Atento a uma dúzia de telas de computador em uma das salas de controle do porto público de Itaqui, no Maranhão, um grupo de engenheiros comemorou quando as primeiras 5.000 toneladas de soja bateram no fundo do porão do Scythia Graeca na tarde de quarta-feira. A imagem da poeira branca que subiu do navio grego arrancou sorrisos e expressões de alívio. Passados muitos meses de atraso, o Tegram, primeiro terminal exclusivo para grãos no Estado, começava a operar.
O navio Panamax deverá partir para a China até domingo. Levará 66.000 toneladas de soja produzidas sobretudo no “Mapito” (confluência entre os Estados do Maranhão, Piauí e Tocantins), mas também no nordeste de Mato Grosso. É a primeira de muitas viagens. O novo terminal maranhense – um projeto de quase R$ 1 bilhão em investimentos – prevê exportar 2 milhões de toneladas de soja e milho já em 2015. Em até cinco anos, o volume exportado de grãos deverá dobrar, e em 2022 poderá atingir 10 milhões de toneladas.
Ainda em fase de testes, os trabalhos no Tegram ocorrem de forma cuidadosa nesta semana. Um time de 25 engenheiros acompanha in loco o processo para evitar engasgos não previstos nas máquinas, que podem provocar perdas significativas de soja. O carregamento por dois quilômetros de correias transportadoras (esteiras que levam o grão dos armazéns ao navio) é inicialmente de apenas mil toneladas por hora, para não estressar o sistema. Na medida em que se ganha confiança, com a engrenagem funcionando corretamente, o volume deverá gradativamente subir até atingir o potencial de 2.500 toneladas por hora.
Se tudo der certo e a chuva não atrapalhar os carregamentos – aqui o que não falta é água -, o Scythia Graeca desatracará lotado e abrirá espaço no berço para outros navios agendados para abril. “Estamos vivendo um momento histórico. O Tegram é um marco para o Maranhão”, diz o presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária (EMAP), Ted Lago, um administrador de empresas familiarizado com logística escolhido pelo governador Flávio Dino para elevar a produtividade e a rentabilidade do porto público.
Membro de uma das famílias mais influentes do Maranhão, Lago quer atrair a iniciativa privada para Itaqui e elevar o mix de produtos atendidos pelo porto, conferindo mais visibilidade aos grãos. Em suas palavras: quer fazer de Itaqui um retrato do “comunismo capitalista” que o governo quer imprimir no Estado. Nesse sentido, o Tegram é um negócio sob medida.
No ano passado, Itaqui exportou cerca de 3.5 milhões de toneladas de grãos, exclusivamente pela Vale. No total, foram 18 milhões de toneladas de cargas movimentadas no porto, sendo que combustíveis representaram praticamente metade desse volume. “Com a chegada do Tegram, haverá um equilíbrio melhor de cargas”, disse Lago. E, claro, concorrência.
Operado pelo consórcio de quatro pesos-pesados do agronegócio que atuam no País – NovaAgri (recém-comprada pela Toyota), Glencore, CGG Trading e Consórcio Crescimento (joint venture da Amaggi e Louis Dreyfus Commodities), o terminal de grãos deverá gerar uma receita extra anual de pelo menos R$ 32 milhões ao porto, além de fomentar a expansão da fronteira agrícola para áreas ainda não desbravadas no “Mapito”.
Expectativa é que o volume exportado pelo Tegram por ano alcance cerca de 10 milhões de toneladas até 2022
Segundo a Secretaria de Agricultura do Maranhão, há forte potencial para a expansão dos grãos em áreas de Cerrado, onde a exigência legal para a manutenção da vegetação nativa é de 35% da área total da propriedade rural. “Nos municípios onde mais se planta soja no Maranhão, apenas 8% da área está semeada. Ou seja, tem onde crescer”, afirma o secretário Márcio Honaiser.
Ele se refere à região de Balsas, no sul do Estado, para onde muitos gaúchos já se mudaram. Açailândia, mais ao centro e próximo da divisa com o Pará, é outro polo que começa a despertar para a vocação agrícola. “Ali há muitas áreas de pastagens que podem ser convertidas em soja”, diz o secretário, entusiasmado com as possibilidades e ressaltando que toda abertura de área (supressão vegetal) será feita “dentro da lei” [ambiental].
A intenção do governo, no entanto, não é atrair somente grandes produtores, mas integrar os pequenos e médios ao agronegócio, de modo a gerar renda para uma massa expressiva da população rural até agora desatendida.
Para ter viabilidade econômica e justificar os investimentos realizados, o Tegram precisa desses novos produtores e também dos que estão no Piauí, em Tocantins, no oeste da Bahia e, sobretudo, no nordeste do Mato Grosso. Conforme “players” do mercado, além da produção no “Mapito” ser limitada para as pretensões de escoamento por Itaqui, o produtor rural tem hoje outras opções de saída pelo Norte do país e as novas concessões portuárias previstas para os próximos anos no Pará ampliarão ainda mais a disputa por soja.
Principal origem dos grãos para exportação no Tegram é a região do “Mapito”
As empresas do consórcio sabem disso, mas ninguém aqui parece ter vindo para brincar. Desde que assinaram o contrato de licitação do Tegram, em 2012, as tradings têm investido numa logística refinada para atrair clientes. Com aporte de R$ 600 milhões, levantaram quatro grandes armazéns em Itaqui, com capacidade estática de 125 mil toneladas cada. O primeiro silo, da NovaAgri, já está pronto. Os demais serão entregues até junho (pertencentes à Glencore, CGG e Amaggy/Dreyfus, por ordem cronológica). “Mas até que os quatro armazéns fiquem prontos, todas as empresas poderão operar no mesmo silo”, diz Luiz Claudio Santos, diretor de Logística da CGG Trading e porta-voz do consórcio.
Nos próximos três anos, as empresas consorciadas investirão, também, aproximadamente R$ 300 milhões em 15 novos armazéns menores e pátios de transbordo espalhados pelo interior do “Mapito”, próximos às áreas de originação. Outra vantagem competitiva, defendem elas, é a possibilidade de escoamento da safra por caminhão (os armazéns contam com oito tombadores) ou ferrovia. A VLI, braço de logística da Vale, promete entregar até maio próximo um ramal ferroviário de quase dois quilômetros até o Tegram.
“Isso deverá reduzir ainda mais o custo de frete”, diz Santos. “A intenção é que entre 70% e 80% dos grãos sejam escoados por trem e que o caminhão fique com o transporte de grãos originados em localidades mais próximas do porto”.
Pelo contrato de licitação, o Tegram deverá passar a escoar grãos também por um segundo berço quando atingir o volume de 5 milhões de toneladas de grãos por ano, a chamada fase dois do projeto. Hoje, esse berço (100) opera majoritariamente celulose (para a Suzano), clínquer (para indústria de cimento) e fertilizantes. E para onde esses produtos irão quando o Tegram passar a ter prioridade de atracação de navios nesse berço? “Boa pergunta”, devolve Lago, da Emap. “Esperamos recurso federal, mas está parado. Não vamos conseguir nada ali antes de dois anos. Quando o Tegram estender suas operações para o 100, vamos ter de tirar um berço novo daqui só com ganho de produtividade”.
Fonte: Valor Econômico