Calote do governo pode quebrar bancos em 2018, diz fundador do antigo Pactual

Luiz Cezar Fernandes fala baixo e pausadamente, embora sem timidez. Também gesticula com moderação e ri praticamente sem fazer barulho. Por isso, quem o visse atendendo a reportagem de O Financista, dificilmente imaginaria que, com aquela calma toda, o fundador do antigo Pactual e sócio de Jorge Paulo Lemann no lendário Garantia estava descrevendo um futuro horripilante para o Brasil. Até 2018, a dívidapública crescerá a uma velocidade tal que nem mesmo a inflação alta será capaz de corroê-la.

Só restará, então, uma saída para o Palácio doPlanalto: decretar o calote oficial da dívida interna – e não apenas fazer cara de paisagem para o que os economistas chamam de “default branco”, aquele em que a dívida nominal é paga, mas já não vale nada, porque foi carcomida pela inflação. Como os bancos privados são os maiores compradores de títulos públicos, a moratória representará o risco real de quebrarem. O último ato está em aberto, mas a aposta é que os bancos falidos serão estatizados. “A dívida é pública; o banco vira público; e tudo se resolve”, resume, sem alterar a voz. “Esse é um temor concreto que tenho”, confessa.

Durante os 80 minutos de conversa, ele aludiu apenas uma vez a André Esteves, o técnico de informática que assumiu o controle do antigo Pactual, embrião do atual BTG Pactual, após liderar um motim dos sócios mais novos. Sem citar seu nome, limitou-se a dizer que “é errado tudo o que fizeram contra ele”, em referência à sua prisão pela Lava Jato.

Veja os principais trechos da conversa, que começou com um jantar no amplo casarão que se transformou em sede de sua empresa de consultoria, a Invixx, e terminou com Fernandes pitando o cachimbo – sua marca pessoal.

O Financista: Ao me receber, o senhor disse que, se eu enxergasse uma saída para o Brasil, mereceria parabéns. O senhor está pessimista?

Luiz Cezar Fernandes: (risos) Estamos em um beco quase sem saída. Destruímos praticamente todos os nossos instrumentos, inclusive por excesso de regulamentação, após 2008. Em grandes crises, os bancos sempre se defenderam comprando ativos reais fossem ações ou imóveis. O ativo financeiro não é segurável na mão e está virando pó. Os bancos cumprem todos os índices de liquidez, mas o que seguram é uma pedra de gelo. Aí, vem a ideia de aumentar o tamanho das instituições financeiras. Só resolve aparentemente. Se você pensar em 2008, os quatro maiores bancos de investimento dos Estados Unidos eram monstruosos. Resolveu a crise? Não, muito pelo contrário: tornou-a mais rápida e aguda. Numa crise sistêmica, o Brasil tem apenas cinco bancos.

O Financista: Teria que flexibilizar as regras?

Fernandes: Sim. Deixar que cada um descubra uma defesa porque isso também ajuda a rearrumar a economia. Se o Bradesco e o Itaú pudessem comprar 10% de seu capital em ativos imobiliários, possivelmente, reergueriam o setor imobiliário.

O Financista: O senhor acha que a liquidez afogou a economia?

Fernandes: Não é isso. Não adianta concentrar liquidez em um lugar só; tem de irrigar. Quando se regula demais, ela empoça em apenas um lugar, que é o sistema financeiro. E ele só tem uma saída para escoá-la: dar crédito. Como não há coragem para isso, porque a economia está mal, só sobra comprar títulos públicos. Toda a liquidez bancária volta para a dívida pública. Então, você está me empurrando para o cadafalso. Acho que a taxa dada no Brasil e a situação macroeconômica vão nos levar a um default da dívida interna.

O Financista: O senhor acredita em um default explícito; não em um default branco, causado pela inflação. É isso?

