As agroindústrias do setor de carnes do Brasil terão de correr atrás do prejuízo, após o escândalo da Operação Carne Fraca, deflagrada no dia 17 de março pela Polícia Federal. Representantes deste segmento, incluindo a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), deram apoio às investigações em torno de supostas ações fraudulentas envolvendo servidores públicos (fiscais do governo federal) e funcionários de frigoríficos. Mas todas discordaram da forma “desastrosa” como isso veio a público. Resultado: o mercado já amarga perdas aqui e lá fora.
Segundo José Antônio Ribas Júnior, presidente da Associação Catarinense de Avicultura (Acav) e diretor do Sindicato das Indústrias da Carne e Derivados de Santa Catarina (Sindicarne-SC), os danos financeiros já são enormes e podem ser irreversíveis. “Até o final deste ano, os prejuízos devem chegar a um bilhão de dólares na esfera nacional”, prevê.
Conforme o executivo, essa cifra está relacionada à queda nas receitas totais das empresas agroindustriais com os mercados brasileiro e mundial. “O mercado doméstico é prioridade das indústrias, pois absorve 80% da produção de todas as nossas carnes. Do dia 17 até esta semana (28 de março), os prejuízos parciais já são avaliados em 200 milhões de dólares em âmbito nacional”, contabiliza Ribas Júnior.
Ele ainda destaca que a queda nas vendas externas, que beirou os 99% nos primeiros dias após a Operação Carne Fraca, recuou para 19% nesta semana: “Agora, deve entrar em marcha lenta de recuperação até dezembro. Mesmo assim, por causa do volume, as perdas no ano atingirão uma cifra bilionária”.
Das 21 plantas brasileiras indiciadas pela Polícia Federal, apenas seis estavam vendendo ao mercado externo.
PAÍSES DÃO ‘VOTO DE CONFIANÇA’
Chile, China, Egito, Estados Unidos e Hong Kong, entre outros países de menor porte, resolveram dar um “voto de confiança”, diante dos esclarecimentos feitos pelo Ministério da Agricultura, e suspender o embargo às carnes do Brasil, após a operação da PF. “Mas uma coisa é um país suspender o embargo, outra é voltar a comprar”, pondera Ribas Júnior.
Para ele, “os mercados de carnes não serão retomados automaticamente e exigirão muitos esforços das empresas e do governo federal”. “Os embarques não realizados e os preços impactados de forma negativa – já que muitos países importadores barganham reduções de valores em decorrência do desgaste que esse episódio causou – determinarão a queda das receitas. Por isso, teremos uma fase de ajustes no setor produtivo e, possivelmente, muitas indústrias reduzirão o ritmo de produção e algumas até darão férias coletivas.”
Maior indústria do setor de carnes, com o abate de aproximadamente 30 mil cabeças de bovinos por dia, a JBS, que teve seu nome envolvido na operação da PF, havia reduzido o ritmo entre 25% e 30%, conforme notícia publicada pelo Valor Econômico, no dia 23 de março.
Na segunda-feira (27), a JBS, que havia suspendido suas atividades em 33 unidades espalhadas por todo o país, anunciou ter voltado a produzir carne bovina no Brasil. Em nota enviada pela assessoria de imprensa do frigorífico, as atividades foram retomadas e todos os empregados estão trabalhando, mas a produção da carne foi reduzida para 35% da capacidade.
A JBS informou ainda que está “avaliando a retomada de sua capacidade produtiva, após o fim do bloqueio das importações por parte de China, Chile e Egito, mas continua aguardando a definição de importantes mercados importadores como União Europeia e Hong Kong”.
No caso de Hong Kong, o fim do embargo foi anunciado nesta terça-feira (28) e representantes da UE devem se reunir na quinta (29), com o ministro Blairo Maggi. Após a Operação Carne Fraca, o bloco europeu aceitou a sugestão do Brasil de suspender apenas a entrada de carnes de frigoríficos que estão sendo auditados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Agora, Maggi dará todos os esclarecimentos necessários para que o comércio com a UE, entre outras nações, volte à normalidade.
