Robôs programados para cuidar de vacas compõem um cenário digno de filmes de ficção científica do fim dos anos 1980. Mas na Holanda aquele “futuro” já transpôs as telas há anos, o que permite que o país produza cerca de 14 bilhões de litros de leite ao ano, segundo o Instituto Central de Estatística holandês. Esse volume, 24 bilhões de litros, corresponde a quase 60% do que o Brasil produziu em 2017, sendo que o território do país europeu representa apenas 0,48% do brasileiro.
Em den Eelder, fazenda de gado leiteiro localizada em Poeldijk, pequena cidade de Westland, os robôs fazem parte da paisagem desde 2000, e sem eles o negócio da família Van der Schans estaria fadado ao fracasso. “Não tínhamos pessoas suficientes. Era muito difícil conseguir trabalhadores”, disse Ernst Van der Schans, patriarca da família e que está no negócio de pecuária leiteira desde 1983.
A fazenda abriga cerca de 500 vacas em lactação e 300 bezerros. Cada vaca produz, em média, 36,2 litros de leite por dia. Em uma fazenda sem robôs, com funcionários responsáveis pela ordenha das vacas, a produção é de cerca de 32 litros por dia. Na Holanda, uma em cada cinco fazendas leiteiras já é automatizada. Para se ter uma ideia, no Brasil, a produção média é de pouco mais de seis litros por vaca/dia, uma vez que ainda há muita pecuária de subsistência.
“O segredo (da automação) é que a vaca é ordenhada quando quer, e a média de ordenha é de quase três vezes ao dia por vaca”, afirmou Evert Niemeijer, gerente de contas de laticínios da Lely, empresa holandesa, também de origem familiar, e responsável pela produção de toda a estrutura robotizada da den Eelder.
A Lely registrou receita de € 506 milhões em 2017 e tem escritórios espalhados por diversos países. Um desses escritórios está em Carambeí, no Paraná. No mercado brasileiro, disse Niemeijer, já há 30 robôs da Lely sendo usados em ordenha. Na semana passada, representantes da cooperativa paranaense Frísia Agroindustrial estiveram em den Eelder para conhecer o processo automatizado.
Em den Eelder, a ordenha das vacas é feita sem nenhum contato humano. Estimulados por comida, os animais seguem de modo voluntário para o aparelho a fim de serem ordenhados. Cada animal recebe sete quilos de alimentos por dia.
Para comer mais, a vaca tem de ir até o aparelho de ordenha e receber mais uma pequena quantidade. Enquanto ela come, cada teta é higienizada pelo robô e, logo depois, um laser identifica o local exato para instalar o aparelho de ordenha.
“Enquanto o leite é retirado, o robô capta, por meio de uma antena, as informações registradas nos colares dos animais. É avaliado se a vaca está com boa saúde, se já é o melhor momento para inseminá-la e qual a temperatura do leite produzido”, disse Niemeijer.
As informações sobre o momento ideal para inseminar a vaca ajudam na redução de custos, reforça o gerente da Lely. O número de aplicações de sêmen cai de quatro, em média, para duas por vaca. “Você reduz custos. Há sêmen de todos os preços, mas para a inseminação de vacas leiteiras o valor é, em geral, de € 12,50 por ampola”, afirmou Niemeijer.
O equipamento para a automatização não é nada barato, e na Holanda não é diferente. “Aqui, além de pagar pelos nossos robôs, a empresa paga caro para construir a estrutura do galpão. Qualquer construção aqui vai demandar pilastras de 24 metros de concreto para serem instaladas embaixo do solo. É uma exigência do governo”, informou Niemeijer. Os galpões da den Eelder tiveram um custo médio de € 1.6 milhão para serem construídos.
Uma fazenda automatizada também demanda muita energia elétrica. Na propriedade visitada esta semana pelo Valor, foi instalada uma estação de energia movida a biogás para tornar a produção mais sustentável e autossuficiente. A eletricidade é gerada a partir do esterco produzido pelas vacas.
Os 70 quilos de esterco que cada animal produz por dia viram luz em den Eelder. Ainda fresca, a “matéria-prima” vai para câmara de biogás, onde se extrai todo o gás, e o que sobra vai para outra câmara que produz fertilizante. Somente esse sistema de produção de energia custou cerca de € 1 milhão.
Mesmo com tantos gastos, garante Ernst Van der Schans, é possível lucrar. “Não temos muita escolha: não dá para manter a nossa produção sem os robôs. Conseguir braços para o trabalho não é fácil. Meus custos são, em média, cerca de 20% menores por causa da automatização. Mas ainda não estamos tão eficientes e há espaço para melhorar”, disse.
Van der Schans não revela qual a receita anual da fazenda. “Não se consegue fazer muito dinheiro com leite aqui na Holanda, mas estamos bem. Temos um lucro de € 0,05 por litro”. Atualmente, um litro de leite na Holanda é vendido por € 0,37.
A fazenda precisa, diariamente, adquirir quase 16.000 litros de leite de terceiros para sustentar a produção de iogurtes, leite in natura e manteiga. “A nossa produção vai para todo o país e exportamos para outros mercados da Europa”, afirmou Van der Schans. Na propriedade também são produzidos derivados de leite de cabra, negócio de um dos irmãos do produtor. No total, há 35 pessoas trabalhando na fazenda den Eelder.
Fonte: Valor Econômico