As duas faces da soja em Mato Grosso

O cenário é desolador. O produtor Paulo Bedin caminha entre as plantas de soja esturricadas, resignado com a perspectiva de que a colheita confirme ali o que ele já provou em outra área da fazenda: rendimentos na casa de 15 sacas por hectare, com até 80% dos grãos avariados. Já Leandro Prado não esconde a satisfação com a lavoura na reta final de desenvolvimento e prevê 60 sacas por hectare, uma saca a mais que na safra passada.

Não, eles não estão em Estados diferentes, nem em cidades distintas: ficam a menos de cinco quilômetros um do outro, em Sorriso (MT), município que lidera o cultivo da oleaginosa no Brasil.

A atual temporada 2015/16 trouxe algo de novo aos agricultores de Mato Grosso. Diferentemente de outras regiões produtoras, como o Sul do país e o Matopiba (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o Estado está pouco acostumado ao mau humor do clima.

Mas desta vez o golpe da estiagem e do calor, desferido pelo fenômeno climático El Niño, assustou. Precipitações localizadas criaram “manchas” de seca com diversos graus de intensidade e impuseram às lavouras uma irregularidade sem precedentes.

Muito se especulou sobre os efeitos dessas intempéries na safra mato-grossense. A preocupação com as chuvas durante a colheita nas últimas semanas e os rumores de renegociações de entregas de soja, adicionaram tensão ao mercado, mas não turvaram – ao menos até o momento – a condição em geral mais tranquila do que se poderia supor.

Assim, a tendência é de uma produção total sem quedas significativas em relação a 2014/15 e margens de lucro em geral positivas, embora inferiores às do ciclo passado. No front de preços, o cenário pouco favorável a soluços altistas ganhou força, ainda que áreas em maturação (em especial no leste do Estado) requeiram cautela.

“Mato Grosso é tido como um ‘reloginho’ em termos de clima. Esse é um ano muito atípico, mas a produção tende a se manter”, avalia André Debastiani, analista da Agroconsult e um dos coordenadores do “Rally da Safra”, expedição técnica realizada há 13 anos pela consultoria.

Cálculos da Agroconsult indicam que a rentabilidade (incluindo desembolso e depreciação) no médio-norte de Mato Grosso – onde está Sorriso – ficará à média de R$ 692,30 por hectare, 11% abaixo do ciclo anterior.

Mas essa projeção, diga-se, conta apenas parte da história: como Bedin, muitos produtores da região amargarão prejuízos este ano. Já no norte do Paraná, vice-líder na produção de soja nacional – e onde a safra vai bem, apesar de chuvas em excesso -, o recuo deve ser menor, de 5%, para uma média de R$ 931,20 por hectare.

Ao que tudo indica, a área de plantio 2% maior nesta safra (de 9,1 milhões de hectares) deve ajudar a compensar a queda de produtividade de duas ou três sacas em Mato Grosso, para 50 sacas, conforme a Agroconsult.

A consultoria prevê uma colheita de 27.4 milhões de toneladas, contra as 28 milhões de toneladas de 2014/15 (30% do total nacional). A estimativa mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 28.28 milhões de toneladas.

Até o momento, pouco mais de 8% da safra está colhida e as perdas são mais expressivas no médio-norte de Mato Grosso, onde algumas localidades no entorno de Sorriso e Sinop ficaram sem chuvas por até 40 dias. Mas no sudeste e no oeste do Estado, onde o clima foi menos perverso, as lavouras estão mais vigorosas.

Em Sapezal, na região oeste, Anílson Rotta prevê uma média de 65 sacas por hectare, acima das 62 sacas de 2014/15, mesmo tendo atravessado 18 dias de seca. “Já colhi 2.000 hectares e acima de 70 sacas em algumas áreas”, diz ele, que cultiva 7.000 hectares. Parte desse sucesso se deve a um manejo cuidadoso, que envolve uma série de análises para melhorar a nutrição do solo.

Contudo, essa dedicação tem o ônus de encarecer os custos de produção, já nas máximas históricas nesta safra devido à escalada do dólar em relação ao real. Os gastos de Rotta com a lavoura saltaram de 38 para 42 sacas por hectare.

Mas foi também o câmbio que elevou em mais de 30% os preços da soja no Estado em um ano e fez a comercialização antecipada disparar, enquanto as cotações da commodity na bolsa de Chicago patinam em meio à ampla oferta mundial. Quase 57% da produção esperada no Estado está vendida, contra 45,5% há um ano, de acordo com o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA).

Giovani Paloschi, de Lucas do Rio Verde, já negociou toda a produção que sairá de seus 2.000 hectares, entre R$ 61,00 e R$ 69,00 por saca. “Devo muito grão, mas não tenho dívida em dólar”, afirma.

De fato, a preocupação com o endividamento cresceu entre os produtores de Mato Grosso. A despeito das boas rentabilidades nas últimas seis safras, a maioria deles não fez um bom colchão financeiro porque adquiriu terras e equipamentos continuamente.

Ocorre que as margens cada vez mais comprimidas pelos altos custos, o delicado cenário político-econômico e o crédito mais caro e difícil diminuem a intenção de novas tomadas de crédito e deixam pouco espaço para a manutenção de investimentos, especialmente em infraestrutura.

“Vínhamos comprando máquinas todo ano, mas nesta safra paramos. Vamos manter o mesmo nível de insumos, mas também cortamos pela metade o número de funcionários fixos”, conta Tiago da Silva Borges, gerente da Fazenda Rio Verde, em Sorriso. Os produtores mato-grossenses estão na defensiva e a ordem agora é fazer caixa.

 

Fonte: Valor Econômico

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