A Syngenta pode até ter recusado uma segunda oferta de aquisição da Monsanto mas a perspectiva de uma união das duas gigantes do agronegócio continua semeando temores no cinturão agrícola americano.
Os agricultores receiam que uma nova rodada de consolidação no setor prejudique a concorrência e encareça sementes e pesticidas.
A preocupação dos agricultores pode ser importante para determinar se um eventual negócio seria aprovado ou não. Os reguladores da concorrência nos Estados Unidos e em outras regiões devem examinar cuidadosamente se uma fusão concentraria demais o mercado nas mãos da Monsanto, que já é o maior produtor de sementes do mundo em receita e um grande fornecedor de químicos agrícolas.
A primeira oferta de US$ 45 bilhões da Monsanto pela Syngenta, revelada em maio, ressalta o relacionamento muitas vezes tenso da empresa americana com agricultores que dependem de suas sementes para culturas como milho, soja, espinafre e brócolis.
Os avanços da Monsanto em engenharia genética ajudaram os agricultores a produzir safras maiores e evitar o uso de produtos químicos antes necessários para controlar pragas e ervas daninhas. Mas os agricultores dizem que essas ferramentas vieram em troca de preços altos e regras rígidas que a Monsanto fiscaliza vigorosamente, muitas vezes com processos judiciais contra clientes que mancharam a reputação da empresa em partes do Meio-Oeste americano.
Ontem, a Syngenta, o maior vendedor de pesticidas do mundo, recusou uma segunda oferta em que a Monsanto se compromete a pagar uma multa de US$ 2 bilhões caso os reguladores não aprovem a aquisição. Numa resposta incisiva, a empresa suíça afirmou que a oferta de US$ 45 bilhões continua a subvalorizá-la e a ignorar os obstáculos regulatórios que a fusão enfrentaria, apesar da promessa da Monsanto de vender a divisão de sementes da Syngenta e de alguns produtos químicos comuns às duas.
A Monsanto pretende, nesta semana, discutir uma potencial aquisição com acionistas das duas empresas na Europa, dizem pessoas a par do plano.
Associações de agricultores como a American Farm Bureau Federation estão observando de perto o possível negócio, que poderá ser a maior fusão do setor agrícola. John Hansen, presidente da União dos Agricultores de Nebraska e membro do conselho da União Nacional dos Agricultores, diz que planeja enfatizar suas preocupações quando o conselho se reunir nesta semana, em Washington.
“Quando você tem tanto poder de mercado, há muito dinheiro a ser ganho usando esse poder para avançar os interesses da empresa”, diz Hansen.
Segundo juristas, o negócio seria provavelmente submetido a análises antitruste nos EUA, União Europeia e Brasil, um grande mercado agrícola para as duas empresas.
Juntas, a Monsanto e a Syngenta deteriam 42% do mercado de pesticidas na América do Norte, 28% na América Latina e 25% na Europa e Oriente Médio, estima o banco J.P. Morgan Chase. As duas juntas vendem 26% dos pesticidas do mundo.
A Monsanto é responsável pelas vendas de 35% de todas as sementes de milho na América do Norte e 46% na América Latina, segundo o J.P. Morgan.
Uma questão essencial é como os reguladores antitruste veriam o aumento da concentração no mercado de sementes e químicos — frequentemente usados juntos pelos agricultores — e se uma fusão prejudicaria significativamente os demais concorrentes, muitos dos quais atualmente licenciam as sementes geneticamente modificadas e a tecnologia da Monsanto.
Historicamente, as autoridades americanas raramente procuraram bloquear um negócio apenas porque ele levaria ao tipo de integração vertical que ocorreria com a fusão da Monsanto e da Syngenta, diz George Hay, professor de direito da Universidade Cornell e ex-economista da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos EUA. “[A verticalização] pode deixar alguns concorrentes em desvantagem, mas não elevará os preços para os consumidores”, diz.
Executivos da Monsanto dizem que a venda da divisão de sementes e de químicos agrícolas da Syngenta equivalentes aos da Monsanto eliminaria qualquer preocupação com a concorrência.
A empresa formada pela fusão entre Monsanto e Syngenta iria abocanhar uma fatia maior das compras anuais dos agricultores americanos. Sementes e pesticidas representam cerca de 20% das despesas anuais dos produtores que plantam milho, soja e algodão, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, o USDA.
O custo médio dos agricultores com sementes mais que triplicou desde 1995, enquanto os custos dos produtos químicos subiram 11% no mesmo período, segundo o USDA. Por outro lado, o lucro líquido dos agricultores dos EUA mais que dobrou nesse período, para US$ 108 bilhões em 2014, segundo o departamento.
Durante uma conferência em maio, o diretor-superintendente da Monsanto, Brett Begemann, disse a investidores que a empresa seria capaz de alavancar suas relações com os compradores de sementes ao vender para eles produtos químicos da Syngenta, mas que não planeja fazer “pacotes” de produtos.
Na próxima semana, a Monsanto planeja discutir a potencial fusão com a Syngenta com mais produtores, dizem pessoas próximas da empresa.
Rob Bouic, que planta milho e soja no Estado americano de Ohio, diz que quase todo o milho que ele plantará este ano foi desenvolvido pela Monsanto, mas ele vem usando mais variedades de soja não transgênica vendidas por outras empresas, em parte porque custam menos.
“A Monsanto cobra muito caro por sua tecnologia”, diz Bouic, observando que a possível fusão com a Syngenta o preocupa. “A única forma de impedir esse comportamento é a existência de concorrentes que consigam vender produtos com a mesma qualidade e competir de igual para igual.”
A Monsanto afirma que as sementes modificadas permitem que os produtores economizem dinheiro com pesticidas e ampliem a produtividade das safras, sendo assim justo que a empresa fique com uma parte do valor agregado para poder arcar com o custo de levar as sementes ao mercado. Isso justificaria os preços mais altos.
Outros agricultores dizem, por sua vez, que esperam se beneficiar da fusão entre as empresas, imaginando novos produtos químicos e sementes e um potencial maior para descontos por volume comprado, com um número maior de produtos oferecidos por uma única empresa.
“Posso entender o argumento que concorrência é algo bom […], mas o reverso disso é que, para as empresas serem competitivas, elas têm que ter o máximo de eficiência possível”, diz Danny Murphy, produtor do Mississipi e ex-presidente da Associação Americana da Soja.
Analistas dizem que a recusa da Syngenta não significa o fim das pretensões da Monsanto, mas sim cria uma oportunidade para as empresas começarem a negociar o preço.
“Vemos o fato de a Monsanto ter voltado relativamente rápido como um bom sinal para uma [outra] oferta que poderia ser interessante o suficiente para a direção e os acionistas da Syngenta”, escreveram analistas da Baader Helvea numa nota.
Fonte: The Wall Street Journal