Aumenta confronto entre Brasil e EUA na OMC sobre temas agrícolas

Os Estados Unidos e o Brasil, primeiro e segundo maiores exportadores mundiais de produtos agrícolas, confrontam-se na Organização Mundial do Comércio (OMC) com questionamentos recíprocos sobre supostos subsídios proibidos à exportação, em meio uma intensa corrida por participações maiores do mercado mundial.

O Valor apurou que os EUA ampliaram a pressão sobre o Brasil em relação à ajuda aos produtores do trigo, ao mesmo tempo em que tentam arrancar alguma vantagem para exportar seu cereal ao mercado brasileiro. De seu lado, o Brasil questiona o montante de subvenções que os EUA concedem para commodities como algodão, soja e milho.

Nas próximas segunda e terça-feira, em reunião periódica do Comitê de Agricultura da OMC, os dois gigantes do comércio mundial de alimentos vão ter de responder a questionamentos submetidos com antecedência, e depois decidir os passos seguintes.

Há anos os EUA questionam o Brasil por causa do Prêmio para Escoamento do Produto (Pep) e do Prêmio de Equalização pago ao Produtor (Pepro), duas ferramentas utilizadas pelo governo para apoiar o escoamento da produção de trigo. Agora, contudo, Washington busca arregimentar aliados para aumentar a pressão, segundo fontes a par das articulações.

 

 

“Os EUA, com vários outros membros, expressaram preocupações em encontros anteriores (na OMC) sobre os potenciais efeitos de distorções causados pelo Pep e pelo Pepro no comércio”, diz um documento americano. Apesar de ser um dos maiores importadores de trigo do mundo, o Brasil exporta esporadicamente volumes significativos. Normalmente, isso acontece quando o cereal colhido é de má qualidade, destinado à ração.

No Pep, a subvenção é concedida às indústrias que adquirirem o trigo pelo preço mínimo fixado pelo governo federal. No Pepro, o subsídio é pago ao produtor rural ou sua cooperativa, desde que comprovada a venda e o escoamento do produto.

Washington reclama que o governo brasileiro nunca deu explicações na OMC sob a alegação de que o Pep tinha sido suspenso para reavaliação, a fim de evitar irregularidades. Só que os americanos dizem ter constatado que os dois programas foram reativados no fim de 2016, com um prêmio máximo de R$ 0,208 por quilo de trigo, equivalente a quase um terço do valor do mercado do produto.

Os EUA suspeitam que os dois programas estão “de novo facilitando a exportação de montante significativo de trigo” pelo Brasil, o que violaria as regras da OMC. Além disso, Washington utiliza informações publicadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), que indicariam que produtores brasileiros de milho também se beneficiaram dos dois programas de forma intermitente desde 2010 – sobretudo em 2016 – e nos primeiros meses de 2017. Com menos veemência, os EUA questionam também a política de preço mínimo de feijão e milho.

Nesse contexto, os EUA querem que o Brasil agora responda na OMC como corrigiu irregularidades no Pep e no Pepro, e quais os montantes destinados para ajudar as exportações. Pedem até para que o Brasil apresente a fatura e o destino dos embarques. Canadá, União Europeia e Austrália também questionaram o Brasil no passado sobre os dois programas. A resposta do Brasil, que deve ser repetida, é que o Pep é um programa de apoio doméstico não vinculado a desempenho exportador. Ou seja, não obriga o produtor a exportar para receber o subsídio.

Porém, o governo Donald Trump vai além. Pediu uma reunião bilateral com o Brasil na próxima semana na OMC, a fim de cobrar mais uma vez, e de forma clara, maior acesso do trigo americano ao mercado brasileiro. Essa discussão foi reativada recentemente pelos americanos. Na Rodada Uruguai, o Brasil estabeleceu uma tarifa de importação de trigo de 55%, mas assumiu o compromisso de abrir uma cota de 750 mil toneladas com alíquota menor. Ocorre que a Argentina sempre dominou o mercado brasileiro, já que faz parte do Mercosul e não paga tarifa.

Nos últimos anos, quando os argentinos tiveram dificuldades para exportar, os Estados Unidos venderam até três milhões de toneladas do cereal para o Brasil, boa parte sem tarifa. Pegaram gosto, e passaram a voltar a cobrar a criação da cota. Em dezembro de 2016, ainda no governo Obama, os EUA receberam do Brasil a mensagem de que não haveria cota. Mas Brasília ofereceu uma compensação: uma redução de tarifa de 55% para 37,9% – afinal, se tratava de uma discussão envolvendo uma alíquota consolidada nos acordos da OMC. Essa redução de tarifa seria equivalente à cota, em função da média das importações.

Os EUA, sem surpresa, não gostaram, até porque qualquer alíquota acima de 10% tira a competitividade de seu cereal. Na reunião bilateral, a expectativa é que os EUA pressionem por uma decisão mais rápida e mais compatível com os interesses do “America First” de Trump. De toda maneira, quem decide a tarifa que realmente será imposta pelo Brasil é a Câmara de Comércio Exterior (Camex).

Do seu canto, o Brasil mira os problemas que constatou nas notificações feitas por Washington sobre os subsídios concedidos em 2014, no primeiro ano da nova “Farm Bill”, a lei agrícola americana. Uma das surpresas é que as subvenções para a agricultura em geral, que não incluem subsídios específicos destinados a cada produto, pularam de US$ 200 milhões para US$ 4.5 bilhões em um ano. Ao mesmo tempo, o subsídio específico para os produtores de soja diminuiu 90% entre 2013 e 2014, para US$ 145 milhões, algo que deixa os negociadores com muitas suspeitas.

O Brasil questiona, também, o aumento de mais de 65% do subsídio para os produtores americanos de algodão, que atingiram US$ 956.4 milhões, ou 15% do valor da produção da commodity nos EUA. Já o programa americano de ajuda aos preços do açúcar atingiu US$ 1.5 bilhão. Para a produção de milho, os americanos forneceram US$ 2.26 bilhões. E para o trigo, US$ 923 milhões. “Vai ser uma briga sobre quem distorce mais o comércio agrícola mundial. Se o Brasil, com o Pep por volta de US$ 440 milhões por ano, ou os EUA com ajuda ao trigo em quase US$ 1 bilhão”, disse um observador em Genebra.

 

Fonte: Valor Econômico

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