De cada cem litros de água consumidos no país, 72 são utilizados na agricultura.
O alto volume necessário para a produção de alimentos colocou a irrigação no alvo das medidas que podem ser adotadas em alguns Estados para evitar o desabastecimento nos centros urbanos.
Diante da gravidade da crise, há quem avalie que essa restrição é necessária. Para outros especialistas, porém, a irrigação não pode ser considerada a vilã da crise atual.
O consumo agrícola de água no Brasil está em linha com a média mundial, de 70%. Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas), os EUA e a Austrália apresentam percentual semelhante. Na China, a irrigação responde por 90% do total.
A atividade que mais consome água no campo é a irrigação, prática na qual o país ainda tem muito a evoluir. Apenas 8% da área plantada no Brasil é irrigada, o equivalente a 5,8 milhões de hectares, segundo a ANA. Nos EUA, por exemplo, ao menos 26% da área agrícola é irrigada.
Mesmo longe do seu potencial de irrigação, de 29,6 milhões de hectares, o consumo é alto em comparação com o urbano, que responde por 9% do total, e o industrial (7%).
Segundo Jorge Werneck Lima, pesquisador em hidrologia da Embrapa Cerrados, com boas práticas de manejo agrícola é possível economizar ao menos 20% da água consumida nas fazendas.
A presidente da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Hídricos), Jussara Cruz, diz que qualquer redução no uso da água pela agricultura pode gerar sobras para muitas residências.
O tamanho dessa redução, no entanto, depende da cultura e da localização da plantação irrigada. As áreas que mais precisam de gerenciamento, segundo ela, são as localizadas próximas aos mananciais que abastecem as grandes cidades.
CONFLITO
O tema é polêmico. “Não há um conflito entre a água para beber e a utilizada na agricultura”, diz Fernando Braz Tangerino Hernandez, titular da área de irrigação da Unesp Ilha Solteira.
Segundo especialistas, é preciso considerar que parte da água utilizada pela agricultura retorna à atmosfera pelo processo natural de evapotranspiração -evaporação da água presente nas camadas superficiais do solo e a transpiração das plantas, que ocorre nas folhas.
“A água passa pela planta e volta”, afirma Tangerino.
Além disso, os ganhos de produtividade proporcionados pela irrigação inibem o avanço da agricultura para áreas ainda não ocupadas pelo setor, contribuindo para a preservação do ambiente.
Para Luís Henrique Bassoi, pesquisador da Embrapa Semiárido, o produtor também se beneficia. Com a irrigação, o agricultor pode obter mais rentabilidade e maior segurança quanto à obtenção da colheita e até mesmo de colher em uma mesma área mais de uma vez por ano.
Caso seja necessária a imposição de um limite no uso da água para irrigação, a presidente da ABRH diz que é preciso adotar medidas compensatórias aos produtores que deixarão de produzir e ficarão sem renda. “Algumas pessoas não podem pagar sozinhas pela crise”, afirma.
Bassoi destaca que “o custo de não se irrigar” para obter uma melhor produção não se restringe apenas à perda de produção agrícola, mas na geração de renda e empregos.
Fonte: Folha de S. Paulo