Na opinião do diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) Marcio Sette Fortes, “as perdas, evidentemente, foram inevitáveis, mas os mercados, aparentemente, se fecharam de modo temporário e, não, definitivo”.
“Melhor assim, uma vez que demora-se anos para abrir mercados e apenas segundos para perdê-los em definitivo. Ainda assim, os prejuízos se fizeram notar e atingiram até a ponta produtora da cadeia das proteínas animais: o pecuarista.”
FORÇA-TAREFA DO MAPA
O esforço do governo para “apagar o incêndio” causado pela Operação Carne Fraca começou logo após o escândalo envolvendo alguns frigoríficos brasileiros. A partir daí, várias reuniões com representantes internacionais do setor de carnes foram realizadas pelo ministro.
Até o momento, ele afasta a possibilidade de riscos ao consumo humano, ao anunciar o balanço da força-tarefa realizada pelo Mapa, nos últimos dez dias. De acordo com o órgão federal, irregularidades encontradas em 12 laudos concluídos revelam, sim, fraudes econômicas, como quantidade de água acima do permitido no frango e amido, também fora do padrão, em salsicha.
“Das amostras analisadas, não há nenhuma anormalidade que possa fazer mal à saúde humana”, garante Maggi, em nota à imprensa.
Conforme o Ministério da Agricultura, a força-tarefa contou com o trabalho de uma equipe de 250 servidores, entre eles auditores fiscais, agentes de inspeção e de atividades agropecuárias, nos 21 estabelecimentos citados na operação. “Todas tiveram investigação extra”, afirma o ministro.
Cada equipe verificou registros de controle de fabricação, de matéria-prima e interrogou funcionários, além de avaliar as condições de higiene. Uma das empresas que produz ração animal, por exemplo, estava usando subprodutos com data de validade vencida. “Então, interditamos”, informa Maggi.
INTERDIÇÕES
Ainda segundo o Mapa, no mesmo dia da Operação Carne Fraca (17 de março), por precaução, foram interditados três estabelecimentos: um da BRF, em Mineiros (GO); e outros dois da Peccin Agro Industrial, em Curitiba (PR) e em Jaraguá do Sul (SC). Os laudos prontos se referem a essas três plantas frigoríficas.
Depois, entre os citados nas investigações, mais três sofreram interdição preventiva (seis, portanto, no total), por falhas no controle de fabricação: Souza Ramos, em Colombo (PR); Laticínios SSPMA, em Sapopema (PR); e Farinha de Carnes Castro, em Castro (PR).
A coleta, de acordo com o Ministério da Agricultura, “foi além do local de produção dos estabelecimentos auditados, se estendendo ao varejo, onde foram retiradas 174 amostras de produtos fabricados pelas empresas em 22 Estados da Federação”. Os resultados finais serão conhecidos em até duas semanas.
CONFIANÇA DO CONSUMIDOR
Embora o escândalo tenha abalado os negócios externos das exportadoras de carnes, a principal preocupação, conforme destacou o ministro Blairo Maggi, em entrevista à imprensa, é reconquistar a confiança do consumidor brasileiro, além do mercado externo, claro, que já tem recebido todas as informações solicitadas.
Lembrou também que as empresas investigadas pela Polícia Federal não têm recebido certificado de exportação, o que daria mais garantia aos compradores de fora.
“Nossa imagem foi muito atacada e a gente não pode esquecer que concorrentes querem que mercados sejam abertos para eles”, observou Maggi, na entrevista concedida em Brasília.
Diretor da SNA, Marcio Sette Fortes salienta que, no setor de proteínas animais, dois temas emergem como os principais parâmetros de interesse: a segurança alimentar e a saúde humana. “Portanto, o sucesso nas relações comerciais internacionais assenta-se nas relações baseadas na confiança e na credibilidade”.
Em sua opinião, a confiança é reflexo do histórico positivo das exportações brasileiras: “A credibilidade, por seu turno, ganha importância com o respeito aos compromissos internacionais de notificação compulsória junto à atual Organização Internacional de Saúde Animal, antiga Organização Internacional de Epizootias”.
Segundo ele, convém ainda lembrar que os parâmetros que regem a inspeção das carnes a serem exportadas são extremamente rigorosos e, por vezes, auditados in loco, por autoridades sanitárias dos países importadores.
