Alvo de forte cobrança dos países importadores de carnes brasileiras por mudanças “concretas” na área de defesa agropecuária, o Ministério da Agricultura corre contra o relógio para implementar uma série de medidas na área de fiscalização. A começar pela dos frigoríficos, “calcanhar de Aquiles” do sistema de inspeção animal do Brasil, na avaliação da atual gestão do ministério.
Concurso público e contratações emergenciais de 600 médicos veterinários, remoções internas de 60 fiscais, mapeamento de frigoríficos exportadores de carne de frango com mais problemas sanitários, autoembargos para as plantas com riscos sanitários maiores e uma Medida Provisória para a criação de um fundo abastecido por taxas de fiscalização e serviços de defesa agropecuária, com potencial de arrecadar R$ 1 bilhão por ano, estão no pacote de novidades. Nem todas, porém, deverão ser aceitas pelos fiscais.
Essas são as apostas do ministro Blairo Maggi para evitar uma enxurrada de fechamentos de mercados estrangeiros ao Brasil, incluindo União Europeia e China. “Da Operação Carne Fraca [deflagrada em 17 de março com foco em casos de corrupção de fiscais e funcionários de frigoríficos] para cá, a pressão sobre o Ministério da Agricultura ficou muito grande. Houve mais cobranças da União Europeia, por exemplo, e críticas ao modelo antigo, o que nos impeliu a adotar essas medidas”, disse o secretário de Defesa Agropecuária do ministério, Luís Eduardo Rangel, ao Valor.
“Temos hoje uma oportunidade política de apresentar essas mudanças, mas precisamos correr”, acrescentou. De acordo com Rangel, todas essas medidas já estavam no radar de sua secretaria (SDA) há mais de um ano e constavam do rascunho de intenções do Plano de Defesa Agropecuária, desenhado na gestão da ex-ministra Kátia Abreu.
Mas “a temperatura já chegou a um nível inaceitável”, reconheceu Rangel, em referência à pressão sobretudo de europeus e americanos, que são enfáticos em dizer em seus relatórios de auditoria que o sistema de defesa da agricultura brasileira precisa funcionar, que a gestão sobre os fiscais é muito fragmentada e descentralizada e que a falta de fiscais é crônica.
É nesse sentido que vem a primeira das mudanças. Uma portaria e um decreto, previstos para sair no início da próxima semana, deverão instituir no país o sistema de “comando e controle” para a área de inspeção animal. Na prática, o sistema centraliza em Brasília todas as ordens de serviço de fiscalização federal para frigoríficos e outras fábricas de alimentos de origem animal. Com isso, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) passará a ter controle sobre os fiscais que atuam nos frigoríficos. Hoje, esse papel é das superintendências estaduais do ministério, principais alvos da Operação Carne Fraca.
Para responder aos questionamentos dos europeus, que deverão fazer uma nova auditoria no Brasil em novembro, além da contratação emergencial de 300 veterinários temporários, a Pasta vem fazendo concursos internos de remoção interna pra realocar 60 fiscais de outras áreas de atuação para frigoríficos (360 é o déficit atual de fiscais pra auxiliar na fiscalização dos 720 frigoríficos mais críticos). Rangel admite, porém, que a adesão a esse plano está baixa.
“Apoiamos a tentativa de acabar com as ingerências políticas, mas não aceitamos temporários, isso é terceirização. O ministério deveria contratar as pessoas que passaram no último concurso, mas não foram chamadas”, afirmou Maurício Porto, presidente do Anffa, sindicato dos auditores fiscais agropecuários.
Em outra frente, o ministério contratou o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), que vem fazendo uma consultoria que resultará no texto-base da MP sobre a reformulação da defesa agropecuária federal, por meio da qual a SDA seria equiparada a uma agência reguladora, nos moldes da Receita Federal, com autonomia financeira e de gestão. Aqui entra o fundo de defesa, alimentado por taxas cobradas de empresas. A inspiração são as taxas cobradas pela Aneel, agência do setor de energia elétrica. A MP também poderá criar um “adicional de produtividade” para os fiscais, para suprir a falta de regulamentação de horas-extras da categoria, que teria motivado pagamentos rotineiros de propinas por parte da JBS, como consta em delação de executivos da companhia.
“Não pode ser só a iniciativa privada a única a contribuir para o fundo, mas está claro que temos que melhorar a fiscalização no Brasil”, disse Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Fonte: Valor