A agricultura orgânica terá papel fundamental para o Brasil alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). A opinião é da ambientalista e urbanista Nina Orlow, que falou sobre o tema durante coletiva de imprensa na Bio Brazil Fair 2016, que ocorreu em São Paulo (SP).
No ano 2000, a ONU definiu uma lista de objetivos elencados a partir dos resultados dos Objetivos do Milênio (ODM) estabelecidos naquele ano, e que começaram a ser executados em 2013, com prazo limite até 2030. Todos os países do mundo foram envolvidos nessas metas que buscam combater diversos problemas sociais, entre eles a fome, a desigualdade social e o aquecimento global.
Segundo dados da entidade, nos últimos anos houve uma melhora significativa nos índices de combate à desnutrição, de 23,3% da população mundial entre 1990 e 1992 para 12,9% em 2014 e 2016. Entretanto, as estatísticas mostram que uma em cada nove pessoas no mundo (795 milhões) ainda é subnutrida. No Brasil, ainda restam 3,4 milhões pessoas subalimentadas.
O caminho para alcançar os objetivos, portanto, será longo. No Brasil de hoje, segundo Nina Orlow, menos de 1% do território agricultável é destinado às práticas mais sustentáveis e agroecológicas, faltam pesquisas sobre o tema (enquanto sobram estudos para a agricultura tradicional), há dificuldades de encontrar sementes não-transgênicas, assim como é difícil o acesso ao crédito e ao seguro rural, entre outros entraves.
“Ainda é um número pequeno, mas que tem crescido a cada ano”, aponta Rogério Dias, responsável pela setor de agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Para ele, ainda é preciso definir a pauta sustentável como uma política de Estado, e não apenas como uma política pública, que é trocada a cada governo.
“Não existe uma continuidade de gestão desses projetos. Porém, digo que também não podemos depender só de governo, mas envolver mais a sociedade para dar o suporte necessário à agroecologia”.
É possível apoiar a agricultura orgânica priorizando a alimentação saudável, escolhendo ingredientes produzidos sem agrotóxicos e transgênicos, fomentando feiras de produtos orgânicos, tendo suas próprias hortas orgânicas, buscando conhecimentos em cursos e palestras sobre o tema e cobrando apoio governamental à causa.
Ao assumir essa postura mais consciente, os resultados aparecem não só na saúde humana, mas também no meio ambiente. Segundo Carlos Gonzales-Fischer, pesquisador da Universidade de Oxford, já existem evidências que comprovem que tais dietas têm muito menos impacto ambiental que padrões não saudáveis e insustentáveis de alimentação.
“Então, ao comer bem para nossa saúde pessoal, estamos também fazendo o melhor pelo planeta”, afirma o professor.
Esse indício torna evidente a ligação entre as necessidades de uma nutrição saudável e de agricultura sustentável. “É hora de as diretrizes alimentares refletirem essa relação”, aponta Nina Orlow.
A revolução social através da agricultura orgânica impacta além do combate à fome. Saiba como esse modelo de cultivo ajudará a atingir os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU:
1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares
Cerca de 836 milhões de pessoas ainda vivem na extrema pobreza, sendo que uma em cada cinco pessoas em regiões em desenvolvimento vive com menos de 1,25 dólar por dia. A agricultura orgânica consegue ser uma forma de trabalho com bom nível de remuneração aos agricultores, ajudando no pilar econômico da sustentabilidade, ainda que a margem de lucro seja menor que a agricultura tradicional devido à escala de produção e possíveis prejuízos com quebras de safra. Investir nesse tipo de plantio é estimular ganhos sociais e ambientais.
2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável
Um estudo feito pela Universidade Estadual de Washington, EUA, comandado pelo professor de agroecologia John Regalnold, afirma que é possível atender às necessidades alimentares do mundo com produtos da agricultura orgânica. A justificativa seria que “fazendas orgânicas têm o potencial para produzir altos rendimentos em consequência da capacidade mais elevada de retenção de água nos solos cultivados sem agrotóxicos”. No relatório, os especialistas afirmam que a solução não é abandonar as tecnologias mais modernas, mas misturar métodos orgânicos com os de plantios tradicionais.
3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades
Consumir alimentos orgânicos e agroecológicos traz benefícios à saúde, já que esses produtos têm melhores índices nutricionais e evitam os possíveis efeitos ainda desconhecidos do contato humano com agrotóxicos e transgênicos.