Fernandes: Sim. A inflação já sustenta a tentativa de reduzir o déficit público. Só que são duas velocidades diferentes. A dívida pública já está crescendo a uma taxa longa de 16% ao ano. E a inflação está em 11%. Uma está de fusquinha e a outra está de Ferrari. Não tenho nenhuma dúvida de quem chegará primeiro (sorri). A velocidade da corrosão da moeda é muito inferior ao crescimento da dívida. Então, não adianta.

O Financista: Em quanto tempo, o senhor acredita que a dívida pública vai estourar?

Fernandes: Se você capitaliza a 16% ao ano, em cinco anos, dobrou a dívida. Certamente, nós chegaremos lá por volta de 2018. Antes disso, não. Mas, ali, em 2018, antes ou depois da eleição, estaremos nesse ponto.

O Financista: E, nesse momento, como ficará quem detém título público?

Fernandes: Ele estará 90% no sistema bancário. Como a permissão para deter títulos públicos é praticamente infinita, vai estar tudo ali, como aconteceu na Grécia. O título público não estava com o público, mas com os bancos privados.

O Financista: O senhor afirmou que, numa crise sistêmica, o Brasil só conta com cinco bancos. Vamos ver bancos quebrarem?

Fernandes: Se o governo não arrumar uma solução para a dívida pública, certamente. A solução vai ser típica. Nós já vimos isso e a Inglaterra tentou recentemente: estatizou todos os bancos… A dívida é pública. O banco vira público. Fica tudo resolvido. Então, as pedaladas fiscais, em vez de ficarem concentradas no Banco do Brasil, vão se espalhar por todo mundo. Divido a pedalada entre cinco. Esse é um temor concreto que tenho.

O Financista: Numa escala de zero a 100% de certeza, qual é a probabilidade de esse cenário acontecer?

Fernandes (após pensar um pouco, responde, em meio a uma risada): 62%, indo rapidamente para 70% [a porcentagem é uma alusão à evolução prevista para a dívida pública neste ano].

O Financista: Há como evitar isso até 2018?

Fernandes: Eu não consigo enxergar uma saída neste momento. Não é que não tenha saída. Existem várias. O problema é que não vejo, hoje, coesão política para implementar qualquer saída, seja a heterodoxa, seja a ortodoxa. Por isso, vamos ficar nessa inércia, esperando acontecer.

O Financista: Vamos supor que, amanhã cedo, a Dilma recupere a governabilidade e implemente as medidas, ou um novo governo assuma com apoio político. Ainda daria tempo de evitar o pior em 2018?

Fernandes: Não dá mais tempo, porque o curso já está dado. Agora, você só conseguiria evitar o pior, com um impacto muito forte. Um impacto a nível quase revolucionário, que foi o que assistimos com o Collor. O que tínhamos naquele momento? Um governo Sarney horroroso, que parecia não acabar nunca. A inflação perdida, a governabilidade comprometida… Para mim, Collor foi um revolucionário, e como tal, acabou morto. Você pode discutir se ele era corrupto ou não, mas, politicamente, ele morreu por liderar uma revolução. Fechou estatais, privatizou, abriu o mercado… Tem de aparecer um revolucionário para tomar as medidas cabíveis, seja impondo ou convencendo a população de que o remédio é amargo.

O Financista: A solução seria um ajuste de contas bem forte?

Fernandes: Sem dúvida nenhuma. Por exemplo: há dois anos, a Petrobras está com problemas. Não é só a Lava Jato. O preço do petróleo caiu. Nossas reservas em mar raso caíram. Não conseguimos explorar 100% do pré-sal. Qual é a solução? Vender ativos. Mas quanto vendeu até agora? Praticamente, nada. Agora, olhe para o setor privado. Quem precisou vender rapidamente… como o BTG Pactual… (faz uma pausa…) Não sei se é certo ou errado… acho que está errado tudo o que fizeram contra ele (em alusão ao ex-sócio e fundador do banco André Esteves, preso pela Lava Jato)… mas o fato é que eles tiveram que se ajustar. Já venderam R$ 8,5 bilhões em ativos desde 25 novembro, mais R$ 10 bilhões da carteira de crédito. A Petrobras não vendeu nada, porque não tem vontade política.

