A recente decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de permitir o uso voluntário de biodiesel no diesel fóssil em percentuais superiores ao da mistura obrigatória de 7% reforçou o otimismo com o aumento da demanda pelo produto no Brasil e injetou novo ânimo na indústria processadora de soja, que tem sido particularmente beneficiada pelo progressivo avanço do biocombustível no mercado interno.
A expectativa da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio) é que as vendas domésticas do produto, que tem no óleo de soja sua principal matéria-prima no País, somarão 4 bilhões de litros em 2015, 15,5% mais que em 2014 e que o volume volte a subir em 2016, pelo menos 10%.
Para Erasmo Carlos Battistella, presidente da entidade, o ritmo da atividade econômica continua a ser o fiel da balança. Previsões iniciais indicavam que, a partir do aumento do percentual de mistura para 7%, as vendas fossem alcançar 4.3 bilhões de litros em 2015, mas o consumo de diesel mineral ao qual é atrelado o biocombustível caiu com a desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB). Como a capacidade de produção instalada chega a 7.4 bilhões de litros, o potencial de crescimento da oferta ainda é grande. “Temos fábricas e matéria-prima, mas precisamos facilitar o acesso do consumidor”.
Em resolução publicada em 14 de outubro, o CNPE atendeu a um antigo pleito do segmento para flexibilizar a mistura voluntária do biocombustível. O órgão, vinculado à Presidência da República e presidido pelo ministro de Minas e Energia, autorizou a utilização de até 20% de biodiesel no diesel fóssil (B20) em frotas cativas e de até 30% (B30) no uso agrícola, ferroviário e industrial. O percentual obrigatório de mistura de 7% está fixado desde novembro do ano passado. Estudos indicam que o B7 reduz em 5% as emissões de gases de efeito estufa em relação ao 100% fóssil.
Segundo Leonardo Zilio, assessor econômico da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a medida do CNPE torna mais “inteligente” o sistema de combustíveis no país. Isso porque permite que o biodiesel produzido no interior substitua uma parcela maior do diesel fóssil que vem do litoral, maximizando a logística e minimizando custos, sobretudo em Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do sul e Goiás.
“A resolução só entra em vigor em 1º de janeiro de 2016 e ainda existem regulamentações por parte da ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis], mas o mercado já vai se preparar para o aumento de demanda”.
Hoje, 78% do biodiesel no Brasil é produzido a partir do óleo de soja, o que contribuiu para mais que dobrar o consumo no País na última década, para 6.6 milhões de toneladas em 2015, estima a Abiove. Uma boa alternativa para um produto que enfrenta entraves tributários na exportação e a forte concorrência da Argentina, fortalecida por um modelo tarifário que privilegia a exportação do derivado em detrimento do grão. Adiciona-se a isso a forte disputa com o óleo de palma, sobretudo na Ásia, e a política de grandes importadores de privilegiar a compra da matéria-prima para esmagamento em suas próprias fronteiras – é o caso da China, por exemplo.
Ainda que recebida com entusiasmo pela indústria, a normativa que trata da mistura voluntária de biodiesel poderia “ter ido um pouco além”, avalia a Aprobio. Havia a expectativa de que fosse avalizado o uso de 100% do biocombustível em máquinas agrícolas, uma vez que a maioria dos fabricantes já dá garantias para essa proporção.
O segmento também contava que fosse liberada a comercialização sem o intermédio das distribuidoras – que hoje adquirem o biocombustível dos produtores em leilão. “Em vários momentos do ano, em regiões distintas, o biodiesel é competitivo em preço com o diesel para o cliente final, e queríamos a oportunidade de vender diretamente a ele”, diz Battistella. A Aprobio previa que se a decisão incluísse todas essas liberações haveria uma demanda adicional de 1 bilhão de litros, mas as contas ainda não foram refeitas.
O fato é que o apetite da demanda dependerá dos preços. Segundo Battistella, o biodiesel costuma ficar mais competitivo na região central do país entre janeiro e julho, com a maior oferta advinda da colheita de soja. Mas a relação está mais vantajosa mesmo agora, em outubro.
Na semana até 17 de outubro, o preço médio do diesel S10 (com menor teor de enxofre) nas distribuidoras em Rondonópolis (MT) foi de R$ 2,918 por litro. Já o preço médio do biodiesel vendido em leilão por produtores do Estado, destinado ao abastecimento em novembro e dezembro, ficou em R$ 2,656 por litro – mais atraente, portanto, que o do derivado do petróleo.
Zilio, da Abiove, ressalta que a “esticada” do câmbio neste segundo semestre diminui a competitividade do biodiesel, uma vez que os preços do produto são balizados pela cotação do óleo de soja na bolsa de Chicago, precificado em dólar. Contudo, a Petrobras também está mais ativa nos reajustes do diesel para fazer frente à disparada da moeda americana. “Sem dúvida, será uma relação dinâmica ao longo dos próximos anos. Quando for economicamente mais acessível, o mercado evoluirá na mistura”, diz ele, que reforça a disposição do setor em persistir na batalha pela aprovação do B10 na mistura obrigatória até 2020.
Fonte: Valor Econômico