O Brasil deve colher mais da metade do consumo doméstico de trigo, apesar da quebra da safra do cereal, ocasionada pela redução da área plantada, impactada pelo desestímulo do produtor rural diante dos baixos preços desse grão.
“O abastecimento brasileiro de trigo está garantido”, afirma Christian Saigh, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo (Sindustrigo).
Ele ainda garante que a atual produção média do produto no país está alinhada com a dos últimos anos. “Já a Argentina, maior fornecedor brasileiro, colheu uma safra muito elevada, de 15 milhões de toneladas de trigo. E a próxima (2017/18) está estimada em torno de 18 milhões de toneladas. Isso significa que não teremos desabastecimento.”
Agora, o ponto de interrogação, conforme Saigh, está relacionado à moagem brasileira: “Estamos em julho e a safra começa a ser colhida em setembro, quando inicia a moagem. O trigo nacional é misturado com o importado e a indústria tem de dar conta de moer tudo até dezembro, quando começa a colheita da nova safra argentina”.
Na visão do executivo, “resta saber se a produção disponível da Argentina consegue nos abastecer até a nova safra do país”. “Se isso não acontecer, provavelmente, teremos de trazer trigo dos Estados Unidos, que é bem mais caro. Mas em termos de abastecimento, não há problema. É só uma questão de custo.”
DEMANDA INTERNA
De acordo com o presidente do Sindustrigo, o grande gargalo para a indústria moageira do Brasil envolve a demanda interna: “O consumo doméstico de produtos derivados de farinha de trigo caiu, em relação ao primeiro quadrimestre de 2016, por conta dos 14 milhões de desempregados, da situação econômica brasileira e por causa da conjuntura em geral do país”.
“A margem da indústria está muito comprimida e isso nos preocupa, porque o cenário de desemprego deve persistir e o consumo, neste ano, pode ficar abaixo em comparação ao do ano passado.”
O economista Alexandre Mendonça de Barros, sócio da MB Agro, destaca que o mercado tem sido abastecido, há vários anos, por safras muito boas. “Com uma mudança do eixo do trigo para a Ásia e a volta da Argentina, em 2017, como grande fornecedora e concorrente do trigo nacional, o mercado de oferta abundante pressiona o trigo brasileiro, pois o preço externo fica mais atrativo”, diz o especialista.
APATIA NO MERCADO
Para Edson Csipai, executivo da área de Negócio do Trigo da Bunge (empresa global e integrada de agronegócio, alimentos e bioenergia), há uma apatia no mercado desse grão: “Para ter uma ideia, a volatilidade nos preços do cereal está na faixa de 10%, ante 38% nos últimos dez anos”.
Segundo ele, os últimos cinco anos foram de “muito conforto” para os compradores de trigo, em relação aos preços, porque a oferta foi maior que a demanda, mas alerta que, em 2017, esse cenário tende a mudar.
A última crise do setor foi em 2012, por causa da seca na Rússia, quando a tonelada de trigo atingiu 380 reais, ante 210 dólares em junho deste ano. “Começamos a safra 2017/18 com a expectativa de que seja a segunda maior da história mundial”, acredita Csipai.
O executivo da Bunge informa que, na temporada passada, o Brasil colheu 6,6 milhões de toneladas de trigo, mas com a queda de 8% na área plantada, a previsão para o ciclo 2017/18 é de 6,2 milhões de toneladas.
“Isso significa que o Brasil demandará em torno de 4,5 milhões de toneladas de trigo da Argentina, para suprir o consumo doméstico”, calcula.
SAFRA MENOR NOS EUA
A revisão da safra de trigo norte-americana, anunciada no dia primeiro de julho, pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), previu a menor área plantada de trigo naquele o país, desde 1919, quando começaram os registros do cereal.
Pela perspectiva do USDA, serão 18,49 milhões de hectares em 2017, resultando em queda de 8,87% da área cultivada no ano passado. Por conta deste relatório do Departamento de Agricultura dos EUA, as cotações do cereal na Bolsa de Chicago subiram 36 pontos, o equivalente a 6, 97%.
“A revisão da safra de trigo norte-americana abre a janela de exportação, sem subsídio”, diz Luiz Carlos Pacheco, analista sênior da Consultoria Trigo & Farinhas.
Por esse motivo, ele ressalta que a Argentina já está vendendo, antecipadamente, o trigo da safra 2018/19: “As fortes altas dos últimos dias, em Chicago, elevaram os preços de exportação do trigo em grão para 720 reais por tonelada, no interior do Rio Grande do Sul, ante os 680 reais por tonelada, oferecidos pelos moinhos no início de julho”, compara.
O consultor, no entanto, afirma que o mercado gaúcho está retraído, porque os vendedores querem preços maiores e os compradores estão reduzindo a moagem. “A saída é o mercado externo”, sentencia Pacheco.
PREÇOS EM ALTA
A cotação de trigo subiu no mercado de balcão (valor pago ao produtor) em junho passado, pressionado pelas incertezas em relação ao volume a ser colhido na nova safra.
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), motivados pelos baixos preços do cereal, no período de decisão de cultivo, os produtores reduziram bastante a área destinada à cultura. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o preço do cereal subiu 6,3%; no Paraná, 5,3%; e em Santa Catarina, 2,1%.
Já o mercado de lotes aumentou 8% em RS, 4,6% em SC e 4,5% em PR. De acordo com o Cepea, há pouco volume de trigo disponível para negociação, na entressafra, e poucos lotes da nova temporada foram vendidos antecipadamente.
Por equipe SNA/SP