Após dois anos de estudo, a equipe liderada pelo pesquisador da Embrapa Renato Andreotti concluiu o genoma funcional do carrapato ou transcriptoma, um banco de dados que expressa o funcionamento do metabolismo deste artrópode, abrindo caminho para a elaboração de novos antígenos para o desenvolvimento de vacinas.
“O genoma total do carrapato é duas vezes o tamanho do genoma humano. É muita informação e a um custo elevado. O genoma funcional trabalha somente com a expressão do RNA mensageiro, aquilo que os genes atuam para mover o metabolismo do carrapato. É a parte expressa do genoma”, explica Andreotti.
A expectativa é gerar uma análise de candidatos a antígenos e selecioná-los por critérios fisiológicos e bioensaios. Os promissores serão testados em raças bovinas susceptíveis, como cruzados e taurinos. Hoje, em Campo Grande (MS), a equipe de Andreotti na Embrapa Gado de Corte avalia um antígeno com 72% de eficácia.
A proposta é agregar as informações do transcriptoma a essas já obtidas e gerar um material polivalente. Para isso, serão necessários, no mínimo, mais dois anos de experimentos e os dados serão disponibilizados aos projetos com linhas de pesquisa semelhantes.
Andreotti e Wanessa Carvalho, imunologista da Embrapa Gado de Leite (MG), revelam ainda que, atualmente, somente Austrália e Cuba desenvolveram vacinas contra o artrópode utilizando a mesma proteína (BM86) e esse material apresenta baixa eficiência e proteção de curto período aos animais.
No mundo, há quase 900 espécies de carrapatos. Mais assustador do que exibir números são os prejuízos causados. A espécie Rhipicephalus (Boophilus) microplus, o carrapato-do-boi, no Brasil, é a responsável por muitos danos nos rebanhos de pecuária de corte e leiteira. Estimativas calculam que as perdas em bovinos chegam a U$ 3,24 bilhões ao ano, somente no País.
A fisiologia do ectoparasita é a base dos estudos convencionais. Com o banco de dados, muda-se a velocidade das pesquisas e a geração de tecnologias de combate. “É a vacinologia reversa, na qual temos acesso aos genes mais expressos e menos expressos em um contexto de infestação de sucesso (alimentados em hospedeiro susceptível) ou não (resistentes). Isso dá subsídios para saber quais são os genes que codificam proteínas de importância para a rejeição do carrapato, facilitando a descoberta de novos alvos”, detalha Carvalho.
DENTRO DO MAPEAMENTO
A extração do transcriptoma é uma tarefa meticulosa e em etapas. Primeiramente, cultiva-se uma colônia, iniciada com um grama de larvas, equivalente a 20 mil larvas, formando, assim, o banco biológico. Esse material é usado para infestar os bovinos. Os melhores, resistentes, permanecem na colônia.
“Então, selecionamos quais são as regiões dos tecidos e a fase dos carrapatos que nos interessa. As regiões selecionadas são alvo para os estudos relacionados aos antígenos”, explana Andreotti.
“Esse caso, especificamente, nos informa quais genes e em que níveis são expressos em diferentes órgãos – glândula salivar, intestino e ovários – e estágios – larvas, ninfas e adulto – do parasita quando em contato com diferentes tipos de hospedeiros: bovinos resistentes e susceptíveis. Essa informação possibilita identificar genes e mecanismos moleculares envolvidos na interação parasita-hospedeiro”, detalha a pesquisadora em genômica funcional Poliana Giachetto, responsável pela análise do transcriptoma, após a produção de bibliotecas de DNA complementar (cDNA) e devido sequenciamento.
PROGRAMAS DE COMPUTADOR
Na Embrapa Informática Agropecuária (SP) e de posse da sequência, Poliana e equipe utilizaram diversos programas de computador para classificar os genes do parasita de acordo com determinados ‘sinais’ presentes neles, por meio de bioinformática. A especialista afirma que quanto maior e mais confiável for o repertório de moléculas, maiores as chances de se encontrar bons candidatos a vacinas.
Uma base de dados rica é o caminho para a prospecção de antígenos por meio da vacinologia reversa. Um detalhe é a escolha do adulto fêmea para os experimentos. As fêmeas é que sugam o sangue dos animais e ficam até 21 dias no hospedeiro. Os machos, por natureza, nem sempre apresentam esse comportamento.
Outra estratégia a ser adotada, segundo Andreotti, seria a esterilização dos machos. Porém, a linha de pesquisa adotada desde o início, há 15 anos, considerou o fato de o carrapato-do-boi ser um hematófago.
PROBLEMAS E SOLUÇÕES
A busca por saídas para esse e outros problemas de diversas cadeias produtivas foi o que motivou a formação da Rede Genômica Animal. Ela tem como foco o desenvolvimento e a adaptação de estratégias genômicas aplicadas ao melhoramento, conservação e produção animal, e é liderada pelo pesquisador Alexandre Caetano da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF). Renato e Poliana integram essa rede e consideram que os danos na produção de leite e carne, da ordem de 0,24 kg de peso vivo por carrapato por ano, são indícios suficientes para preocupações.
Com uma propriedade rural em Mato Grosso do Sul e um rebanho formado por animais da raça Girolando e Gir Leiteiro, Ronan Salgueiro ratifica a apreensão quando se fala em infestação de carrapatos. Por ser a pecuária leiteira intensiva, os animais vivem aglomerados e a incidência é maior que na pecuária de corte. Além disso, as regiões tropicais e subtropicais colaboram com o problema.
“Os três parasitas de maior prejuízo para pecuária leiteira são o carrapato, o berne e a mosca-do-chifres, contudo o carrapato dá mais prejuízos. Perda de peso, baixa conversão alimentar, lesões de pele, anemia e transmissão de agentes patógenos que provocam graves enfermidades são problemas causados pela infestação. Todavia, esse último fator é o que ocasiona os mais altos prejuízos indiretos, destacando-se a diminuição na produção de leite, a redução da natalidade e a morte do animal”, elenca o pecuarista.
MÉTODO DE CONTROLE
Ele ainda comenta que o principal método de controle é feito com o uso de produtos químicos, que têm se mostrado cada vez menos eficazes. Renato Andreotti e Wanessa Carvalho explicam que o controle realizado inadequadamente favorece o desenvolvimento da resistência das populações de carrapatos aos acaricidas. A contaminação ambiental, dos produtos (leite e carne) e a intoxicação da pessoa que aplica o produto também são agravantes.
Os pesquisadores possuem trabalhos distintos, mas complementares − Andreotti em vacinologia e Carvalho em melhoramento genético e controle biológico. Para ela, o elo parasita-hospedeiro é chave para identificação de novas ferramentas para controle do carrapato. Para Ronan Salgueiro, em uma atividade como a pecuária leiteira, com constante desequilíbrio entre oferta e demanda, além de outros pormenores, todo avanço em ciência é muito importante e bem-vindo.
Fonte: Embrapa Gado de Corte