Por Mateus Mondin*
Muito se fala sobre o futuro da agricultura, porém nos filmes “2001 – Uma odisseia no espaço” e “De volta para o Futuro – parte II”, tivemos uma amostra da nossa incapacidade de prever o futuro real. O AgTech é a palavra do momento e muitas especulações surgem de como será uma fazenda no futuro.
Arrisco a dizer que certamente elas não serão como aparecem em inúmeras ilustrações e pelo menos nos próximos 50 anos, elas serão muito parecidas com o que são hoje. Razões para isso? O custo e a velocidade de adoção de tecnologias pelo produtor rural.
O campo está cada dia mais digitalizado e o acesso à internet cresce rapidamente e em um futuro muito próximo todo o território terá cobertura. Além disso, a liderança das propriedades rurais será formada por jovens altamente conectados.
Muitas ferramentas e tecnologias estão disponíveis, mas certamente aquelas associadas com as tomadas de decisão e gestão das propriedades são as mais numerosas. Entretanto, muitos problemas ainda atormentam estas tecnologias, e a não integração entre as diferentes plataformas é o maior de todos.
Estamos vivendo algo muito parecido com o que aconteceu com a computação entre os anos 1970 e 1980, em que muitos sistemas surgiram, alguns sobreviveram e nunca foram integrados. Não será diferente na agricultura.
O mercado já está saturado de soluções digitais para os produtores rurais, principalmente com relação à gestão, mas ainda sem integração dos dados.
Outro ponto muito relevante é o que de fato estas tecnologias estão entregando ao produtor. Aparentemente não fomos capazes de contabilizar estes benefícios de forma imparcial.
Dentro deste cenário certamente teremos um esfriamento neste setor, muitos irão desaparecer e nos próximos anos teremos a consolidação de apenas alguns poucos sistemas, com algumas poucas integrações que permitirão a compra e venda de insumos, a opção de venda em melhores momentos e uma eficiência na administração da fazenda.
A robotização e a automação do sistema rural trarão uma mudança significativa na forma do produtor pensar e agir. Controle do uso da água e aplicações localizadas de insumos certamente serão realidade em um grande número de propriedades.
A automação já está em estágio muito avançado, principalmente em cultivos protegidos, tratores autônomos são realidade e o custo destas máquinas irá ficar cada dia mais acessível ao produtor. Entretanto, uma mudança total de máquinas manuais para autônomas demorará algumas décadas para acontecer.
Imaginar propriedades inteiras com robôs e máquinas operacionalizando todo o sistema é muito fictício. Não há dúvidas de que algumas propriedades-conceito existirão e nos ajudarão a projetar o futuro. Porém, certamente nos próximos 50 anos não veremos este estágio de automação.
O que teremos de fato é uma entrada significativa de máquinas autônomas nas propriedades, que irão facilitar e aumentar a eficiência de algumas operações, principalmente em grandes extensões de terra, onde essas máquinas terão uma aceitação imediata.
Também nos sistemas de cultivo protegido, teremos uma automação muito significativa das casas de vegetação e operacionalização interna, como transplante de mudas, iluminação, controle da irrigação, ponto de colheita, entre outros. A automação e a robotização permitirão a verticalização da produção de hortifrutis e sua oferta com mais qualidade e frescor.
Passada a febre sobre agricultura digital, sensores, robôs e automação, teremos um retorno à tecnologia de produtos, onde de fato acredito que teremos a verdadeira revolução do campo.
Esta revolução não será visível e terá muito mais tecnologia embarcada do que qualquer coisa já vista na história da humanidade. Será a revolução que irá restaurar biologicamente o ambiente agrícola. A revolução biológica será inversamente proporcional à revolução verde.
Ela se dará pela competência humana de dominar organismos vivos. O uso de organismos que disponibilizam nutrientes e que oferecem proteção fitossanitária, além daqueles que controlam pragas já são uma realidade e logo terão tamanha eficiência que o uso de agroquímicos será quase dispensável. Certamente não iremos substituir 100% do uso, mas, nos próximos anos veremos uma queda significativa na aplicação de fertilizantes e agroquímicos.
A outra parte silenciosa da revolução biológica ocorrerá na Genética e na Biotecnologia. Os transgênicos (OGM, Organismos Geneticamente Modificados) serão coisas do passado. A tecnologia tem se mostrado pouco sustentável ao longo do tempo e os investimentos continuam elevados para o lançamento de novidades.
Veremos uma gradativa substituição dos transgênicos pelos CRISPR (eventos de edição de genes), que são aparentemente mais simples e menos polêmicos do que os transgênicos.
Porém, as tecnologias de DNA e cromatina estão avançando muito rapidamente e em cerca de 20 anos, mesmo os CRISPR não existirão mais. Por incrível que pareça, os métodos clássicos de seleção de materiais genéticos ainda serão cruciais para o avanço na produção e na qualidade de híbridos e variedades.
Porém, com os custos mais baixos de sequenciamento, conseguiremos implementar definitivamente a genômica assistida. Teremos a predição de linhagens e híbridos através de plataformas digitais para a escolha dos melhores materiais genéticos, reduzindo assim consideravelmente o tempo dos programas de melhoramento genético para o lançamento de novos materiais.
Por último teremos uma rastreabilidade muito eficiente de toda a cadeia produtiva. A importância da rastreabilidade reside principalmente no controle de qualidade. No futuro, em caso de ocorrência, poderá ser identificado em qual etapa da cadeia produtiva ocorreu o problema. A rastreabilidade também será importante para atribuição de selos de procedência e controle de qualidade.
Haveria muito mais para ser discutido e certamente poderíamos ir muito mais a fundo em cada um dos tópicos abordados, mas certamente minha intenção aqui não é esgotar o tema e sim fazer um retrato mais claro a respeito do futuro da agricultura, menos fictício e mais próximo da realidade, e também instigar novos questionamentos e provocar o debate sobre a viabilidade das soluções que estamos propondo hoje.
*Mateus Mondin é professor do Departamento de Genética da Esalq, Universidade de São Paulo
e idealizador do AgTech Valley – Vale do Piracicaba.
Valor Econômico