O Financista: Falta vontade política para reformar a previdência, também?

Fernandes: Isso já é bem mais complexo. O Brasil ficou contando com o bônus populacional. Quando o atingíssemos, haveria mais gente contribuindo do que demandando benefícios, e então a conta fecharia. Só que ele passou entre o fim dos anos 90 e começo de 2000, e ninguém percebeu. Agora, não podemos mais contar com ele para cobrir o buraco. Este é um problema que eu não sei como o Brasil vai resolver. Será preciso surgir alguma liderança que diga que não dá mais continuar assim.

O Financista: O senhor acha que, a esta altura, não adianta nada aumentar os juros?

Fernandes: Não adianta nada. Só aumentaria a recessão. Vivemos entre duas culturas. A primeira é a do Paul Volker [presidente do Federal Reserve entre 1979 e 1987]. Quando Reagan anunciou um plano maluco, Volcker pôs os juros em 21%. Quebrou o mundo todo, mas os Estados Unidos cresceram muitos anos, com pleno emprego, por causa do choque de expectativas. A outra é a cultura do Alan Greenspan [presidente do Fed de 1987 a 2006], feita de pequenos aumentos de 0,25 ponto. O que acontece? Nada. Ela é inodora, porque os agentes econômicos se antecipam às altas e às baixas. Taxa de juros é como corda: serve para rebocar, mas não para empurrar. Quando se vai puxar um carro, precisa de um tranco forte, caso contrário, vai demorar muito para ele se mexer, porque a corda deve antes ser esticada para dar tração. Acho que, se o Brasil, lá atrás, tivesse saído de 7% para 14% em um mês… todos parariam para consertar o que está errado. Mas chegamos lentamente aos 14% e ninguém está nem aí. Não tem o efeito de parar a música.

O Financista: Qual é a inflação que o senhor espera para 2016?

Fernandes: Acho que o piso está na casa dos 11%. Vamos chegar ao fim do ano beirando de 15% a 18%. Vai acelerar pela reindexação. A economia está toda indexada. Poderíamos reduzi-la significativamente durante os governos de FHC e Lula, mas isso não aconteceu. Então, quando você muda de patamar de inflação, é só dali para cima. Não se consegue descer, devido à indexação.

O Financista: E o PIB?

Fernandes: Só não temos um PIB pior por causa da agricultura. O mundo demanda alimentos. Acho que o PIB deve cair de 4% a 4,5%. E isso, já sobre uma base ruim. Viemos de um crescimento ridículo em 2014, depois houve a queda em 2015. Provavelmente, vamos voltar, neste ano, ao nível do PIB da década de 80. É absurdo? É, mas é possível.

O Financista: É voluntarioso acreditar que o dólar alto estimulará a exportação e isso reaquecerá a economia?

Fernandes: O câmbio, no passado, destruiu nosso parque industrial. Mas, agora, o câmbio não é capaz de recuperá-lo. Não adianta você me estimular com um bom preço no mercado, se eu não tenho capacidade de produzir. O ciclo de investimentos é longo. Pior do que isso é não termos qualidade. Quem quer comprar produto vagabundo? Dez anos atrás, ninguém queria comprar produto chinês. Agora, quem tem restrição a eles? Esses economistas de Campinas [alusão à Unicamp] vivem dizendo que os trabalhadores lá ganham pouco, mas vá lá ver o salário médio. Talvez, a maioria dos operários já ganhe mais do que os nossos.

O Financista: Qual é o kit de sobrevivência que o senhor recomenda às empresas?

