A condenação da americana Monsanto, que passou a ser controlada pela alemã Bayer, no caso de um jardineiro de San Francisco, esquentou as discussões em torno do uso de defensivos à base de glifosato, inclusive no Brasil. No país, os registros do produto, um dos agrotóxicos mais utilizados no mundo, estão ameaçados de suspensão, o que tem alimentado incertezas em relação ao plantio da próxima safra de soja (2018/19).
A Monsanto foi condenada nos Estados Unidos, em decisão passível de recurso, a pagar US$ 289 milhões em indenização a Dewayne Lee Johnson, que foi diagnosticado com linfoma não-Hodgkin e a Justiça considerou que a culpa foi da exposição a dois herbicidas à base de glifosato (Ranger Pro e Roundup).
A notícia assustou a cadeia produtiva americana e a brasileira, pelo risco de que a decisão de San Francisco abra precedentes para outras resoluções similares. Só nos EUA há cerca de 5.000 ações contra a Monsanto por supostos casos de câncer associado ao insumo.
Na Europa, os mercados também se assustaram. Na bolsa de Frankfurt, as ações da Bayer caíram ontem 10,51%, para a menor cotação desde dezembro de 2016. Na mínima do dia, a queda chegou a 12,9%. A Bayer, cuja divisão farmacêutica mantém pesquisas para o desenvolvimento de medicamentos contra o câncer, teve a aquisição da Monsanto, fechada por cerca de US$ 66 bilhões, concluída este ano de forma definitiva.
Em 1985, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA chegou a classificar o glifosato como um produto potencialmente cancerígeno, mas mudou essa classificação em 1991. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o glifosato é considerado “potencialmente” cancerígeno.
O glifosato é o herbicida mais usado no mundo. No Brasil, segundo maior mercado global para agrotóxicos, é o mais vendido, já que é considerado fundamental para o plantio de soja, carro-chefe do agronegócio nacional.
E por aqui também está sob fogo cerrado, já que no dia 3 a juíza substituta da 7ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, Luciana Raquel Tolentino de Moura, concedeu tutela antecipada para que a União suspendesse os registros do produto.
Se a decisão da juíza prevalecer, o herbicida será suspenso após o dia 3 de setembro, 30 dias depois da decisão. Segundo a decisão, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem até o dia 31 de dezembro para concluir procedimentos de reavaliação toxicológica para que o glifosato seja liberado. Caso a Anvisa não conclua a avaliação até o fim deste ano, estará sujeita à multa diária de R$ 10.000,00.
Preocupado com os efeitos da decisão da Justiça Federal do DF às vésperas do plantio da safra 2018/19 de soja no País, o Ministério da Agricultura confia em uma ação que a Advocacia-Geral da União (AGU) deverá mover nesta semana para tentar derrubar a liminar. E não há plano B.
“O que me preocupa é a suspensão do produto. Isso é muito dramático, porque causa insegurança jurídica no início do plantio (em setembro). Por isso confiamos na vitória da AGU”, disse o secretário de Defesa Agropecuária do ministério, Luís Eduardo Rangel.
A Pasta está finalizando uma nota técnica para que a AGU possa embasar a ação judicial, que vai argumentar que o glifosato é seguro e está muito difundido no mercado agrícola brasileiro para ser retirado de uma vez de circulação.
Produtores e associações afirmam que a produção da safra 2018/19 estará ameaçada se a proibição de fato ocorrer. “É um produto sem substituto hoje. Sem ele, acaba o plantio direto”, afirmou Mário Von Zuben, diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).
Após a colheita da soja, os agricultores, em muitos Estados, plantam a segunda safra de milho (safrinha) e, quando esse milho é colhido, o campo é forrado com braquiária ou outra pastagem para proteger o solo até a nova semeadura com soja. Depois o glifosato mata essa cobertura e possibilita o plantio direto da oleaginosa.
Sem a utilização do herbicida, o agricultor é obrigado a arrancar toda a cobertura do solo e fazer o preparo para o plantio. “Sem glifosato, tem de voltar para o plantio convencional, revirar todo o solo e isso abre espaço para erosões”, disse Von Zuben.
Uma fonte da área de defensivos, que preferiu não se identificar, pondera que “para todo problema há uma solução”. E alerta que, sem o glifosato, os custos vão subir. “Hoje temos um produto que resolve o plantio direto. Sem ele, precisaríamos de uma cesta com cerca de seis produtos”.
Mesmo uma solução mais cara, segundo essa fonte, não resolveria os problemas da temporada 2018/19, porque boa parte dos defensivos já foi comprada e os agricultores não teriam tempo hábil para se preparar para o novo cenário.
Em dezembro, a Comissão Europeia recebeu críticas por renovar a licença para o glifosato por mais cinco anos. Alemanha e França, por exemplo, já tomaram medidas para restringir e, posteriormente, eliminar o uso do herbicida.
Mesmo que não haja uma restrição oficial, a notícia da condenação da Monsanto pode limitar o uso do glifosato de maneira indireta. A Homebase, uma das maiores varejistas britânicas do segmento de casa e jardim, está reavaliando se vai ou não continuar a venda de herbicidas que contenham glifosato, segundo informações da agência Reuters.
Fonte: Valor Econômico