Por Evaristo de Miranda*
É um mundo de mudanças constantes. Vamos para um mundo cheio de precisão, conectados com as necessidades dos consumidores.
Navegar é preciso, viver não é preciso. A frase não foi inventada por Caetano Veloso ou Fernando Pessoa. Ela foi pronunciada no século I a.c., pelo general romano Pompeu. Ele encorajava seus marinheiros receosos a enfrentar uma arriscada travessia marítima para levar alimentos para uma Roma sitiada: Navigare necesse, vivere non est necesse. A frase tomou outro sentido com as navegações portuguesas. Nos regimentos das naus lusitanas, ela evocava o início da navegação de precisão.
No caminho para as Índias, as naus ficavam quase três meses sem ver terra. Só água. E ainda assim sabiam para onde se dirigiam e onde estavam. Portugal foi a primeira nação a dominar a cosmografia, o uso da bússola, do sextante e do astrolábio. Navegação começou a ser sinônimo de precisão. Para os cosmógrafos das caravelas, navegar era preciso. Viver não.
Da navegação de precisão à agricultura de precisão foi-se um bom tempo. Hoje todos sabem o quanto o mundo digital e suas transformações fazem parte de vida, do cotidiano, da produção e dos negócios na agricultura. O campo digital e conectado é uma realidade complexa e dinâmica. São pelo menos dois universos muito relacionados: o conjunto de serviços de base digital que apoiam o processo produtivo, dentro e fora da porteira, e o mundo digital no processo de produção, no interior das fazendas.
Entre os instrumentos de apoio à agricultura, em bases digitais e conectivas, estão os satélites espaciais.
Os satélites meteorológicos revolucionaram o conhecimento do clima e a previsão do tempo. Essa evolução não para. A agrometeorologia de hoje depende de satélites meteorológicos que a cada 15 minutos enviam as mais diversas informações sobre nuvens, ventos, umidade atmosférica, chuvas, secas, queimadas e incêndios etc. Esses dados ajudam no plantio, nos tratamentos fitossanitários, na colheita, na secagem e no transporte. A rede de estações meteorológicas das fazendas está sendo conectada aos sistemas de previsão. A Embrapa Territorial, junto com a Associação Baiana dos Produtores de Algodão e a Climatempo, desenvolve um dos primeiros sistemas de agrometeorologia de precisão para todo o oeste da Bahia, com previsões para áreas de 3 km por 3 km.
Os satélites de monitoramento, em 30 anos, passaram de imagens com detalhes de 200 m para 30 cm. E de duas imagens por mês para várias imagens por dia. São dezenas de operadores privados explorando centenas de satélites. Eles permitem melhores zoneamentos agrícolas, mapeamentos de solos e recursos naturais, da infraestrutura, plantios e safras. Com eles realizou-se o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em cerca de 5 milhões de imóveis. A Embrapa Territorial tratou esses dados e revelou que os agricultores dedicam 218 milhões de hectares à preservação da vegetação nativa (25,6% do Brasil). E cultivam apenas 7,8% do território nacional.
Os agricultores sabem: para viver e sobreviver, cultivar é preciso. E com precisão!
Os satélites de posicionamento ou de GPS, como são mais conhecidos, apoiam o transporte de cargas e suprimentos para a produção agropecuária, a localização de veículos, o trabalho da aviação agrícola e são a base da agricultura de precisão e de parte da chamada agricultura 4.0.
Como aumentar a conectividade, a comunicação e a eletrificação em áreas rurais para levar esses e outros serviços, a baixo custo, a todos os produtores rurais?
Há duas décadas, a informática entrou nas fazendas pelos escritórios. Computadores pessoais passaram a ser base da gestão contábil, financeira e, chegaram à parte técnica e operacional. A computação está nas máquinas, no campo e nos estábulos.
O uso de drones e de geotecnologias abriu um novo campo no acompanhamento e na análise das lavouras. Eles são empregados cada vez mais para detectar pragas e doenças, falhas de plantio, excessos de irrigação, problemas nutricionais localizados, emergência de plantas daninhas, graças a softwares para análise das imagens captadas. E são empregados em pulverizações de agroquímicos, na liberação de agentes de controle biológico e no acompanhamento de grandes áreas florestais. Os modelos são cada vez mais robustos e autônomos em termos de operação.
As fazendas participam e acessam grande número de informações, disponibilizadas em redes (BigData). São bancos de dados que respondem a milhares de perguntas sobre produção animal, vegetal e o uso de tecnologias. É o começo da chamada Inteligência Artificial. Ela promete revolucionar as possibilidades da assistência técnica ao homem do campo e da difusão de novas tecnologias.
Graças à internet das coisas, ao fornecimento de dados pelos equipamentos utilizados em fazendas de regiões inteiras, conectados a grandes bancos de dados, novos aplicativos e dispositivos móveis permitem acompanhar pelo celular desde a agrometeorologia de precisão até a mosca dos estábulos, do comportamento alimentar de bovinos até o seu efetivo conforto térmico.
A junção de tecnologias digitais embarcadas em máquinas e equipamentos agrícolas com as de geoprocessamento e GPS trouxe uma progressiva automação e precisão na condução da agropecuária. É o tempo da agricultura de precisão, da pecuária de precisão e da meteorologia de precisão. Até as primeiras versões de máquinas autônomas, sem tratorista, são testadas, reduzindo custos e ampliando a produtividade do trabalho.
Como disse o papa João Paulo II, não estamos numa época de mudanças e sim numa mudança de época. Uma época de oportunidades e ameaças. Como alertou o CEO da Accenture, Pierre Nanterme: A transformação digital é a principal razão porque mais da metade das empresas da Fortune 500 desapareceram desde o ano 2000.
As mudanças tecnológicas trazem rupturas na agricultura. E parte será comandada, não pela tecnologia ou agricultores, mas pelos consumidores. E eles estão em todo o planeta, numa era de transparência radical com as redes sociais. O consumidor moderno é conectado, poderoso e impaciente. Guerras comerciais são e serão travadas. O agro brasileiro já as enfrenta e as enfrentará ainda mais. Às novas exigências de consumo, os produtores brasileiros, apoiados pela pesquisa agropecuária e pelas empresas de insumos e serviços, proverão novos padrões de produção como já fazem. Não apenas Roma, o mundo pede por alimentos. Como seus antepassados portugueses, os agricultores brasileiros sabem: para viver e sobreviver, cultivar é preciso. E com precisão!
*Evaristo de Miranda é pesquisador da Embrapa.
Fonte: Revista Agro DBO – setembro/2018