássio Lustosa, gerente-executivo da Associação de Produtores, Exportadores, Hortigranjeiros e de Derivados do Vale do São Francisco (Valexport) — que tem 37 associados.
Juntos, eles respondem por 80% das exportações de frutas do Vale do São Francisco. “Atrás da tommy vem a palmer, que é menos fibrosa, e depois a kent e a keitt”, disse ele, que confirmou que os produtores estão se esforçando para aumentar a oferta das variedades com menos fibras, preferidas pelo mercado europeu.
Produtor de Belém do São Francisco (PE), a 300 quilômetros de Petrolina, Paulo Dantas, da Agrodan, notou essa tendência há alguns anos e, aos poucos, vem aumentando a produção de mangas palmer e kent. “De 1,3 mil hectares, 35% são de tommy, 25% de keitt, 22% de kent, 15% de palmer e 3% de variedades israelenses (noa, shelly e omer)”, afirmou.
Em 1991, quando Dantas, engenheiro elétrico, começou no segmento, não imaginava que cresceria tanto com o mercado da manga. “Foi uma aposta de sorte e, de lá para cá, minhas exportações cresceram de quatro mil caixas por ano para sete milhões de caixas (37 mil toneladas em 2018)”, disse.
“Muita coisa mudou. Eu me lembro que na Alemanha, 20 anos atrás, me pediam para mandar a fruta verde, dura que nem uma pedra, talvez por falta de referência”, contou. “Agora, a manga preferida da Europa, principalmente da França, é a kent, tão macia e doce, que parece um mousse”.
Em sua maioria (90%) exportada pelos portos do Nordeste — especialmente os de Fortaleza (CE), Natal (RN) e Salvador (BA) — a manga que sai do Vale do São Francisco leva de 16 a 21 dias para desembarcar na Europa por via marítima, de acordo com Jorge de Sousa, gerente de projetos da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).
Quando viaja de avião (10% dos casos) , em uma noite chega ao destino, que em 80% das vezes é o porto de Roterdã, na Holanda, onde o custo de distribuição é menor.
“A vantagem do transporte aéreo é que você aumenta o tempo de prateleira do produto. Mas os custos também sobem. Por isso, a preferência é pelo envio de manga kent e keitt, as mais valorizadas, nesse modal”, explicou Sousa.
Nesse caso, o preço do quilo, tanto de uma como de outra, chega a ser de €12 a € 14 nas gôndolas dos supermercados da Europa, enquanto a manga palmer entregue de navio custa cerca de € 3 o quilo. “Os preços variam conforme a oferta e a demanda dos exportadores, mas na média dão retorno ao produtor brasileiro”, disse Sousa.
Para 2019, a expectativa é que as exportações brasileiras voltem a subir. “O mercado de frutas, de modo geral, deverá crescer 10% em volume e receita este ano, e o de manga acompanha o todo. É um mercado promissor, porque o consumo continua a aumentar. Até, por isso, a concorrência cresce também”, observou Jorge de Sousa, da Abrafrutas.
Valor Econômico