Brasil busca aval de cotonicultores dos EUA para parceria em pesquisa

Com R$ 1.5 bilhão em caixa, o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) – criado para gerir os recursos pagos pelos EUA após condenação na Organização Mundial do Comércio (OMC) devido aos subsídios dados aos seus cotonicultores – não tem conseguido usar o dinheiro para atender uma das mais importantes demandas do setor: o desenvolvimento de uma variedade de algodão transgênico resistente ao bicudo. O inseto afeta atualmente todas as regiões produtoras do Brasil e gera, sozinho, custo adicional de US$ 200 milhões por ano aos produtores.

Desde 2011, o Brasil recebeu dos EUA US$ 850 milhões, mas nenhum centavo pôde, até 2014, ser aplicado em pesquisas, devido a restrições impostas pelos americanos flexibilizaram algumas regras, permitindo aporte em pesquisas, desde que, realizados em parceria com institutos ou universidades americanas.

O problema é que o longo contencioso na OMC, travado por mais de dez anos entre Brasil e EUA, também arranhou a relação entre os produtores dos dois países. E agora, há um impasse político a resolver, na medida em que as universidades americanas resistem a firmar parcerias com os brasileiros, sem o aval da National Cotton Council (NCC), a associação que representa os cotonicultores daquele país, e uma relevante financiadora dessas instituições.

O Brasil tem tecnologia para desenvolver sozinho um algodão transgênico resistente ao bicudo e, inclusive, já criou plantas com o gene, diz Liv Soares Severino, chefe de pesquisa da Embrapa Algodão – instituição que há uma década realiza a pesquisa em parceria com universidades e instituições nacionais.

No entanto, até agora, o que foi percorrido foi apenas uma etapa. Severino reconhece que essa planta, já nos campos experimentais da Embrapa, ainda está distante do ponto ideal para ser comercializada. Não basta, explica ele, ter o gene contra o bicudo. É preciso que ele [gene] se “expresse” com uma elevada eficiência. “Não adianta ter um controle do inseto de 10% a 20%, ou seja, ser eficaz no início do ciclo da planta, mas não em todo o ciclo. Ou ainda, estar expresso na folha da planta, sendo que é no capulho [onde se desenvolve a fibra do algodão] que o bicudo ataca”, explica ele.

Severino defende a parceria com universidades dos EUA, não somente como forma de acelerar o desenvolvimento dessa primeira variedade transgênica resistente ao bicudo, mas também porque isso agregaria mais recursos e conhecimento no projeto todo, que inclui o processo burocrático de aprovação dessa variedade no Brasil e nos países para os quais o algodão brasileiro é exportado. Essa etapa, segundo ele, pode levar de cinco a dez anos, e tende a consumir ainda mais recursos que a fase de desenvolvimento.

Além disso, afirma, após o lançamento da primeira planta transgênica, as pesquisas precisam continuar para que o produto seja atualizado. A parceria com os pesquisadores americanos tende a tornar o processo mais rápido e menos oneroso. “Isso é preciso, pois o bicudo vai, em algum momento, quebrar a resistência e precisamos estar preparados para lançar outras tecnologias”.

Em busca desse acordo com os produtores americanos de algodão, os brasileiros devem se reunir em março com a NCC para obter uma posição sobre a parceria, afirmou ao Valor o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), João Carlos Jacobsen. A entidade mantém nos EUA um representante que conversa constantemente com produtores e pesquisadores locais para alinhavar esse acordo.

Apesar de ser hoje um problema na América Latina, eliminar o bicudo também é do interesse dos Estados Unidos, o maior exportador de algodão do mundo, afirma o presidente do IBA, Haroldo Cunha. As áreas com a cultura no Texas fazem fronteira com as lavouras mexicanas, que apresentam uma incidência maior do bicudo e são uma ameaça constante, argumenta.

Presente na América Latina, o bicudo já foi mais controlado no Brasil, mas nos últimos anos sua incidência aumentou. Uma combinação de fatores explica a situação, entre elas, o clima tropical, o descuido do produtor na eliminação da soqueira (restos da planta que ficam no solo após a colheita) e o aumento da área de algodão transgênico, que torna mais difícil a eliminação dessas soqueiras que viram foco de reprodução do inseto, elenca Liv Soares Severino, da Embrapa Algodão.

“A praga está completamente fora de controle no Brasil, em um nível muito acima do aceitável. No estágio inicial, deveriam aparecer um ou dois insetos em cada armadilha na lavoura. Mas estão aparecendo de 20 a 50 insetos”, afirma Severino.

 

Fonte: Valor Econômico

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