Muito além da mesa

Do combate às rugas ao tratamento e prevenção da mastite bovina. Conheça alguns dos benefícios que o muco produzido pelo escargot pode oferecer. Foto: Shutterstock.
Do combate às rugas ao tratamento e prevenção da mastite bovina. Conheça alguns dos benefícios que o muco produzido pelo escargot pode oferecer. Foto: Shutterstock

Muito além dos pratos sofisticados, o escargot, ou melhor, o muco que ele libera — secreção glicoproteica — possui uma série de propriedades terapêuticas. Umas das referências na pesquisa sobre o tema no Brasil, a geneticista Maria de Fátima Martins, explica como o muco pode ser utilizado de diversas formas, seja na indústria farmacêutica, e também na produção de cosméticos.

Rico em alantoína

“O uso terapêutico do muco do escargot é muito amplo, devido às suas propriedades farmacológicas, se destacando o efeito cicatrizante do muco, que está sendo utilizado para estudos da formulação de pomadas”, conta a pesquisadora. Ela explica que a secreção liberada em abundância pelo animal é rica em alantoína, que possui alta capacidade de regeneração de células da pele, podendo ser aplicada tanto na produção de medicamentos cicatrizantes, como em cosméticos que retardam o envelhecimento.

Maria de Fátima Martins explica que o muco ainda não é viável comercialmente. Mas acredita que, por ser um produto natural, os efeitos colaterais sejam mais brandos e os custos em relação aos cicatrizantes convencionais podem ser mais econômicos.

Uso comercial

No Brasil pode ser uma novidade, mas, em outros países, a utilização do muco já foi registrada pela indústria chilena, que comercializa shampoos e cremes, como a Elicina, à base de alantoína, colágeno, elastina e ácido glicólico, este, usado para tratar rugas, manchas na pele, estrias, cicatrizes e verrugas. O Japão também desenvolve aplicações medicinais com as substâncias retiradas do molusco. Um centro de estética japonês garante que “este é o novo segredo para a eterna juventude: deixar caracóis vivos rastejar pelo rosto, deixando aquela gosminha por onde passa”. “Na Europa, existe até um xarope indicado para bronquite e outras complicações pulmonares”, acrescenta a pesquisadora.

Dentre os caracóis pesquisados, o muco de Achatinafulica, mais conhecido como caramujo africano gigante, foi o que apresentou melhor resultado como reparador de lesões de pele, com a comprovação da sua ação antibacteriana, relacionada à presença da proteína mucina.

Como o muco é extraído

O escargot sintetiza o muco através de glândulas podais, característica de animais rastejantes. A principal função desse muco cutâneo é a proteção. Porém, a viscosidade pode auxiliar de outro modo, como locomoção, captura de alimentos, reprodução, e combate à desidratação, dando ao molusco uma alta capacidade de adaptação ao ambiente.

“A extração do muco pode ser realizada durante a vida adulta do animal, a partir dos 4 meses. É feita pela glândula podal através de estimulação manual das glândulas apócrinas, que se encontram na parte inferior do animal. Todo o manuseio é pensando a partir do respeito ao bem-estar do escargot”, informa.

A geneticista aponta que esse é um dos grandes desafios: conseguir o recolhimento eficiente da substância sem matar o animal. Segundo a pesquisadora, o tempo necessário para extração do muco depende da prática do profissional e também da espécie de escargot. “Nesta pesquisa, gastamos em média de dez a 15 minutos por molusco. É preciso melhorar a técnica ou estudar uma maneira de sintetizar o produto em laboratório”, afirma.

Prevenção e tratamento da mastite bovina

O muco do escargot também pode ser utilizado no controle de infecções intramamárias no gado leiteiro, como a mastite bovina. A constatação foi feita através de pesquisa realizada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ ) da USP. O trabalho foi realizado no Departamento de Nutrição e Produção Animal (VNP), no campus de Pirassununga, pelo médico veterinário Eugênio Yokoya, também sob a orientação da geneticista Maria de Fátima Martins.

Técnica

Os pesquisadores aplicaram três tipos de tratamento nas vacas: lavagem dos tetos apenas com água, uso do iodo e aplicação do muco de escargots. O gado leiteiro do estudo era proveniente de propriedades rurais do interior de São Paulo das regiões de Leme, Porto Ferreira e Ribeirão Preto.

Após a extração, o muco foi liofilizado (transformado em pó) e reidratado com solução salina para facilitar a aplicação. Foram colhidas amostras da superfície dos tetos antes e depois da aplicação do muco. Os resultados indicaram que o muco de escargots apresentou um bom controle da microbiota, sendo eficaz tanto para reduzir como para prevenir a ocorrência de bactérias locais.

Redução de prejuízos

A iniciativa pode ajudar a reduzir as perdas econômicas causadas pela mastite, doença que mais causa prejuízos no setor leiteiro. Há redução de produtividade do animal e, devido ao tratamento medicamentoso, ocorre o descarte de leite. “Nas grandes propriedades, as perdas chegam a ser de 4.800 litros ao mês. Para o produtor, o prejuízo é de cerca de US$ 24 ao dia por vaca doente”, explica Martins.

O muco produzido por escargots, quando aplicado nos tetos de vacas leiteiras, antes e depois da ordenha, apresenta uma ação antimicrobiana superior a do iodo, substância comumente usada por produtores como antisséptico.

A grande vantagem do muco é sua proteção contra bactérias dos gêneros Micrococcussp Staphylococcussp, principalmente, e também seu efeito hidratador sobre a pele que reveste os tetos, por ser rico em alantoina. O iodo geralmente torna a pele áspera e causa, muitas vezes, feridas, que podem acarretar em danos a glândula mamária e causar o ressecamento das mãos dos ordenhadores.

Por: Gabriel Chiappini.

 

Fonte: Revista A Lavoura – Edição nº 706/2015.

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