4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos
O plantio de orgânicos está diretamente ligado à educação ambiental, que deve abranger alunos de diversos níveis. Além disso, há diversos projetos governamentais para que a merenda escolar seja à base de alimentos sem transgênicos e agroquímicos. Em São Paulo (SP), no ano passado, o prefeiro Fernando Haddad sancionou uma lei que obriga que o cardápio das escolas municipais sejam 100% à base de alimentos orgânicos.
5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
Segundo dados da ONU Mulher , a participação feminina em programa de fortalecimento da agricultura brasileira cresceu 240% entre 2010 e 2013. Através do trabalho rural é possível dar subsídios para a igualdade de gêneros e para que as mulheres levem sustento aos seus lares.
6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos
No plantio de orgânicos praticamente não há resíduos poluentes e danosos às águas, possibilitando uma gestão mais correta dos recursos hídricos.
7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço justo à energia para todos
Há projetos como a ONG Sociedade do Sol, com sede em São Paulo e atuação em todo o território nacional, que levam painéis de energia solar a quem precisa, entre eles os agricultores de orgânicos em áreas rurais isoladas e sem corrente elétrica. Com a tecnologia, é possível ter um plantio ainda mais sustentável e menos impactante no meio ambiente.
8. Promover o crescimento econômico, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos
Com a boa demanda por alimentos orgânicos (no Brasil, esse mercado cresce cerca de 30% ao ano), é possível comercializar a safra e também exportar. Em 2015, houve incremento de 15% nos embarques ao exterior, segundo dados do projeto Organics Brasil, da Apex-Brasil.
O plantio de orgânicos também tem como característica a justiça social, empregando e remunerando de forma justa. Não há registro de trabalhos análogos à escravidão nessa atividade. Já a agricultura convencional figura em segundo lugar na lista de atividades com mais casos de exploração, perdendo apenas para a construção civil.
Segundo os dados de 2014 do Ministério do Trabalho e Previdência Social, em 20 anos foram registrados 358 casos nas atividades relacionadas à agricultura, 238 na pecuária, 201 na extração vegetal e 54 na indústria madeireira.
9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
No Brasil há apenas 1.019 unidades de produção orgânica que fazem processamento de alimentos. Há muito espaço para crescer na industrialização de comida orgânica e também na inovação, ao propor diversas maneiras de consumir estes itens.
10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
Fomentar o acesso à comida de qualidade é promover inclusão e justiça social, diminuindo o abismo entre os extremos da pirâmide socioeconômica.
11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
Os benefícios da agricultura orgânica também têm reflexo nas cidades ao oferecer segurança alimentar para áreas urbanas.
12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis
Ao manter a produção de orgânicos, a população tem a garantia de que podem optar por um estilo de consumo mais sustentável.
13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos
A agricultura orgânica garante uma melhor sanidade dos solos, lençóis freáticos, utiliza menos áreas de plantio e, consequentemente, reduz o desmatamento e emite menos carbono que a agricultura convencional. Por atender também um mercado consumidor geralmente próximo das áreas produtoras, gasta-se menos combustível, emitindo menos CO2 na logística.
14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável
Parte dos resíduos da agricultura convencional fica na natureza e acaba por contaminar as águas, poluindo o mar e a água doce. Na agricultura orgânica, esse impacto é bastante reduzido pois não há uso de químicos.
15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade
Com solo mais protegido pela agricultura orgânica, é possível evitar que esgotem suas fontes de nutrientes e que retenham mais água. Além disso, a produção agroecológica desmata menos para plantar e garante a preservação da biodiversidade de biomas brasileiros.
16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
Ao consumir alimentos orgânicos, cuja produção vem majoritariamente da agricultura familiar, o brasileiro acaba ajudando a diminuir a desigualdade e colaborando para uma sociedade mais pacífica.
17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável
O Brasil é considerado uma grande potência agrícola. Ao se destacar na produção de alimentos orgânicos, o país se torna exemplo para outras nações, reforçando o discurso por um mundo mais sustentável não só na agricultura, mas em diversos setores econômicos e sociais. Com essa expertise, o país pode exportar tecnologias para outros lugares, como países da África, num acordo de cooperação técnica que ajude diversas nações.
Fonte: Globo Rural