Quanto a China vai desacelerar?

O desempenho da economia da China nas últimas décadas foi extraordinário. Apesar de possuir instituições muito diferentes das observadas nas economias avançadas, sem dúvida resultantes de seu sistema comunista, a China conseguiu conquistar um crescimento anual médio do PIB per capita de 1980 a 2015. O fator fundamental para isso foi sua estratégia específica de “cruzar o rio sentindo as pedras”, através da qual o país testou, implementou e ajustou gradualmente as reformas e políticas de expansão do crescimento.

Mas embora o desenvolvimento econômico da China tenha sido excepcional sob vários aspectos, o desempenho de seu crescimento não é específico. Japão e Coreia do Sul também transformaram suas economias por meio da industrialização acelerada e de políticas voltadas para a exportação, respaldadas por fortes investimentos, antes de passar por desacelerações. Se a China quiser enfrentar seus atuais desafios deve se orientar pela experiência desses países.

Essas três nações seguiram o mesmo caminho, em períodos diferentes. Com base no PIB per capita, a China está mais de 40 anos atrás do Japão e 20 anos atrás da Coreia do Sul. O crescimento anual do PIB per capita do Japão foi, em média, de 8,6% na década de 1960, antes de despencar para 3% a 4% nas décadas de 1970 e 1980. O crescimento do PIB da Coreia do Sul recuou de 7% a 8% nas décadas de 1970 e 1980 para 4% nos anos 2000. O período de crescimento de dois dígitos da China, que se estendeu por três décadas, chegou ao fim em 2010, e a taxa anual do país hoje é inferior a 7%. Em cada um dos casos, a queda do crescimento ocorreu quando a renda per capita alcançou US$ 8.000,00.

A trajetória de crescimento desses três países pode ser explicada pelo fenômeno da “convergência” – a tendência dos países pobres de crescer mais rapidamente que os países ricos, uma vez contemplados determinados fatores estruturais e de política pública. A lógica econômica desse processo “de equiparação” é cristalina: nos países com níveis mais baixos de produção per capita, há um fosso maior entre o estoque de capital atual e potencial e a tecnologia.

Esse fosso pode ser contornado rapidamente por meio da adoção e da imitação das tecnologias já existentes, o que melhora a produtividade, e por meio de altas taxas de acumulação de capital físico, decorrentes do aumento dos retornos sobre os investimentos. E, de fato, Japão, Coreia do Sul e China mantiveram altos níveis de investimento durante todo o processo de equiparação, alcançando seu pico em quase 40% do PIB no Japão na década de 1970. A Coreia do Sul atingiu níveis semelhantes na década de 1990; e os gastos com investimentos da China ultrapassam os 45% do PIB.

Na medida em que os países se aproximam de seus níveis potenciais de produção per capita, o poder de convergência diminui, obrigando a ajustar correspondentemente seus modelos de crescimento. Reduzir os investimentos devido à queda dos retornos é componente importante desse ajuste. Outro é intensificar a inovação tecnológica, a fim de evitar uma desaceleração acentuada do crescimento da produtividade. Um terceiro é mudar a produção de artigos agrícolas e industriais de baixo valor agregado para serviços domésticos de maior valor agregado.

A China, a exemplo do Japão e da Coreia do Sul tenta agora fazer seu ajuste. Mas enfrenta sérios obstáculos, a começar pela limitação dos recursos institucionais e humanos – um empecilho que pode barrar a inovação doméstica e a eficiente alocação dos recursos. A China enfrenta também um aporte decrescente de mão de obra, devido às baixas taxas de fertilidade e ao rápido envelhecimento da população. De acordo com a ONU, a taxa média da população em idade ativa será de -0,1% no período 2010-2020, o que representa uma queda significativa em relação ao 1,5% do período 2000-2010.

Além disso, na medida em que o nível de emprego migrar para o setor de serviços, o crescimento total da produtividade poderá cair, como ocorreu no Japão e na Coreia do Sul. Na China, a expansão do PIB por trabalhador no setor de serviços foi de apenas 1,3% no intervalo 1981-2010, comparativamente aos 15,1% obtidos pela indústria manufatureira.

A China, naturalmente, não deve se empenhar em reinstaurar as taxas passadas de crescimento do PIB. Isso seria perda de tempo. Como destacaram o ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos Lawrence Summers e o professor da Universidade de Harvard Robert Barro, era inevitável uma desaceleração no caso da China, exatamente como foi no do Japão e da Coreia do Sul. Meu estudo sugere que a taxa de crescimento do PIB da China cairá para 5% a 6% nos próximos dez anos, e para 3% a 4% no longo prazo.

Na década de 1980, o Japão permitiu o crescimento de bolhas de ativos. Isso pode ter estimulado o crescimento por um breve período, mas, quando as bolhas estouraram, as enormes dívidas do sistema financeiro contribuíram para empurrar a economia para um surto de deflação e estagnação do qual o país ainda não saiu totalmente. Analogamente, a Coreia do Sul foi jogada na crise financeira em 1997, com a evasão dos investidores externos em pânico.

Atualmente, a China parece estar percorrendo caminho semelhante. De acordo com o Banco de Compensações Internacionais, a dívida corporativa chinesa aumentou de forma acelerada nos últimos anos, de 99% do PIB em 2008 para 166% do PIB em 2015, com mais de metade desse passivo devido por empresas estatais de desempenho precário.

Mas não é tarde demais para mudar de rumo. Para manter o crescimento da produtividade – e da renda -, precisam continuar a implementar reformas estruturais que respaldem a flexibilidade do mercado de trabalho e o desenvolvimento do capital humano, privatizando, ao mesmo tempo, as empresas estatais e liberalizando o setor financeiro.

A exemplo de seus vizinhos, a China terá de encarar uma desaceleração do crescimento e suas consequências sociais frontalmente. Mas o futuro do país está longe de estar predeterminado. Com o enfoque correto, o país poderá promover uma transição tranquila de seu status de país de renda média para país de alta renda – uma transição que não só vai melhorar o bem-estar do 1.3 bilhão de cidadãos chineses como também vai reduzir os riscos e as incertezas da economia mundial.

Por Lee Jong-Wha, professor de economia e diretor do Instituto de Pesquisa Asiática da Universidade da Coreia. 

Fonte: Valor

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