Fernandes: Você precisa escolher quem vai penalizar: os fornecedores, os funcionários ou o governo. Nos últimos anos, com o aumento dos impostos, quem financiou as empresas foi o governo. A inadimplência tributária deve estar muito alta, embora eu não tenha os números. Mas as empresas já estão no limite de se financiar via tributos. O segundo passo é renegociar com os bancos. Mas esse momento também já passou. O recurso atual é a recuperação judicial. Ninguém está disposto a reduzir dívida por amor; só pela dor. Não vejo nenhum empresário, principalmente na indústria, enxergar outra saída que não seja essa.

O Financista: Mas os bancos também passam por uma situação difícil e estão mais propensos a negociar, não?

Fernandes: Sem dúvida. Quando se trata de uma redução de 10%, 15% da sua dívida, ou uma redução na taxa de juros, não há problemas. Mas, a maioria das recuperações judiciais pede redução de dívidas de 50%. Há casos de até 80%. Isso não se faz pelo amor. Você só consegue via recuperação judicial.

O Financista: Falando um pouco de investimentos pessoais: o que o senhor recomendaria?

Fernandes: Dinheiro na mão é vendaval. Ou vai para o consumo, ou é levado pela inflação. Eu recomendaria que você fosse para ativos importantes: algum ativo imobiliário que, ao longo dos anos, vai ter seu valor corrigido; ou algumas boas empresas, bem geridas, que vão sobreviver a essa turbulência. Não são dezenas, mas há algumas em que se pode confiar.

O Financista: O senhor pode dar algum exemplo?

Fernandes: A Ultrapar é uma em que apostaria. Está fazendo um trabalho fantástico com a Ipiranga. É mais eficiente que BR Distribuidora e Shell. Tem também a Weg que, apesar de toda a turbulência, está aí navegando bem. É um pouco do que fizemos no Garantia, nos anos 80, quando começamos a comprar participações. Naquela altura, escolhemos Alpargatas, Brahma e Lojas Americanas. Foi uma bela defesa de capital para aquela época.

O Financista: Estamos no momento da renda fixa ou da renda variável?

Fernandes: Nem renda fixa, nem renda variável (risos). Acho que são posições específicas em renda variável. Uma, duas… cinco ações, no máximo. Se você ficar em renda fixa, vai perder o valor de seu dinheiro.

O Financista: Mesmo se for indexada à inflação?

Fernandes: Mesmo assim, porque a taxa do título complementar à inflação, que, no fundo, é o seu lucro, vai tender a zero. Há seis meses, o banco lhe pagava 97% do CDI. Você já estava sendo excluído do ganho, supondo que o CDI e a inflação andem sempre próximos, apenas para raciocinarmos. Se o CDI acompanha a inflação e estou ganhando 90% dele, estou ganhando apenas 90% da inflação. Já um imóvel pode não se valorizar no primeiro ou segundo ano; mas em algum momento, acaba se corrigindo. O mercado imobiliário oferece essa garantia. E, mais essas poucas empresas bem administradas, mas que são punidas por estarem no Brasil.

O Financista: O senhor recomendaria comprar dólar?

Fernandes: É um ativo que tende a se corrigir ao longo do tempo. O problema é que sua volatilidade sofre muito mais interferências. O mercado imobiliário depende exclusivamente de fatores internos. Com o dólar, você está sujeito a problemas na Rússia, na Síria, na Arábia, no Brasil. Teoricamente, o dólar, aqui, deveria estar muito mais deprimido, porque nossas reservas são absurdamente desproporcionais às nossas condições macroeconômicas, e é isso que nos segura um pouco, e impede que viremos uma Venezuela. Mas eu duvido que possamos administrar a volatilidade desse mercado.

O Financista: Mas o senhor enxerga o dólar a R$ 5?

Fernandes: Ele pode ir a R$ 5, R$ 6; R$7… porque, como disse, são muitas variáveis. Do ponto de vista macroeconômico, é muito simples justificar R$ 5. Do ponto de vista das reservas, porém, é quase impossível chegar nisso, porque o governo tem um canhão. A curva do dólar é um eletrocardiograma.

 

Fonte: O Financista

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp