Promover o ajuste fiscal, realizar as reformas do Estado, priorizar uma agenda microeconômica para destravar os negócios e mudar a estrutura orçamentária do País. Estes são alguns dos objetivos do governo apontados por Carlos Von Doellinger, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para que o Brasil possa retomar seu crescimento.
O executivo participou como palestrante da reunião do Conselho de Economia da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), realizada no dia 17 de maio. O encontro foi coordenado pelo presidente do Banco do Brasil e do Conselho, Rubem Novaes.
Na ocasião, Von Doellinger traçou um breve histórico da chamada “derrocada macroeconômica” do País, apontou os possíveis cenários que poderão prevalecer nos próximos anos e falou sobre as perspectivas para o setor.
Ao iniciar sua palestra, o economista mostrou que, no período de 1967 a 1980, a economia brasileira crescia 8,6% em média ao ano, ao passo que na década de 80 houve uma queda brusca para 2,3%. Na década seguinte, um discreto aumento elevou o índice para 2,6%. Nos anos 2000 houve um incremento de 4% ao ano, acompanhado por um “excepcional boom de commodities”, e de 2010 a 2018 a média de crescimento foi de 0,50%.
“Para 2019, a perspectiva está em torno de 1% ou menos”, disse Von Doellinger, chamando a atenção para o período difícil pelo qual o País atravessa, com aumento da taxa de desemprego na faixa de 13%; redução da taxa de investimento (“em 2019 deverá ficar por volta dos 15% ou menos”), e queda da produtividade e também da taxa de arrecadação, motivo pelo qual, segundo o executivo, levou o atual governo a fazer seu primeiro contingenciamento.
Círculo vicioso
Essas quedas, para Von Doellinger, refletem o ranking brasileiro das exportações e a capacidade de competitividade do País. “No contexto global, o Brasil continua piorando em termos de competitividade e está muito fechado em relação ao comércio exterior. O País consegue ter uma soma de importação e exportação que corresponde a 24% do PIB, abaixo da Argentina e dos Estados Unidos”.
Segundo Von Doellinger, a derrocada econômica foi causada, em grande parte, pela crescente absorção de recursos reais pelo Estado, com o aumento de despesas “que nunca pararam de crescer, causando o desequilíbrio do governo nas últimas décadas”, e também pelo aumento da carga tributária para reduzir o déficit, “que hoje contempla cerca de 33% do PIB”.
Para o economista, esses fatores criaram “um círculo vicioso do déficit no setor, que se mantém há várias décadas, e cujo motor principal de realimentação é o juro crescente da dívida pública”.
Sobre esse aspecto, Von Doellinger informou que, na década de 90, a dívida pública correspondia a 50% do PIB e que este ano alcança os 78%. “A projeção da Secretaria do Tesouro Nacional é de que, se não fizermos as reformas necessárias, principalmente a da Previdência, a dívida poderá chegar a 100% do PIB em 2022”, alertou.
“Essa situação de ‘bola de neve’ tem forçado a manutenção de juros elevados. O Brasil, há várias décadas, é campeão em taxas de juros reais. É uma das maiores do mundo, e sem perspectiva de baixa. Tudo isso repercute na atividade econômica e hoje vemos um desequilíbrio crônico e crescente no setor”, completou o economista.
Possibilidades
Face a esse quadro, Von Doellinger apresentou algumas estimativas do Ipea válidas para o período de 2020 a 2031, onde foram traçados três cenários possíveis para a economia do País. O primeiro, considerado básico ou de referência, aponta para a reforma das contas públicas, “para que se elimine pelo menos o déficit atual, começando pela Previdência, que necessita de um trilhão de reais”, afirmou o economista. Neste caso, o Ipea prevê taxa de crescimento, no período analisado, de 2,2% ao ano, com PIB per capita anual de 1,06%.
Em um cenário mais favorável ou “transformador”, na denominação do Ipea, haverá uma combinação de ajuste fiscal e estímulos à produtividade e competitividade com a agenda microeconômica, destinada a “facilitar negócios, retirar entraves, estimular investimentos, enfim, descomplicar a economia para que o setor privado possa trabalhar melhor”, explicou Von Doellinger. Neste quadro, afirmou o palestrante, a taxa de crescimento econômico é de 4% ao ano, com PIB per capita de 3,4 %.
