Espécies de cogumelos capazes de crescer à base de um substrato de tortas de pinhão-manso e de algodão, eliminando ou diminuindo os resíduos agrícolas tóxicos destes materiais que, geralmente, dificultam a ingestão por animais. Estes são os principais resultados de uma pesquisa inovadora realizada pela Embrapa Agroenergia (DF), que continua em andamento.
Intitulado “Destoxificação de tortas/farelos da cadeia do biodiesel através de compostagem associada ao cultivo de cogumelos”, o projeto recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Conforme a unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, no caso da produção de torta com pinhão-manso, foram testadas 60 espécies de cogumelos: quatro se mostraram produtivas e capazes de diminuir um conteúdo tóxico (éster de forbol) em 99%. Para a torta de caroço do algodão, foram avaliadas 34 espécies, sendo que 11 apresentaram as características esperadas pelos cientistas envolvidos no projeto.
Esta substância tóxica, presente na maioria das variedades do pinhão-manso, é bem potente. Por causa disso, sua aplicação na ração animal não é indicada, mesmo em quantidades mínimas, antes que se faça um processo de destoxificação. Tais variedades ainda são pouco produtivas e mais suscetíveis às doenças, impondo a necessidade de investir em estratégias para reduzir drasticamente sua toxidez.
BIOCOMBUSTÍVEL
O óleo do caroço do algodão já faz parte de quase 2% das matérias-primas usadas na produção de biodiesel. O pinhão-manso, por sua vez, ainda é uma espécie a ser “domesticada”, mas tem muito potencial para integrar, no futuro, as cadeias produtivas dos biocombustíveis, por contar com elevada produtividade de óleo vegetal, destaca a Embrapa Agroenergia.
Pesquisador desta unidade da estatal, Félix Siqueira relata que os cogumelos (macrofungos) promovem uma biotransformação dos compostos tóxicos, convertendo-os em outras moléculas.
“O cultivo de cogumelos nas tortas de pinhão-manso e algodão, além de resolver um problema, pode ampliar a integração entre as cadeias produtivas de biocombustíveis e de alimentos”, reforça o cientista.
ETAPAS DA PESQUISA
A pesquisa com cogumelos foi dividida em fases: a primeira envolveu a procura por plantas do gênero que conseguissem crescer nas tortas de pinhão-manso e de algodão, diminuindo ou anulando sua toxidez; na segunda, foram feitos ensaios toxicológicos com a torta de pinhão-manso.
Um dos desafios dos pesquisadores, na primeira etapa, foi encontrar aplicações com maior valor agregado para as tortas – nome dado ao resíduo sólido que sobra após a extração do óleo. Vale ressaltar que, ricos em proteína, a aplicação mais comum destes preparos com oleaginosas é destinada à produção de ração animal, a exemplo do farelo de soja.
Na segunda etapa da pesquisa, que contou com a parceria de cientistas de universidades, foram realizados os primeiros testes com crustáceos muito pequenos, da espécie Artemia salina, segundo informações da pesquisadora Simone Mendonça, também da Embrapa Agroenergia e líder deste estudo.
“O material em avaliação foi diluído em diferentes concentrações e aplicado na água onde estavam os microcrustáceos. Após certo período de exposição às soluções, foi verificado se houve mortalidade. Uma vez que não se observou efeito sobre os microcrustáceos, prosseguimos para a próxima etapa: os ensaios com ratos”, relata Simone.
MAIS TESTES
Nos testes com ratos, os pesquisadores ofereceram aos roedores a torta de pinhão-manso misturada à ração comercial, em proporções de 20, 40 e 60%, por 28 dias. Neste período, foi analisado o consumo do alimento e da água, além do peso destes animais, sempre comparando a outro grupo, que recebeu somente a ração comercial.