“As proteínas animais brasileiras são de excelente qualidade e deverão continuar a ser consumidas pelos atuais importadores. O exportador brasileiro é um herói, que supera diariamente as adversidades internas do Custo Brasil. A ele interessa mais e, não, menos mercados”, comenta Fortes.
CARNE BOVINA
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), as vendas externas de carne bovina do país sofreram uma queda acima de 40%, no que diz respeito às receitas e volumes, na semana de 20 a 26 de março, em relação ao período anterior.
Esse desempenho mostra que a Operação Carne Fraca trouxe, sim, sérias consequências para as exportações. Apesar disso, a instituição, em nota à imprensa, mostra-se otimista quanto ao fechamento do ano.
“As previsões de embarques no ano estão mantidas, com a maioria dos grandes importadores suspendendo as proibições”, afirma o presidente da Abiec, Antonio Camardelli, em nota à imprensa.
CARNE DE FRANGO E SUÍNA
Até agora, aparentemente (até porque ainda não há dados oficiais), o setor mais afetado pela operação da Polícia Federal seria o de carne bovina. Isso porque os embarques de carne de frango in natura cresceram na quarta semana de março (de 19 a 25, cinco dias úteis), com a exportação de 15.631 toneladas ao dia, um desempenho 2,86% superior em comparação à semana anterior (terceira do mês). Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Apesar disso, exportadores de carne de frango consultados pelo Avisite, site especialista em avicultura, alertam que esses dados da Secex/MDIC são fechados com antecedência e que por isso não refletem, na prática, o que ocorreu na semana que passou, depois do escândalo da Operação Carne Fraca.
Ainda dizem que resultados inferiores podem ser aguardados para a semana final do mês. Também acreditam que vai demorar algum tempo até que os pedidos voltem ao padrão anterior, conforme publicação do Avisite.
Para o ex-ministro Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e membro da Academia Nacional de Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), “o restabelecimento dos embarques deve aliviar a pressão na estrutura logística do setor de carnes, reduzindo também as chances de oferta excessiva de produtos no mercado interno”.
Ele ainda acredita que pode haver uma queda nos prejuízos registrados até aqui, com custos logísticos e vendas não efetivadas pelo segmento de carnes, de modo geral. Destaca também que Hong Kong, por exemplo, que anunciou a suspensão do embargo ao produto brasileiro, é o segundo maior importador de carne suína do Brasil e o sexto entre os maiores importadores de carne de frango.
“Em 2016, foi destino de 22,7% dos embarques de carne suína do país, com um total de 164,2 mil toneladas. De carne de frango, as exportações para lá somaram 248,6 mil toneladas, aproximadamente 6% das exportações totais do segmento”, informa Turra, em nota oficial à imprensa.
“Pela importância estratégica que tem para os exportadores de todas as proteínas, a liberação das exportações para Hong Kong traz alívio para o setor. Apesar de ainda perdurarem suspensões em determinados mercados, nesta semana devemos ter um fluxo de exportação mais próximo do que já obtivemos neste ano. Até fevereiro, acumulamos crescimento de 8,9% no total de toneladas embarcadas de carne de frango pelo Brasil, e de 36,5% em suínos”, destaca o presidente da ABPA.
ATESTADOS DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
Após tomar conhecimento, por parte de empresários das agroindústrias de carnes, de que alguns importadores estão exigindo uma garantia extra de qualidade do produto brasileiro, o ministro Blairo Maggi decidiu que o Mapa fornecerá ofícios, aos frigoríficos não citados nas investigações da Polícia Federal, atestando que eles não têm qualquer relação com a Operação Carne Fraca.
O compromisso de emitir esses documentos, que poderão ser encaminhados aos importadores, foi assumido pelo ministro nesta segunda-feira (27), durante uma reunião do Conselho de Agroindústria (Coagro) da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília. No encontro, empresários relataram suas dificuldades para exportar carnes e derivados. Para receber os ofícios, a solicitação deve vir das próprias empresas.
Por equipe SNA/RJ com informações da ABPA, Abiec, Avisite, Mapa, Valor Econômico e Secex/MDIC