Já em um cenário considerado disruptivo ou negativo, o crescimento médio é de 0,5% ao ano, com PIB per capita de -0,1%.
Von Doellinger reforçou que todas as reformas necessárias à economia dependem de entendimento político e, diante disso, propôs a adoção de um novo modelo para negociações, com base em um “presidencialismo de cooperação”. “Os poderes Executivo e Legislativo podem trabalhar numa agenda conjunta de reformas, com grande participação da classe política. Seria uma forma de resolver o antagonismo que existe hoje entre Congresso e Executivo”, disse.
Setor fragilizado
Presente à reunião do Conselho, Cláudio Contador afirmou que o País passa por uma fase de “engessamento da economia” e que “não sabe como sair dessa condição”. O economista informou que as taxas de crescimento do setor nos últimos quatro trimestres apresentaram progressão muito lenta, podendo ser consideradas “medíocres”.
Destacando as dificuldades para se fazer previsões, Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), disse que a situação fiscal no Brasil “não é tão dramática quando comparada ao cenário internacional, onde o Japão acumula uma dívida de 240% do PIB; a China, com 300% e os Estados Unidos acima dos 100%”.
O especialista declarou que a economia brasileira está muito fragilizada, propôs medidas como impulso ao crédito para consumo, investimento, entre outros; afirmou que o setor privado “está encolhido” e atribuiu a falta de investimentos ao cenário externo.
“A situação lá fora está complicada. O câmbio é muito guiado pelos acontecimentos, e isso tudo reflete na economia brasileira. Os investimentos contidos pelo cenário externo são preocupantes”, disse Schymura.
Ao fazer projeções para o segundo semestre do ano, com base em dados do Ibre, o economista estimou “uma piora progressiva nos índices de confiança empresarial e do consumidor”.
“Abrimos perspectivas de crescimento do PIB em torno de 2% para esse ano. Já revisamos esse número e chegamos a 1,4%, uma posição até mais otimista. Mas os investimentos estão muito baixos, e não é só no setor público. Estou preocupado com o que vem pela frente. A situação fiscal do Brasil está no limite. Mexer no teto de gastos a essa altura é uma coisa muito delicada, e o contingenciamento acabou afetando programas sociais”, declarou Schymura.
Segundo ele, o governo deveria conseguir recursos dos gastos obrigatórios e não dos discricionários. “Resta torcer para que o cenário externo aparentemente muito volátil e a temeridade dos agentes econômicos possam se dissipar rapidamente. É preciso acompanhar esse cenário”.
Investimentos
Ao comentar os altos juros reais no Brasil, Paulo de Tarso se declarou contrário à independência do Banco Central. “Estamos em um país onde não existe política fiscal devido ao teto de gastos. Se você não pode fazer política fiscal e há uma política monetária que só olha para a taxa de inflação, como querer que este país cresça?”, questionou o economista, que também comentou aspectos relacionados à falta de investimento e de infraestrutura.
“Não se investe no Brasil porque há capacidade ociosa. Quem vai expandir produção se é possível aumentar essa produção sem novos investimentos? Quanto à questão da infraestrutura, não há empresários no País querendo investir no longo prazo. Eles querem retorno alto”.
Os participantes da reunião também concordaram que a aprovação da reforma da Previdência, independentemente do custo que poderá demandar, é imprescindível para que haja investimentos.
O embaixador José Botafogo acrescentou que o setor privado, em específico, “não investe porque não tem uma perspectiva estratégica e mantém dependência do Estado ou do governo”. Por fim, afirmou que o Brasil precisa mudar o enfoque de seu modelo de crescimento. “O País tem de crescer de dentro para fora. Passar de um crescimento conjuntural para estrutural e fixar metas estratégicas no longo prazo. Em função delas, definir quais serão os recursos que pode se obter de fora para investir”.
Também estiveram presentes à reunião do Conselho de Economia o presidente da SNA, Antonio Alvarenga; os vice-presidentes da instituição, Hélio Sirimarco e Tito Ryff; os diretores Antonio Freitas, Francisco Villela, Márcio Sette Fortes, Paulo Protásio, Rony Oliveira, Thomás Tosta de Sá, Rui Otavio Andrade e Tulio Arvelo Duran, e os economistas Arnim Lore, Antonio Meirelles, Carlos Thadeu Gomes, Peter Knight e Roberto Fendt.