A partir daí, coube aos cientistas avaliar e comparar o valor nutricional da torta de pinhão-manso e se o material ainda continha algum grau de toxidez prejudicial aos ratos. Ao final dos 28 dias, foram examinados os órgãos e analisado o sangue dos roedores. Resultado: não foi encontrado qualquer traço de patologias ou substâncias tóxicas, fora que o ganho de peso não foi prejudicado.
CAROÇO DE ALGODÃO
O caroço de algodão, que apresenta o conteúdo tóxico gossipol, também tem sido usado na ração animal, mas apenas de ruminantes (bovinos, caprinos, etc.) e, mesmo assim, em concentrações limitadas. Por causa disto, ainda não é possível atender ao mercado de animais monogástricos, como aves, peixes e suínos, alertam os cientistas.
No caso do caroço de algodão, as experiências de toxicidade da torta pós-cultivo dos cogumelos foram feitas, até o momento, apenas por meio de análises químicas. Para essa fase, foi necessária a adaptação de protocolos existentes para análise deste material. Por ser um teste não muito sensível, inicialmente poderiam ocorrer falhas na detecção de mínimas concentrações de gossipol.
Para sanar a deficiência das análises exclusivamente químicas, os pesquisadores envolvidos com o projeto aplicaram a cromatrografia líquida de alta performance, variando reagentes, temperatura e outros parâmetros. A partir daí, eles conseguiram chegar a um protocolo que consegue detectar quantidades mínimas deste conteúdo tóxico, típico do caroço de algodão.
PRÓXIMA ETAPA
Após a realização das primeiras fases da pesquisa “Destoxificação de tortas/farelos da cadeia do biodiesel através de compostagem associada ao cultivo de cogumelos”, coordenado pela Embrapa Agroenergia, serão feitos testes para comprovar a segurança do uso do farelo de algodão destoxificado para alimentação de animais não ruminantes. As duas tortas ainda serão avaliadas para a nutrição de aves e suínos.
Ao mesmo tempo, os pesquisadores devem começar a trabalhar no escalonamento da produção destas tortas, por meio do uso de cogumelos. E o principal desafio, de acordo com o pesquisador da unidade Félix Siqueira, será desenvolver um sistema simplificado de pré-tratamento da torta, que seja de baixo custo e fácil aplicação.
“Fazer este pré-tratamento é importante para reduzir a quantidade de microrganismos presentes no material, que possam concorrer com os cogumelos pelos nutrientes da torta.” (Com informações da Embrapa Agroenergia)
CURSO DE CULTIVO DE COGUMELOS NA EWB/SNA
Mantida pela Sociedade Nacional de Agricultura, a Escola Wencesláo Bello (EWB), que em maio de 2017 completará 80 anos de atuação, oferece 53 cursos de extensão livres em práticas agropecuárias – dentre eles, o de “Cultivo de Cogumelos” –, no campus educacional e ambiental da SNA, que funciona no bairro da Penha, Rio de Janeiro.
Ao produtor rural, a atividade fornece condições para investir, em curto prazo, no cultivo de cogumelos comestíveis viabilizando o próprio negócio. Ao todo são quatro módulos que tratam de clima, água e eucalipto; inoculação e hidratação; câmara única, incubação e choque térmico; frutificação, repouso, revitalização, reciclagem e comercialização.
A carga horária do curso é de 16 horas, das 8 às 17 horas, aos sábados. O início das aulas depende do número de alunos. Para mais informações, acesse www.sna.agr.br/extensao.
DESTAQUE DA REVISTA A LAVOURA
Você sabia que, além de rico em sais minerais, vitaminas, carboidrato e gordura insaturada, o cogumelo contém 21 aminoácidos essenciais para o corpo, e ainda apresenta um número de proteínas duas vezes maior do que o encontrado na carne bovina?
Para saber mais, acesse a seção Alimentação e Nutrição, que traz a reportagem “Cogumelo, mais proteína do que a carne bovina”, da revista A Lavoura, mais antiga publicação do setor agropecuário do país, veiculada bimestralmente pela SNA: sna.agr.br/?p=27362.
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Por equipe SNA/RJ